IA - Uma nova fronteira

Por Mário Sérgio Rodrigues Ananias | 17/10/2023 | Sociedade

Mudanças,

Uma percepção sobre as aceleradas mudanças experimentadas a partir do desenvolvimento da Inteligência Artificial. 

Sou madrugador. Um vício que se consolidou em mim no período em que trabalhei na Açominas, em Ouro Branco, quando morei em Belo Horizonte.

O ônibus da empresa Teixeira, contratado pelo amigo Fernando Kubitscheck, nos levava cedo todos os dias pelos aproximados 100km entre as cidades. O motorista, Edson, chegava por volta das quatro e meia onde eu embarcaria, porque eu era o primeiro de uma longa lista de usuários apanhados nos diversos pontos por onde serpenteava o ônibus até alcançar a BR-040, logo após o recém-inaugurado Shopping BH.

Numa dessas manhãs, a caminho do trabalho na Câmara Legislativa do DF, ouvi no rádio, que sempre está ligado, uma notícia-desabafo de um expoente jovem da música americana. Em uma reportagem, ele expressava sua grande preocupação em relação ao futuro das letras e melodias nas músicas.  Segundo ele, já está difícil identificar o que foi produzido pela arte, sensibilidade e talento humanos e aquilo que é somente o resultado de um processo eletrônico, frio e eminentemente comercial.

A esse respeito me veio à memória imediatamente a música do grego Vângelis (1943-2022), que praticamente inaugurou, ou pelo menos iniciou a maior visibilidade da música eletrônica, com sucessos espetaculares em temas de filmes.  Esse sucesso lhe rendeu, inclusive, um Óscar de Melhor Trilha Sonora Original, em 1984. Também me veio à lembrança a música de Gilberto Gil, Lunik 9 (1967), em que conclama os poetas, seresteiros e namorados a correr para “escrever e cantar, talvez as derradeiras noites de luar”. Essa canção já demonstra a preocupação com a mudança de paradigmas, de valores culturais. 

Na mesma linha, outros autores demonstraram essas preocupações, como Carlinhos Vergueiro na música Precipício, em que ele suplica para que não o deixem mudo, ou seja, que se preserve nele alguma palavra que possa usar sem que seja apenas uma repetição do que houvera sido dito por outrem.

As Inteligências Artificiais, as inovações tecnológicas, em todas as áreas, vêm alterando significativamente a forma como nos relacionamos com os diversos ambientes. Sempre houve uma preocupação com a substituição da atividade humana, meramente mecanicista, para produção industrial ou para a execução de atividades repetitivas de serviço.

No Brasil, em especial, na década de 1970, quando os movimentos sindicais passaram a exigir melhores condições de trabalho em atividades insalubres, como pintura automotiva ou análise de altas temperaturas em siderúrgicas; ou perigosas, como alguns tipos de soldagens ou direcionamento de lingotes incandescentes; as indústrias investiram em automação para substituir essa mão de obra.

O processo foi muito exitoso, quanto à economia e produtividade, pois máquinas não se ressentem de ambientes insalubres por poeira, barulho, calor, frio; e tampouco se distraem, usam sanitários, demandam alimentação, descansos, férias. E isso estimulou a que se avaliasse o uso dessas tecnologias para outras atividades, em especial as padronizadas, cíclicas.

Por outro lado, passou-se a exigir do trabalhador, uma maior qualificação para responder às novas demandas em um nível intelectual especializado, de conhecimentos consistentes, para atender aos novos parâmetros de habilidades.

E pensávamos todos, ou pelo menos a maioria de nós, que apenas a área material seria afetada. Ledo engano! A música, como visto acima, com os sintetizadores passou a depender menos de instrumentos soprados, batidos ou dedilhados por artistas que treinaram por anos a fio. As vozes maravilhosas dos cantores perdem espaço para outras vozes, comuns, distorcidas, desafinadas, pois os equipamentos moderníssimos corrigem as dissonâncias e fazem a adequação aos tempos, ritmos e métricas musicais.

Por mais que não queiramos, por mais que nos debatamos contra essa corrente avassaladora de ciência, certamente seremos engolidos por essa avalanche de novos conceitos e saberes. Somos os humanos, todavia, altamente adaptáveis e poderíamos, certamente, nos adaptar às novas estruturas e fruir com alegria, a despeito de alguma nostalgia, toda a parafernália que reduz a necessidade de uso da nossa força física e, eventualmente, de nosso intelecto. Poderíamos nos valer de todo o tempo disponibilizado pelo trabalho das máquinas para aprimorar nosso cabedal de conhecimentos, exercitar nosso cérebro em prol de novos conhecimentos e aventuras transcendentes, espirituais.

Ou podemos sofrer enquanto nos ressentimos e maldizemos as novidades, as mudanças.


MARIO SERGIO RODRIGUES ANANIAS

Escritor, Palestrante, Administrador e Gestor Público