HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA

Por Carise Dias Rosa | 08/12/2012 | Direito

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA

Carise Dias Rosa

Resumo : o presente texto propõe-se a realizar uma sucinta análise a respeito do procedimento homologatório de sentenças arbitrais estrangeiras, sobretudo com a disposição trazida na Lei nº 9.307/96. 

Palavras- chave: ARBITRAGEM. SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA HOMOLOGAÇÃO.

INTRODUÇÃO

Na Antiguidade o filósofo Aristóteles concebia o homem como um animal político, um ser social em sua própria essência e que, por essa condição, a convivência humana pressupõe em si a existência de conflito. Nas primeiras sociedades já existiam métodos de resolução desses conflitos, desde a vingança privada (autotutela), passando pela Lei de Talião, até a arbitragem e, mais recentemente o Estado chamou para si a legitimidade para solucionar litígios, detendo o poder-dever de interferir e solucionar, com fulcro na pacificação social, os litígios postos à sua apreciação.

Após a edição da Lei de Arbitragem (lei nº 9.307/1996) ganha relevância e publicidade o tão antigo procedimento arbitral, esquecido durante certo tempo em virtude da jurisdição do Estado, por meio do qual um terceiro alheio ao conflito é escolhido pelas partes a fim de pôr fim à controvérsia naquelas hipóteses em que são discutidos direitos patrimoniais disponíveis e, que por este fato, não necessitam do manto protetor estatal. A arbitragem é instituto de grande valia na medida em que desafoga o Poder Judiciário, contribuindo para a celeridade processual e proporcionando às partes uma resposta mais rápida ao conflito. Nesse contexto, percebemos a crescente introdução do procedimento arbitral nas relações de comércio, sobretudo internacional, de forma que a Lei nº 9.307/96 também disciplina a forma pela qual sentenças arbitrais alienígenas passam a integrar o nosso ordenamento jurídico, ganhando eficácia e executoriedade, através da homologação.

PROCEDIMENTO HOMOLOGATÓRIO

Por sentença arbitral estrangeira, a teor do parágrafo único do art.34 da Lei nº 9307/96, entende-se aquela que tenha sido proferida fora do território nacional. A lei brasileira apenas considerou o aspecto territorial envolvido, não importando, portanto, a nacionalidade das partes ou a regra de direito material envolvida.

A questão da homologação de sentença arbitral estrangeira encontra disciplina na Lei de Arbitragem, em alguns tratados internacionais, como a Convenção de Nova Iorque de 1958, e na Resolução nº9/2005 do Superior Tribunal de Justiça.

A sentença arbitral estrangeira só produz efeitos jurídicos no Brasil depois de homologada (art. 35 da LA). Antes disso, é estranha (estrangeira) ao ordenamento jurídico brasileiro e própria de outro ordenamento. Homologação é, pois, o ato pelo qual a sentença arbitral estrangeira é reconhecida no Brasil, passando a produzir efeitos jurídicos como se fora uma sentença dos órgãos judiciários brasileiros. Assim, a homologação atribui eficácia, no Brasil, à sentença arbitral estrangeira. Opera, pois, a nacionalização da sentença arbitral estrangeira. Outro aspecto relevante é o fato de a LA equiparar as sentenças arbitrais estrangeiras às sentenças judiciais estrangeiras quanto à sua eficácia, da mesma maneira como equipara a eficácia da sentença arbitral brasileira à sentença judicial brasileira (artigo 31 da LA) (ROCHA, 2008, p.125).

Antes da Lei nº 9.307/1996, vigorava em nosso país o entendimento segundo o qual, a sentença arbitral deveria ser igualmente submetida à homologação pelo judiciário de seu país de origem, havendo, portanto, duas homologações; tal sistema também ficou conhecido como double exequatur. Com a disciplina normativa trazida pela Lei de Arbitragem, dando às sentenças arbitrais a mesma força da sentença judicial, essa primeira apreciação no país de origem deixou de ser requisito para reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras.

Anteriormente à edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência, de acordo com o art.102,I,h da CF/88, para homologar sentenças estatais e arbitrais estrangeiras era do Supremo Tribunal Federal. Com a verdadeira reforma no judiciário introduzida por tal emenda, a competência passou a ser do Superior Tribunal de Justiça.

Preceitua o art.36 da Lei de Arbitragem que os arts. 483 e 484 do Código de Processo Civil serão aplicados ao procedimento homologatório de laudo arbitral estrangeiro, no que couber. Assim estabelecem os ditos artigos, verbis:

Art. 483.  A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Parágrafo único.  A homologação obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Art. 484.  A execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza.

