Igualdade Substancial: ilusão inalcançável?

Por Fernando Antonio Silva de Brito Firmeza | 03/02/2016 | Direito

Igualdade Substancial: ilusão inaucansável?

            A evolução do princípio da igualdade é dividida em três fases: Na primeira, ainda na Idade Média, a regra que prevalecia era a desigualdade em favor daqueles mais ricos e poderosos, que teriam cada vez mais privilégios. A segunda fase, surgida com o Estado Liberal e o Iluminismo, trazia a noção de que todos são iguais perante a lei, devendo esta ser aplicada aos membros da mesma camada social de forma indistinta. É conhecida na doutrina como a igualdade formal. E, por último, a terceira fase, que surgiu com o Estado Social, em que a lei deveria ser aplicada, respeitando-se a desigualdade dos desiguais ou de forma igual aos iguais. A Constituição Federal de 1988 consagra, em seu texto, o princípio da igualdade formal, segundo o qual, todos são iguais perante a lei – art. 5º, caput. Trata-se de uma igualdade genérica e abstrata, que consubstancia uma garantia, ainda não suficiente, para acabar com o fantasma da exclusão social.[1]

            A igualdade jurídica formal tem por intuito vedar a discriminação, mas o fato de constar no texto constitucional proibição a respeito não significa que ela deixou de existir. Ao contrário, percebe-se que, ainda, não ocorre a fruição plena dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência, o que traz como consequência a desigualdade social entre esse grupo e os demais. Assim, tratar igualmente todos, sem nenhum tipo de distinção, não foi capaz de dissipar a marginalização socioeconômico que os aflige.

            Entretanto, para combater as práticas sociais que levam à exclusão e complementar a igualdade formal, a CF/88, em seu artigo 3º e seus incisos, também traz consigo a igualdade substancial, ao consagrar como objetivos fundamentais, constitucionais, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, visando a erradicar a pobreza e a marginalização, combater as desigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos os cidadãos, sem qualquer tipo de preconceito e discriminação. Essa igualdade possui outros nomes, como igualdade material, igualdade de resultados, igualdade efetiva ou concreta, e tem como finalidade promover a igualdade econômica, social e cultural.

            Observa-se que estão inseridos no texto normativo do art.3º verbos que indicam ação, ou seja, a designação de comportamentos ativos por parte do Estado para efetivar a igualdade de forma real, capaz de produzir um movimento de mudanças, de transformação social (ROCHA, 1996, p.289-290).

            A doutrina constitucional ampliou a terminologia do princípio da igualdade, seu conteúdo e forma de aplicação. Foi percebida a insuficiência da formalização da norma constitucional, bem como a necessidade de interpretação da norma de acordo com a experiência sócio-histórica à qual ela é aplicada .

            Logo, passa a Carta Magna a trabalhar em duas vertentes: combater a discriminação como medida repressivo-punitiva e promover a igualdade de fato com a implementação de ações que acelerem a equiparação das pessoas com deficiência às demais, utilizando, como mecanismo, as ações afirmativas. Isso significa que o sujeito passa a ser individualizado, especificado, particularizado. Para isso, institui-se um tratamento diferenciado para grupos que são considerados vulneráveis, a fim de fomentar a justiça social e proporcionar o acesso igualitário ao trabalho.[2] Dessa maneira, a Constituição Federal de 1988 deu efetividade substancial ao princípio da igualdade e promoveu a igualdade material, pois, só através dessa, alcançar-se-á a igualdade de oportunidades, oferecendo proteção especial às pessoas com deficiência, através da atuação do Estado.

            O Estado deixa de ser neutro, estático, e passa a ser dinâmico, interferindo e promovendo o bem estar de acordo com o texto constitucional. A igualdade material, estabelecida através da lei, deve ser usada para destacar as especificidades dos sujeitos e oferecer um tratamento diferenciado àqueles que dela necessitam. Assim, pratica-se o direito à diferenciação, através da qual se tem a valorização do “diferente” como meio para se chegar à “equidade” como fim.

            É através das ações afirmativas que se materializa o princípio da igualdade real. São medidas temporárias que, quando alcançadas suas finalidades, deixam de existir. Como exemplo, a CF/88 elenca em seu artigo 37, VII, a reserva de cargos públicos a pessoas com deficiência, igualando-as juridicamente com os demais, demonstrando, de maneira límpida, a moderna concepção do princípio. A aplicação das ações afirmativas deve ser observada tanto no âmbito público quanto no privado, pois é através delas que se transita da igualdade formal para a igualdade material e substantiva.[3]

Gomes realça que a CF/88 não se limita a vedar a discriminação, ela vai além, utilizando-se de medidas que, de maneira concreta, implementam a igualdade material. Ao invés de fomentar políticas públicas que beneficiariam a todos, o Estado considerará questões como a deficiência, no momento de efetivação das ações governamentais adotadas, com o objetivo de evitar o prolongamento das arbitrariedades e injustiças. O “encorajamento” do Estado possibilita às empresas analisarem, em sua formação, a representação de cada grupo no mercado laboral. Daí surgiu a ideia de igualdade de oportunidades, através da imposição de reserva legal de cargos para o

acesso de grupos vulneráveis a setores do mercado de trabalho. Destarte, poderem ser consideradas as ações afirmativas como a “mais avançada tentativa de concretização do princípio jurídico da igualdade”, o que vem a ser assegurado de modo formal e material pelo texto constitucional.

            Verifica-se que a consolidação da cidadania das pessoas com deficiência ainda necessita das ações afirmativas, para fortalecer o direito ao trabalho como um direito humano. Sassaki[4] argumenta que cidadania não combina com desigualdade, nem República com preconceito, muito menos democracia com discriminação. Assim, reafirma o uso daquele instrumento para a superação do problema que convencionou chamar não cidadão.

            A paz e a harmonia social podem ser alcançadas com o uso das ações afirmativas, ao possibilitar a inclusão nos processos produtivos e benefícios do progresso de grupos em situação de vulnerabilidade, ao partilhar de forma equitativa os recursos e as riquezas.

            Considerando o exposto, conclui-se que a igualdade substancial representa a concepção moderna do princípio da igualdade, no qual o Estado deixa a cômoda posição de neutralidade; sendo dinâmico, e assegurando o bem estar da pessoa com deficiência, oferecendo um equilíbrio nas relações entre autistas e sociedade no que diz respeito à igualdade de oportunidades, sendo essa transformação jurídica operacionalizada através das ações afirmativas.



[1]BONAVÍDES, Paulo, Do Estado Liberal ao Estado Social. 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2013.

[2]PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2010.

[3]Idem

[4]SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão – construindo uma sociedade para todos. 5. ed. Rio de Janeiro: WVA, 2003.