Igreja?
Por Joacir Soares d'Abadia | 01/06/2009 | ReligiãoIgreja?
Joacir Soares d’Abadia
A Igreja é uma realidade misteriosa. Mas por ser mistério não pode lavar-nos a crer que seja impossível de se tramar uma reflexão a respeito dela. É, pois, um mistério de Salvação. Ou seja, é um mistério que atinge os homens, porque são esses os que têm a possibilidade de serem salvos. Então, a Igreja é uma assembleia de povo reunido, ao passo que esta assembleia foi convocada por Cristo. Ela, todavia, comporta duas realidades uma humana e outra divina.
Definição de “Igreja”
A definição de “Igreja” não é tão fácil e precisa se ter muita sutileza porque no português tem-se diversos significados. Ela é entendida tanto como o Templo cristão como também a comunidade cristã. Contudo, ambas significações estão certas. Porém, aqui se busca responder a indagação: “Igreja?”, tendo em vista a segunda significação, que ressalta que Igreja é a comunidade dos cristãos.
Nos documentos da Igreja tem-se múltiplos significados a respeito desse termo. No Catecismo da Igreja Católica (CEC – sigla em Latim), vem expresso em muitos parágrafos a designação da terminação Igreja.
No parágrafo ou seção (§ 751) do Catecismo está divulgado que a palavra "Igreja" significa "convocação". Designa assembléias do povo (cf. At 29,38), geralmente de caráter religioso. Ao denominar-se "Igreja", a primeira comunidade dos que criam em Cristo se reconhece herdeira dessa assembléia. Nela, Deus "convoca" seu Povo de todos os confins da terra.
Ela, na seção seguinte, é o Povo que Deus reúne no mundo inteiro. Existe nas comunidades locais e se realiza como assembléia litúrgica, sobretudo eucarística. São Cipriano, portanto, escreve que a Igreja é o "povo congregado na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo".
A Constituição Dogmática “Lumen Gentium” (LG) que trata sobre a Igreja ensina que ela é “sinal e instrumento, da união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG 1). Por outro lado, a Constituição, pronuncia que a Igreja é o reino de Cristo (LG 3).
A Igreja, portanto, aparece com diversas qualificações sem que uma possa vir em detrimento da outra, mas pelo contrário, todas elas se unem para procurar definir uma realidade que é, em si mesma, Mistério de Salvação. Desse modo, pode se falar das várias imagens que se tem da Igreja.
O termo “Igreja” Segundo Testamento
Não é de se assustar pela quantidade de vezes que aparece a palavra “Igreja” no Novo Testamento, ao passo que Ela foi fundada com a partir de Cristo. Encontra-se 85 vezes, sendo que nos Evangelhos aparece somente duas vezes e, não obstante, num único Evangelho. O restante está espalha por todo o NT.
Nos Evangelhos
Nos evangelhos, o vocábulo “Igreja” aparece apenas duas vezes. Em Mt 18, 17: “Caso não lhes der ouvido, dize-o à Igreja. Se nem mesmo à Igreja der ouvido, trata-o como gentio ou publicano”, se refere à comunidade local ao tratar da correção fraterna. E, em Mt 16, 18 recorda que Jesus falou da Igreja em sentido amplo: “sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.
Fora dos Evangelhos
Na Sagrada Escritura, a expressão “Igreja” tem sua grande manifestação naquilo que se pode dizer: “fora dos Evangelhos”. Porém, nos Atos dos Apóstolos a fórmula se torna predominante. Ela aparece, segundo, Pie-Ninot, 28 vezes indicando tanto as comunidades locais como um âmbito mais amplo.
Referente às comunidades locais tem-se: a) At 15, 3: “Eles, despedidos afavelmente pela Igreja” e b) At 16, 1: “Se julgais que tenho fé no Senhor, entrai em minha casa e ficai comigo. E obrigou-nos a isso”.
No sentido amplo tem-se: a) At 5, 11: “Sobreveio então grande temor à Igreja inteira e a todos os que tiveram notícias destes fatos” e b) At 9, 31: “A Igreja gozava então de paz por toda a Judéia, Galileia e Samaria”. Aqui mostra um período de Tranquilidade da Igreja.