A homologação de sentença arbitral estrangeira deverá ser peticionada ao Superior Tribunal de justiça, devendo a petição conter as indicações do art.282 do CPC e devidamente instruída com o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada da tradução oficial, como também, o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.

Quanto aos requisitos da petição inicial, o autor deverá endereçá-la ao presidente do Superior Tribunal de Justiça (que processará inicialmente o pedido de homologação e, em caso de inexistência de impugnação, proferirá decisão), declinando a qualificação tão completa quanto possível das partes. Informará o autor que há sentença estrangeira que deverá produzir efeitos no Brasil (causa de pedir) e que tal decisão é qualificada como laudo arbitral (qualificação jurídica do fato), versando o pedido exclusivamente sobre a homologação (ou seja, oficialização) do laudo. O requerente atribuirá valor á causa, utilizando as regras dos arts. 259 a 261 do Estatuto de Processo, indicará as provas que eventualmente pretenda produzir e requererá a citação do réu (CARMONA, 2009. p. 455).  

Estando a petição inicial inepta ou ausentes algum dos documentos necessários, o autor terá dez dias para emendá-la, decorrendo o prazo in albis,o processo será extinto sem resolução de mérito. O réu, desde que validamente citado e, portanto, compondo o pólo passivo da lide, deverá contestar o pedido do autor em quinze dias, alegando a falta dos requisitos do art.37 ou a incidência dos casos previstos nos art. 38 e 39 da Lei de Arbitragem.

Não contestando o réu, ou não havendo impugnação do Ministério Público ou do curador do réu, uma vez este revel ou incapaz, o pedido será apreciado monocraticamente pelo presidente do STJ; do contrário, o processo é julgado pela Corte Especial. O autor poderá ser intimado a manifestar-se caso haja a juntada de documentos na contestação ou a arguição de preliminares, nos prazos de cinco e 10 dias, respectivamente. Saliente-se, por oportuno, que, apresentada ou não a contestação, manifesta-se o Procurador Geral da República, na qualidade de custos legis. Uma vez procedente o pedido e homologada a sentença arbitral estrangeira, carta de sentença será extraída dos respectivos autos para que se proceda à execução sendo competente, a teor do art.109, X da Constituição Federal de 1988, o juiz federal do lugar em que deva ser cumprida a obrigação (CARMONA, 2009, p.451).

Da decisão do Presidente do STJ que homologa ou não a sentença arbitral cabe agravo regimental, sendo este julgado pela Corte Especial. Dos julgados emanados pela Corte, caberá a interposição de embargos de declaração.

O indeferimento da homologação de sentença arbitral estrangeira está adstrito às hipóteses descritas nos arts. 38 e 39 da Lei nº9. 307, vez que, não cabe ao Superior Tribunal de Justiça analisar o mérito da sentença, mas sim verificar se esta possui os requisitos legais para que seja reconhecida e executada no Brasil. Assim estabelecem os referidos diplomas legais:

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:

        I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;

        II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;

        III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

        IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;

        V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;

        VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.

        Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:

        I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;

        II - a decisão ofende a ordem pública nacional.

        Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

Passemos à análise detida de cada um dos casos de denegação do pedido de homologação:

a)    Incapacidade das partes

Para a celebração de convenção de arbitragem é necessária a plena capacidade civil das partes, de forma que, uma vez celebrada convenção arbitral com agente incapaz, esta é passível de anulação e, por conseguinte a sentença decorrente de tal convenção torna-se sem efeito. Para aferição do pleno gozo de capacidade dos contraentes, duas regras podem ser aplicadas de acordo com o convencionado no pacto arbitral, a primeira estabelece que a análise quanto à capacidade deve ser feita segundo os parâmetros ditados pela lei escolhida pelos agentes para dirimir o conflito; na segunda regra, o árbitro deve aplicar a lei do local onde o laudo arbitral deva ser proferido. Cabe ao Superior Tribunal de Justiça, quando da apreciação do pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira, verificar se, de acordo com a regra adotada para resolução do conflito, seja a norma escolhida pelas partes ou as regras do local onde a sentença foi proferida, as partes são capazes. Esta é regra da delibação, ou seja, a apreciação ocorre apenas quanto à legalidade, não proferindo, portanto, nenhum juízo de mérito.

