IGUALDADE, LIBERDADE E SÍNDROME DE ESTOCOLMO
Por Ney Carlos da Rocha | 30/10/2018 | PolíticaIGUALDADE, LIBERDADE E SÍNDROME DE ESTOCOLMO
Ney Carlos da Rocha
O discurso do liberalismo capitalista coloca a questão da prosperidade da sociedade como uma consequência do esforço individual de cada um, ignorando os aspectos sociais e coletivos envolvidos. Decorre disso uma estruturação e um modelo políticos que minimiza a participação das classes trabalhadoras (incluindo a classe média neste termo) envolvidas no processo produtivo e de construção de riqueza na sociedade desconstruindo a relação de causa e efeito entre a ideologia liberal capitalista e as desigualdades socioeconômicas. Essa ideologia da meritocracia do esforço pessoal reflete-se num modelo de democracia que minimiza a inserção das estruturas coletivas da sociedade civil e das classes trabalhadoras na participação política. A ideologia liberal que aparece após e influenciada pela Revolução Francesa, despreza a questão da necessária organização político social da coletividade para centrar-se na defesa da exploração de classes, avalizada por uma percepção de justiça moral decorrente do mérito individual e pessoal de cada indivíduo. Com isso acontece uma mudança na discussão sobre as desigualdades, alterando seu foco das questões coletivas e de inserção dos indivíduos em classes, decorrentes de sua relação capital-trabalho, para a especulação sobre seu mérito individual, colocando sua posição no estrato econômico-social como decorrente da sua própria atitude moral e disposição para o trabalho. Ou seja, tem direitos apenas aqueles que o fazem por merecê-los. Apropriando-me de uma citação de Lassale: “Os direitos que o liberalismo pretende... nunca os quer para o indivíduo enquanto tal, mas sempre para um indivíduo que se encontre numa situação particular, que pague certas taxas, seja provido de capitais etc.”. Os defensores deste ideário liberal esqueceram-se, como bem lembrou Hegel, que a desigualdade quando chega a um grau insuportável, anula o direito do indivíduo à liberdade e torna “igualdade” apenas uma palavra bonita para discursos, sem qualquer significado real. Vemos essa distorção na prática eleitoral da democracia capitalista ocidental, quando uma minoria da “aristocracia” política consegue se apropriar, através das mais modernas ferramentas e técnicas de comunicação, do consciente das pessoas, levando a discussão política e eleitoral para o campo das qualidades intrínsecas e pessoais do indivíduo e tornando as questões macroeconômicas, sociais e políticas, que realmente poderiam fazer diferença para a vida do povo, totalmente irrelevantes. Se analisarmos o desenvolvimento da democracia ocidental burguesa, mesmo considerando as iniciativas placebo do "welfare state" inspirado por Keynes, veremos que poucos avanços aconteceram no sentido dos verdadeiros direitos humanos, como idealizados pelo Iluminismo. De lá para cá muitas iniciativas aconteceram, incluindo aí a Declaração dos Direitos Humanos, porém, na prática, sempre substituídas pelas transformações cosméticas efetuadas pelo Capital para garantir que tudo mudasse, com tudo continuando o mesmo. Mesmo importantes avanços realmente conquistados pelo povo, como o sufrágio universal e a liberdade de imprensa, foram sendo paulatinamente modificados em prol da manutenção da dominação do Capital. Infelizmente, os vários movimentos da classe trabalhadora, no último século, na tentativa de alterar o “status quo”, acabaram, dado às frustrações acontecidas, fortalecendo o discurso das classes dominantes de demonização dos movimentos populares e de seus líderes. Essa demonização, ampliada pelas técnicas de propaganda e divulgação de massa, aperfeiçoadas desde a implantação dos Estados fascistas da Europa, acabaram por cooptar generosas porções da classe média e das classes menos favorecidas que terminam por constituírem-se em instrumentos daqueles que desejam mantê-las fora da esfera das decisões políticas e econômicas e perpetuamente abstraídas dos benefícios gerados por uma sociedade que realmente praticasse a Liberdade e a Igualdade. Vende-se à classe média e àquelas menos favorecidas, e elas compram, valores e práticas que as manterão permanentemente fora dos processos decisórios sobre a gestão do Estado e da distribuição das riquezas da nação. Temos então uma situação política que podemos comparar à “Síndrome de Estocolmo”, onde o oprimido apaixona-se pelo opressor e a ele presta subserviência voluntária. É importante que os setores mais comprometidos com o povo, com a defesa integral dos conceitos de Liberdade e Igualdade sociais e com a transformação do Brasil num país justo, onde todos tenham igual direito a prosperidade, não se acovardem frente à onda direitista liberal que varre nosso país e defendam, por todos os meios a que tenham acesso, os avanços já conquistados e lutem por aqueles que ainda precisamos conquistar.