Ela aparece em diversas outras passagens, como por exemplo, Ef 5, 25: “[...] como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela”, Cl 1, 24: “[...]. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja”, At 8, 3: “Saulo, porém, devastava a Igreja..”; 1 Cor 1, 2: “Paulo, apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, à igreja de Deus que está em Corinto, e a todos os irmãos santos que estão em toda a Acaia.”; "Pois quem não sabe governar a sua própria casa, como terá cuidado da Igreja de Deus?"(1 Tm 3, 5); "Está alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor" (Tg 5, 14) e "Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas" (Ap 3, 22)
A origem da Igreja
A questão da origem da Igreja é algo que não se tem um consenso. No entanto, pode se afirmar que a Igreja surgiu a com e a partir de Cristo. Denzinger diz que “A Igreja foi instituída imediata e diretamente pelo próprio Cristo, verdadeiro e histórico, enquanto vivia entre nós” (DS 3540).
Antes de Jesus Cristo, a Igreja, portanto, não existia, mas foi “prefigurada”. Na “Lumen Gentium” diz que a Igreja é “prefigurada desde a origem do mundo e preparada admiravelmente na história do povo de Israel e na antiga aliança,[1] e instituída "nos últimos tempos", foi manifestada pela efusão do Espírito, e será consumada em glória no fim dos séculos (LG 2).
A origem, com efeito, da Igreja pode ter se dado em quatro momentos: na Encarnação do Verbo (cf. Jo 1, 14); no primado de Pedro (cf. Mt 16, 18); do lado aberto de Cristo (SC 5; LG 3) e Pentecostes.
Ao se falar da origem, vários Teólogos preferiram explanar suas reflexões partindo daquilo que são os “atos fundantes” da Igreja, ou seja, a sua “geração” para se chegar à sua manifestação em Pentecostes. Assim, cada autor escolhe sua opção para falar da origem da Igreja e justifica, claro, o porquê da escolha.
O teólogo Pié-Ninot diz que o tema da formação da Igreja e de sua relação com Jesus é fundamental para a fé cristã. Ela ressalta ainda que o lugar de tal desenvolvimento se encontra no acontecimento de Pentecostes, como também na função de protagonista dos Apóstolos, especialmente de Pedro, como pioneiro da primeira comunidade cristã, que juntamente com Paulo, missionário dos gentios, se revelam os grandes portadores do desenvolvimento e da formação da Igreja.
Portanto, aqui não é importante definir onde é a origem da Igreja, mas mostrar as várias opções que se tem ao se tratar desse tema. Deixando, com isso, a possibilidade de se ter outras reflexões sobre o mesmo assunto. O que se diz com veemência é que os diversos acontecimentos que foram citados constituem os atos fundates da Igreja.
Em síntese, a Igreja é a comunidade reunida; é assembleia convocada por Cristo. O Catecismo diz que Igreja “Designa a assembléia daqueles que a Palavra de Deus convoca para formarem o Povo de Deus e que, alimentados pelo Corpo de Cristo, se tornam Corpo de Cristo” (CEC § 777). Na “Dei Verbum’ é apresentada a Igreja como aquela que “perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê” (DV 8).
As várias imagens da Igreja
Na Constituição Dogmática “Lumen Gentium” no número seis e nas seções – de 754- 757 - do Catecismo da Igreja Católica são apresentadas várias imagens da Igreja, a saber:
a) é o redil, do qual Cristo é a única e necessária porta (cf. Jo 10,1-10). Ela é também a grei, da qual o próprio Deus prenunciou que seria o pastor (cf. Is 40,11; Ez 34,11-31).
b) é a lavoura ou campo de Deus (1Cor 3,9). Nesse campo cresce a oliveira antiga, cuja raiz santa foram os Patriarcas e em que foi feita e se fará a reconciliação dos judeus e dos gentios (cf. Rm 11,13-26).
c) a Igreja é também chamada de construção de Deus (cf. 1Cor 3,9). O próprio Senhor comparou-se à pedra que os construtores rejeitaram e se tomou a pedra angular (Mt 21,42 par.; At 4,11; 1Pd 2,7; Sl 118,22).
d) Ela é chamada também de 'Jerusalém celeste' e 'nossa Mãe' (Gl 4,26)[2]. E ainda descrita como a esposa imaculada do Cordeiro imaculado[3]. Cristo 'amou-a e por Ela se entregou, a fim de santificá-la' (Ef 5,26).