b)    Invalidade da convenção de arbitragem

Uma vez fulminada de vício formal ou de conteúdo, a convenção arbitral pode ser invalidada e, por conseguinte, a sentença arbitral oriunda da mesma torna-se impassível de homologação.

c)    Falta de notificação e cerceamento do direito de defesa

A falta de notificação à outra parte acerca da instauração do processo arbitral ou da própria designação de árbitro veda a participação da mesma no procedimento, fulminando o direito ao contraditório, à ampla defesa, à produção de provas. Nos casos em que a contestação versar sobre a falta de notificação ou cerceamento de defesa, caberá ao autor do processo de homologação provar que notificou a outra parte tanto da instauração do procedimento quanto dos demais atos que envolveram o processo arbitral. Do contrário, não provando tal fato, o STJ não homologará a sentença arbitral.

d)    Sentenças extra petita e ultra petita

A competência do árbitro é delimitada, rigidamente, pela convenção de arbitragem, de forma que é viciada a decisão que vai além do que permite a cláusula ou o compromisso, seja em qualidade (sentença arbitral extra petita), seja em quantidade (sentença arbitral ultra petita) (CARMONA, 2009, p.471).

O Superior Tribunal de Justiça ao apreciar a homologação de sentença arbitral estrangeira extra petita ou ultra petita, concederá oficialização apenas à parte da decisão que não exorbite o estipulado na convenção de arbitragem, é a chamada exequatur parcial.

e)    A instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória

É a convenção de arbitragem que estabelece as nuances da instituição de arbitragem, de forma que esta deve seguir o que foi convencionado no compromisso arbitral e na cláusula compromissória, do contrário, a sentença resultante de tal instituição é passível de invalidação.

f)     Sentença ainda não obrigatória, anulada ou suspensa

Por sentença ainda não obrigatória deve-se entender aquela que não foi homologada no país de origem, nos casos em que deve ser oficializada neste para adquirir atributo de sentença. Nesse caso, portanto, a sentença ainda não é eficaz entre as partes. Por sentença arbitral anulada entende-se aquela que tenha sido desconstituída; já a suspensa teve sua eficácia obstada.

O artigo 39 da Lei de Arbitragem elenca as hipóteses em que a denegação ocorre ex officio, independentemente de provocação por parte do réu. O inciso I trata do caso em que a homologação deve ser denegada em razão de a sentença arbitral dispor sobre matéria não suscetível de apreciação por via arbitral segundo a lei brasileira, depreende-se, por conseguinte, que o assunto tratado em tal sentença foge aos direitos patrimoniais disponíveis, os únicos que podem ser levados à esfera arbitral (artigo 1º da Lei nº 9.307/96). O inciso II preceitua que nos casos em que a sentença arbitral estrangeira fere a ordem pública nacional, deve o pedido de homologação ser indeferido. Observe-se a opinião de José de Albuquerque Rocha a respeito:

Em sentido muito amplo, por ordem pública nacional devemos entender o conjunto de princípios e valores fundamentais, tanto de ordem material como processual, consagrados na Constituição. Logo, é a partir da Constituição que devemos estabelecer o que é ordem pública. Assim, o dispositivo em exame tem uma evidente natureza protetora desses princípios e valores constitucionais que são essenciais à ordem brasileira. (ROCHA, p.129)

Uma vez reconhecida a sentença arbitral estrangeira por meio da homologação, torna-se juridicamente eficaz em nosso país, adentrando no ordenamento jurídico pátrio. Se dotada de caráter condenatório, podem as partes requererem a expedição de carta de sentença, extraída dos autos do processo homologatório, para fins de cumprimento, de forma que passa a ter força de  título executivo judicial.

CONCLUSÃO

Em face do exposto conclui-se que, uma vez reconhecida a sentença arbitral como detentora dos mesmos atributos da sentença proveniente de um pronunciamento jurisdicional, da mesma forma o laudo arbitral estrangeiro possui tais atributos necessitando apenas de homologação perante o Superior Tribunal de Justiça. Homologação restrita apenas a uma análise formal de seu conteúdo e o cumprimento de certos requisitos, sem nenhuma resolução ou interferência no mérito, adentrando dessa forma no ordenamento jurídico brasileiro e tornando-se exeqüível pela lei brasileira.

BIBLIOGRAFIA

ROCHA, José de Albuquerque.Lei de Arbitragem: uma avaliação crítica. – São Paulo: Atlas, 2008.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. – 15.ed.atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96.- 3.ed.rev.atual e ampl.- São Paulo: Atlas.