Homossexualidade e Amizade como Modo de Vida
Por Marianne Sousa | 26/01/2009 | FilosofiaMarianne Sousa Barbosa[1]
marinaianne@hotmail.com
José Nilton Conserva de Arruda[2]
Resumo:
Pretende-se apresentar, através de textos e entrevistas de Michel Foucault, como a amizade pode estar intrinsecamente ligada à questão da homossexualidade entendida como modo de vida. E é esta relação existente entre as duas que faz com que a homossexualidade seja vista de forma perturbadora pela sociedade, pois o que a incomoda não é o ato sexual em si, mas as possíveis relações de afeto que este modo de vida pode apresentar: fidelidade, respeito, companheirismo, carinho. A amizade vivida nesta forma de sexualidade é responsável pela invenção de uma multiplicidade de relações. Foucault ainda nos mostra a noção de ascese e a função que ela tem no inventar de uma nova forma de vida e como a noção de episteme nos possibilita compreender a construção da homossexualidade. Enfim, busca-se, com este trabalho, uma reflexão de como a homossexualidade pode experimentar, através da amizade, diversas formas de prazer acompanhadas de sentimentos.
Palavras-chaves: Foucault,homossexualidade, amizade, modo de vida.
Em entrevista publicada no jornal Gai Pied, em abril de 1981, e intitulada de "De I'amitié comme modo de vie" (Da amizade como modo de vida), Foucault desenvolve o conceito de homossexualidade (onde particularmente, após dúvidas e incertezas aceita sua própria sexualidade e percebe a posição central que esta ocupa em sua vida) e resolve então fazer algumas reflexões a este respeito por meio do jornal acima citado, dirigindo-se, neste contexto, a jovens com faixa etária de 25 a 35 anos, público alvo da leitura do mesmo.
Foucault apresenta a seguinte indagação: "Quais relações podem ser estabelecidas, inventadas, multiplicadas, moduladas através da homossexualidade?" (FOUCAULT, 1981, p. 38-39) e nos diz através dela, que a sexualidade[3] deve ser voltada, ou pelo menos usada, em prol da busca de uma multiplicidade de relações que está intrinsecamente ligada ao 'problema' da amizade. "... o interesse pela amizade está se tornando muito importante. Não se entra simplesmente na relação para poder chegar à consumação sexual, o que se faz muito facilmente; mas aquilo para o que as pessoas são polarizadas é a amizade." (FOUCAULT, 1981, p. 38-39).
Foucault teoriza explorando uma experiência bem pessoal, pois vive uma relação com Daniel Defert, um estudante de filosofia e ativista político, dez anos mais jovem que ele, foram parceiros por mais de vinte anos e tiveram uma relação afetiva intensa.
O desejo de compartilhar com rapazes, algo- além do sexo -como, por exemplo seus tempos, refeições, confidências, alegrias, problemas e lazeres têm grande importância do ponto de vista de sua própria existência e é uma aspiração, um desejo que marca as relações homoeróticas. Foucault nos apresenta tal aspiração, afirmando que:
"... para um homossexual o melhor momento do amor é... o momento em que o ato já se realizou e o rapaz vai embora e começa a lembrar o calor daquele corpo, o encanto do sorriso, o tom da voz. O que assume a maior importância nas relações homossexuais não é a antecipação do ato, e sim a lembrança dele." (FOUCAULT, 1999, p. 32)
Na relação entre dois homens, especificamente falando, tem que existir a busca, ainda sem forma, da amizade. Isto implica dizer, a soma de todas as coisas prazerosas
para ambos. Destruindo desta forma, a imagem que se dá a homossexualidade como forma de prazer imediato e exaltando a virtualidade existente na mesma, (Foucault se utiliza do termo gay[4] ao tratar da homossexualidade, para estabelecer uma neutralidade, já que a homossexualidade é vista de forma negativa e a heterossexualidade positiva) como possíveis relações de afeto, carinho, companheirismo e fidelidade que por sinal, não merecem espaço na sociedade por serem vistas de maneira "perturbadora", ou seja, o modo de vida gay incomoda mais que o ato sexual em si. Foucault acrescenta que:
"Imaginar um ato sexual que não esteja conforme a lei ou a natureza,não é isso que inquieta as pessoas. Mas que indivíduos comecem a se amar, e ai está o problema. A instituição é sacudida, intensidades afetivas a atravessam, ao mesmo tempo, a dominam e perturbam." (FOUCAULT, 1981, p 38-39)
A função da ascese na homossexualidade
Foucault afirma que o ascetismo- doutrina moral de contemplação- como forma de
"... renúncia ao prazer possui uma má reputação" (FOUCAULT, 1981, p.38-39), pois entende a ascese como um esforço que é feito sobre si para se transformar ou para fazer com que apareça esse si que não se alcança. Este seria então, o problema da atualidade: "... colocamos o ascetismo em férias. Temos que avançar sobre uma ascese homossexual que nos faria trabalhar sobre nós mesmos e inventar – não digo descobrir – uma maneira de ser, ainda improvável." (FOUCAULT, 1981, p. 38-39).