Igreja Universal E Igrejas Particulares
O Codex Iuris Canonici fala sobre as Igrejas particulares dizendo que “são primeiramente as dioceses” (CIC 368). Na sua nota vem explicando que “Não se dá aqui uma definição de Igreja particular, mas se coloca como paradigma a diocese, cujo conceito, contido no cânon seguinte, pode ser aplicado, com as adaptações oportunas, aos outros tipos de Igrejas particulares enumeradas aqui”.
Portanto, no cânon indicado acima está formulado que: “A diocese é uma porção do povo de Deus confiada ao pastoreio do Bispo com a cooperação do presbitério, de modo tal que, unindo-se ela a seu pastor e, pelo Evangelho e pela Eucaristia, reunida por ele no Espírito Santo, constitua uma Igreja particular, na qual está verdadeiramente presente e operante a Igreja de Cristo una, santa, católica e apostólica” (CIC 369)[4].
Aqui se faz necessário esclarecer alguns elementos com seus respectivos significados:
a) o "Pastor próprio", na pessoa do Bispo;
b) o "presbitério", como complemento necessário do Bispo;
c) os dois elementos em torno dos quais se constrói a unidade: a "Palavra" e o "Sacramento";
d) a verdadeira alma dessa unidade: o "Espírito Santo";
e) tem-se também as 4 notas da Igreja Católica: una, santa, católica e apostólica.
Depois desse apanhado pode ser dito que a Igreja plana de Cristo “Subsiste” (LG 8) na Igreja Católica com suas 4 notas e seus três vínculos, os quais nos indica o cânon 205: “Neste mundo, estão plenamente na comunhão da Igreja católica os batizados que se unem a Cristo na estrutura visível, ou seja, pelos vínculos da profissão da fé, dos sacramentos e do regime eclesiástico[5]”.
A Congregação para a Doutrina Da Fé diz que “A Igreja de Cristo, que no Símbolo confessamos una, santa, católica e apostólica, é a Igreja universal, ou seja, a universal comunidade dos discípulos do Senhor , que se torna presente e operante na particularidade e diversidade das pessoas, grupos, tempos e lugares”.
Continua a Congregação ressaltando que “Entre estas múltiplas expressões particulares da presença salvífica da única Igreja de Cristo, encontram-se desde a época apostólica as que em si mesmas são Igrejas[6], porque, embora particulares, nelas se torna presente a Igreja universal com todos os seus elementos essenciais[7]. São por isso constituídas "à imagem da Igreja universal"[8], e cada uma delas é "uma porção do Povo de Deus confiada à cura pastoral do Bispo coadjuvado pelo seu presbitério"”[9] [10]. Depois de entretermos sobre o que é Igreja universal e particular surge a necessária compreensão de uma outra realidade: a Paróquia.
A Paróquia
A paróquia é vista pelo Codex Iuris Canonici como uma “personalidade jurídica” (cân. 515, § 3). Desse modo, de acordo com o que agora dispõe neste parágrafo 3, o Bispo não pode considerar as paróquias como simples apêndices da diocese, mesmo que na organização civil sejam pura e simplesmente ''filiais''. Elas gozam de verdadeira personalidade jurídica canônica e devem atuar através do pároco (cf. cân. 532), embora se encontrem submetidas à vigilância do Bispo.
A fórmula “Paróquia”, segundo o nosso Código vigente, é uma determinada comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, e seu cuidado pastoral é confiado ao pároco como a seu pastor próprio, sob a autoridade do Bispo diocesano (CIC, cân. 515).
