Horto: o diário íntimo de Auta de Sousa

Por Irineu Correia de oliveira | 15/03/2012 | Literatura

HORTO: O DIÁRIO ÍNTIMO DE AUTA DE SOUSA

                                               Irineu Correia de Oliveira*

 

 

                   Auta de Sousa nasceu em Macaíba, no Rio Grande do Norte, a 12 de setembro de 1876. Ela ficou órfã de pai e mãe em tenra idade, é colocada interna  no colégio “São Vicente de Paula”, em Pernambuco. Aos catorze anos, começou a manifestar-se a doença que a causaria a tuberculose. Terminados seus estudos, vai para o sertão em busca de melhora, que não chega a conhecer. Presa ao leito, consumindo-se aos poucos, emprega suas pobres forças e seus dias de tédio a compor versos. Em 1900, reuni-os num volume a que deu o título de Horto, e publica-o com prefácio de Olavo Bilac, o que lhe garante pronta aceitação e respeito. Como se a doença apenas esperasse que a poetisa colhesse a alegria vã e breve de possuir um livro impresso e aplaudido, a morte vem visitá-la a 7 de fevereiro de 1901, em Natal, capital do estado em que nascera.

                   Ela deixou um livro apenas em curta existência, cuja segunda saiu em 1910, enriquecida de alguns inéditos e uma nota biográfica de  seu irmão, o poeta simbolista Henrique Castriciano (de Sousa). Em 1936, estampa-se uma terceira edição, agora precedida dum prefácio consagrador de Alceu Amoroso Lima.

                   Em sua obra envolve completamente a sua biografia. Desse modo, Horto constitui uma espécie de diário íntimo, ou de breviário cujas orações uma adolescente fosse compondo com o próprio sofrimento que lhe habitava a carne e os sentidos, numa dolorosa expiação sem culpa, mas de que resultasse uma luminosa ascese apenas interrompida pela morte. Parece que o escreveu para, confessando-se e rezando por seu intermédio, suavizar a dor que a entrevava, e ofertar algum lenitivo as criaturas em idênticas condições. Em suma: guiou-a muito mais um impulso de coerência religiosa que o desejo de brilhar no mundo literário.

                   Auta de Sousa procurou a emolencia rítmica dos salmos ou das cantigas trovadorescas, por meio de melopéias que evocam ladainhas ou a plangência da poesia medieval. Ora, para os que se debruçaram  sobre os poemas de Alphonsus de Guimarães e conhecem as doutrinas simbolistas, não padece dúvida a cerca da tendência estética em que a poetisa se situava.

                   As imagens relacionadas com a cor branca persistem ao longo de todo o Horto. Então o mecanismo de imagens ajuda a patentear até que ponto Auta de Sousa se aproximou ao Simbolismo.

                   Encontra-se em sua poesia, uma semelhança a mesma equação psíquica de Santa Teresa de Jesus. Comprova isso com a epígrafe daquela santa no poema “Ao senhor do Bonfim” que diz (“sofrer ou morrer!”). Entretanto, suas solitações transcendais distinguem-se das de Santa Teresa na medida em que estão despojadas de qualquer carga erótica: Cristo para Auta de Sousa, não substitui o homem que mereceria seu afeto, mas é amado na sua condição de Deus feito homem.

                   O seu misticismo é ingênuo e inocente, como a da criança que ainda não despertou para a vida consciente e madura dos sentidos. Realmente, trata-se também dum misticismo de entrevada, que nem chegou a conhecer a erupção dos apetites sexuais, tão combalidas estavam suas energias. Para melhor arrumar a questão, ainda se poderia convocar outro aspecto, qual seja, uma espécie de fixação à infância, motivada pela precoce orfandade, a morte dum irmão num incêndio, e a educação cheia de reservas e recalques no internato de freiras. De qualquer modo, Auta de Sousa identifica-se acima de tudo como a poesia mística, mesmo quando os motivos de seus poemas eram cotidianos, realistas ou de ocasião.

                   A infância também lhe traz melancolia e saudade, mas paradoxalmente esses sentimentos possuem  o condão de preencher-lhe o vazio dos dias sem esperança.

                   Portanto, a poesia de Auta convém à sensibilidade: sentimentos melancólicos, relatando sua vida, colocando os leitores dentro do seu sofrimento.  A ideia de morte está presente em todo o livro, mas a esperança também aparece para amenizar o definhamento da melancolia.