Na relação que Foucault faz entre a amizade e a homossexualidade, a ascese terá função de autoformação, auto-elaboração, onde deverá desempenhar e/ou inventar uma constituição de forma de vida gay.
Dessa forma, as definições de forma de vida e de amizade implicarão na recusa de toda uma cultura homossexual, antes concentrada na liberdade do desejo e na procura de uma identidade sexual, fazendo com que a homossexualidade busque novas formas de vida. Devemos então, tornarmos-nos suscetíveis a satisfações. Explicando melhor, Foucault nos diz:
"Esta noção de modo de vida me parece importante. Não seria preciso introduzir uma diversificação outra que não aquela devida às classes sociais, diferenças de profissão, de níveis culturais, uma diversificação que seria também uma forma de relação e que seria "o modo de vida"? Um modo de vida pode ser partilhado por indivíduos de idade, estatuto e atividade sociais diferentes. Pode dar lugar a relações intensas que não se parecem com nenhuma daquelas que são institucionalizadas e me parece que um modo de vida pode dar lugar a uma cultura e a uma ética. Ser gay é, creio, não se identificar aos traços psicológicos e às máscaras visíveis do homossexual, mas buscar definir e desenvolver um modo de vida." (FOUCAULT, 1981)
Diferentemente do que era a amizade na Antiguidade (baseada na eliminação das relações sexuais, tratando-a como uma relação institucionalizada que implicava em sistemas de imposições e obrigações), a discussão sobre a amizade para Foucault consiste na análise de novas formas de vida homossexual, possibilitando a existência de relações e sentimentos, o que não acontece na grande maioria dos casos homossexuais por força da configuração social e das práticas discursivas que prende a homossexualidade no jogo da luta por liberação do desejo e construção de uma identidade.
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O uso do sadomasoquismo
As práticas sadomasoquistas oferecem a Foucault uma importante noção deamizade – remetendo a homossexualidade – com a presença constante de relações de
poder, possuindo reciprocidade e permutação sem transformá-la num estado de dominação. Dessa forma, a amizade representa a procura e a experimentação de novas e múltiplas formas de prazer e de relacionamento, intensificando e respeitando não só o próprio prazer, mas o do amigo, através da sexualidade. O sadomasoquismo constitui uma forma de dessexualizar o prazer, buscando novas possibilidades de se obter prazer e multiplicando os centros de prazer no corpo.
"O sadomasoquismo recusa a centralização do poder implicada na redução do prazer corporal ao prazer genital; no jogo sadomasoquista qualquer parte do corpo pode vir a ser um instrumento sexual... As práticas sadomasoquistas oferecem inúmeras possibilidades criativas de trazer à luz um novo si mesmo e de fazer do corpo o lugar da produção de prazeres..." (ORTEGA, 1999, p. 146)
Gênese e episteme
Após considerações gerais sobre a natureza da homossexualidade masculina, Foucault procura a gênese[5] da visão que a sociedade tem em relação à homossexualidade e aponta que esta faz parte da episteme[6] – trata-se de uma estrutura de pensamento que representa a idéia de uma determinada época – do decorrente período histórico. Sendo assim, cada período possui uma episteme, ou seja, um conjunto de saberes de uma época, uma rede de formação discursiva diretamente implicada com múltiplas relações de poder[7]. (no caso a homossexualidade) no interior destas práticas discursivas Esta maneira determinada de co(no caso a homossexualidade) no interior destas práticas discursivas Esta maneira mpreender a relação poder-saber permite situar as práticas.
Podemos ainda, observar em outro texto de Foucault intitulado de "Escolha sexual, ato sexual" (FOUCAULT, 1994, p. 320-335), que o comportamento sexual não é visto por ele como desejos procedentes dos instintos da natureza humana ou como leis lícitas e limitadoras que dizem o que se deve ou não fazer. O comportamento sexual consiste, além disso, em ter consciência do que se faz, de que maneira esta sexualidade é vista e o valor que é concedida a mesma. É desta forma que o conceito de homossexualidade "ganha" uma apreciação positiva, onde as questões de afetividade são valorizadas.