É uma palavra que provém do grego "para-oikia", ou seja, aquilo que se encontra perto ou ao redor da casa (supõe-se ''do Senhor'', ou seja, da Igreja).
A estruturação paroquial
O Código de 1983, o qual está em vigor e que ab-roga, dentre outros, o Código de Direito Canônico promulgado em 1917, nos diz, na nota do cânone 515 que a organização paroquial começou a surgir no século IV, mas sua estrutura definitiva só se deu no Concílio de Trento.
No entanto, o Concílio Vaticano II acentuou o caráter pessoal, de comunidade, das diversas unidades eclesiais. Esse caráter é afirmado claramente no novo Código, em relação à paróquia.
A reserva da erecão de paróquias exclusivamente ao Bispo diocesano - o Vigário Geral só poderia fazê-lo com mandato especial - não se encontrava explicitamente afirmada no velho Código [de 1917] (cf. cân. 216), embora fosse óbvia pela própria natureza das coisas. Também não havia uma declaração da personalidade jurídica da paróquia, em virtude do próprio direito.
Diante de tudo isso, sabendo que a Igreja é um Mistério de Salvação, ainda se pode investigar sem asco de exaurir o tema: “que é a Igreja?”, em síntese[11].
Bibliografia
Catecismo da Igreja Católica.
Codex Iuris Caninici. Versão Virtual: Paulinas Multimídia.
Bíblia de Jerusalém: Virtual e impressa.
DENZINGER, H. Compéndio dos símbolos, definições de fé e de moral. Traduzido por José Marino e Johan Konings. São Paulo: Paulinas: edições Loyola, 2007.
Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II.
PIÉ-NINOT, Salvador. Introdução à eclesiologia. Tradução de: João Paixão Neto. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2006.
[1] Cf. São Cipriano, Epist. 64, 4: PL 3, 1017. CSEL (Hartel), III B, p. 720. Santo Hilário de Poitiers, In Mt 23, 6: PL 9, 1047. - Santo Agostinho, passim. - São Cirilo de Alexandria, Glaph. in Gen., 2, 10: PG 6g, 110 A.
[2] Cf. Ap 12,17.
[3] Cf. Ap 19,7; 21,2.9; 22,17.
[4] A nota do cânon diz: “A definição de "diocese" se inspira no Decreto "Christus Dominus", n. 11, do Concílio Vaticano II. Nela aparece, em primeiro lugar o elemento pessoal (''porção do Povo de Deus'') e não mais o territorial, como no velho Código [de 1917 que se chamava Pio - beneditino, porque iniciou com Pio X e terminou com Bento XV. Ele foi um apogeu da Igreja na busca pela sua afirmação. E contou com pietro na sua redação]”.
[5] Sobre o regime eclesiástico pode ser encontrado na “Lumen Gentium” no número 14.
[6] Cfr. At 8, 1; 11, 22; 1 Cor 1, 2; 16, 19; Gal 1, 22; Apoc 2, 1.8; etc.
[7] Cfr. PONTIFICIA COMISSÃO BIBLICA, Unité et diversité dans l'Église, Lib. Ed. Vaticana, 1989, especialmente, pp. 14-28.
[8] Const. Lumen gentium, n. 23/a; cfr. Decr. Ad Gentes, n. 20/a.
[9] Decr. Christus Dominus, n. 11/a.
[10] Congregação Para A Doutrina Da Fé. Carta aos Bispos Da Igreja Católica: Sobre Alguns Aspectos Da Igreja Entendida Como Comunhão, 28 De Maio De 1992, n 7.
[11] Aqui, pelo fato de não querer esgotar o assunto, o qual é vastíssimo sobre a problemática “Igreja” não se deteve na hierarquia da Igreja com sua organização e nem mesmo se fez precisar desenvolver a questão a respeito dos fieis, mas que isso não deixa de possibilitar uma pesquisa mais perspicaz em outros momentos tendo em vista o Livro II do Código de Direito Canônico, o qual vem anunciando: “Do povo de Deus”.