"O que eu gostaria de dizer é que, em minha opinião, o movimento homossexual tem mais necessidade hoje de uma arte de viver do que de uma ciência ou um conhecimento científico (ou pseudocientífico) do que é a sexualidade. A sexualidade faz parte de nossa conduta. Ela faz parte da liberdade em nosso usufruto deste mundo. A sexualidade é algo que nós mesmos criamos - ela é nossa própria criação, ou melhor, ela não é a descoberta de um aspecto secreto de nosso desejo. Nós devemos compreender que, com nossos desejos, através deles, se instauram novas formas de relações, novas formas de amor e novas formas de criação. O sexo não é uma fatalidade; ele é uma possibilidade de aceder a uma vida criativa." (FOUCAULT, 1982)
Considerações Finais
A abordagem da homossexualidade desenvolvida por Foucault permite alargar a compreensão de tal vivencia e remete para uma postura positiva de convivência pacífica com a diversidade. Observamos que a educação e/ou formação filosófica podem e devem ter esse caráter instrutivo. Que possibilite uma orientação adequada a respeito de qualquer tema. Criando assim, espaços para discussões e reconhecendo a importância do poder nas relações sociais como forma de dominação e coerção. Deixando prevalecer o respeito à escolha e/ou opção sexual de cada um, baseado no livre arbítrio e na liberdade.
Deve-se então, usar a formação filosófica como forma de esclarecimento, mostrando que a homossexualidade deve ser compreendida como uma atitude existencial não reduzida ao ato sexual. A afetividade vivida entre parceiros do mesmo sexo que decidem e tem a coragem de enfrentar as diversas formas de relações de poder existentes na sociedade em busca do prazer em comum, implica a invenção de uma forma de vida gay.
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Referências Bibliográficas
FOUCAULT, Michel. Um diálogo sobre os prazeres do sexo NIETZCHE, FREUD e MARX Theatrum Philosoficum.São Paulo: Landy, 2005
ORTEGA, Francisco. Amizade e Estética da Existência em Foucault. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
STRATHERN, Paul. FOUCAULT em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
REVEL, Judith. FOUCAULT Conceitos Essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
TEXTOS DE FOUCAULT EM PORTUGUÊS. "Da amizade como modo de vida." Disponível: http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/amitie.html.
Consultado em: 05/ out / 2008;
Escolha sexual, ato sexual". Disponível: http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/escolhato.html.
Consultado em: 05/ out / 2008.
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[1]Graduanda no curso de licenciatura em Filosofia. - Universidade Estadual da Paraíba.
[2] Professor do curso de licenciatura em Filosofia – Universidade Estadual da Paraíba.
[3]Para uma melhor compreensão, vejamos o que o próprio Foucault entende por sexualidade: "o discurso da sexualidade não se aplicou inicialmente ao sexo, mas ao corpo, aos órgãos sexuais, aos prazeres, às relações de aliança, as relações interindividuais etc. [...] foi esse conjunto heterogêneo que estava recoberto pelo dispositivo de sexualidade que produziu, em determinado momento, como elemento essencial de seu próprio discurso e talvez de seu próprio funcionamento, a idéia do sexo" [Sobre a história da sexualidade. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1999, p. 244], citado no livro de Judith Revel: Conceitos Essenciais. São Carlos: Clara Luz, 2005.
1
[4] Para uma melhor compreensão, vejamos o que Foucault entende pelo termo 'gay': "... Talvez se possa dizer que há um "modo de ser gay" ou pelo menos que existe atualmente uma intenção de recriar um determinado modo de viver, um tipo de existência ou estilo de vida que poderíamos chamar de "gay"... "(FOUCAULT, 1982).
2
[5]Para entendermos melhor, vejamos o conceito de genealogia para Foucault: "Trata-se, de fato, de ativar saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que pretenderia depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro [...]. As genealogias não são, portanto, retornos positivistas a uma forma de ciência mais atenta ou mais exata; as genealogias são mais exatamente anti-ciências" [ Genealogia e Poder. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1999, p. 171, citado no livro de Judith Revel: FOUCAULT Conceitos Essenciais. São Carlos: Clara Luz, 2005.
[6] Foucault entende por episteme um conjunto de relações que liga tipos de discursos e que corresponde a uma dada época histórica: "são todos esses fenômenos de relações entre as ciências ou entre os diferentes discursos científicos que constituem aquilo que eu denomino a episteme de uma época." Judith Revel: FOUCAULT Conceitos Essenciais . São Carlos : Clara Luz, 2005.
[7] Foucault nunca trata do poder como uma entidade coerente, unitária e estável, mas de "relações de poder" que supõem condições históricas de emergência complexas e que implicam efeitos múltiplos, compreendidos fora do que a análise filosófica identifica tradicionalmente como o campo do poder. Judith Revel: FOUCAULT Conceitos Essenciais. São Carlos : Clara Luz, 2005.4