HOMICÍDIO PASSIONAL E EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE POR INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
Por Vanessa Borges | 10/01/2011 | DireitoUNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
CURSO DE DIREITO
VANESSA DA SILVA BORGES
HOMICÍDIO PASSIONAL E EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE POR INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
Gravataí
2010
VANESSA DA SILVA BORGES
HOMICÍDIO PASSIONAL E EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE POR INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Graduação em Direito da Universidade Luterana do Brasil, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Ms. Dario José Kist
Gravataí
2010
Dedico o presente artigo aos meus pais
que sempre me apoiaram e acreditaram
na minha vitória.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, pela proteção.
Aos meus pais, João Batista e Clarinda, por sempre acreditarem que eu seria capaz.
A minha avó, Maria, meu irmão, Wagner, a minha sogra Taime, e ao meu noivo, Leonardo, pela grande torcida para minha vitória e sucesso.
A Família Espindola pela ajuda e compreensão.
Ao meu professor orientador, Dario Kist, pela atenção dedicada a presente pesquisa.
Ao fim, para todos que contribuíram de alguma forma para a realização do presente artigo.
RESUMO
Trabalho de pesquisa sobre a incidência da causa supralegal de excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. Admissão da tese nos crimes de homicídio passional. Abordagem de uma melhor maneira de penalização do homicida passional. Entendimentos psiquiátricos, doutrinários e jurisprudenciais recentes. Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Inexigibilidade de conduta diversa - causa supralegal ? paixão - homicídio.
ABSTRACT
Paper of research about the incidence of the super-legal culpability exculpatory cause for ineligibility of diverse conduct. Admission of the passional homicide thesis. Approaching the best manner to penalize the passional homicide. Psychiatric understanding, doctrine and recent precedents. Precedents from the Tribunal de Justiça do Rio Grande dos Sul court and Superior Tribunal de Justiça court.
Keywords: Ineligibility of diverse conduct - super-legal cause - passion. homicide.
Orientador
Prof. Ms. Dario José Kist
Mestre em Direito Público com ênfase em Direitos Fundamentais pela Universidade Luterana do Brasil (2004); Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (1996); Professor titular da Universidade Luterana do Brasil e do Centro Universitário Unilasalle; Atua nas áreas de Direito Penal, Processual Penal, Direito Público com ênfase em Direito Administrativo; Advogado.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 9
1 DO CRIME DE HOMICÍDIO................................................................................
1.2 SUJEITOS DO CRIME DE HOMICÍDIO.............................................................
1.2.1 Sujeito Ativo.....................................................................................................
1.2.2 Sujeito Passivo.................................................................................................
1.3 OBJETIVIDADE JURÍDICA..................................................................................
1.4 ESPÉCIES DE HOMICÍDIO....................................................................................
1.4.1 Homicídio Simples (art. 121, caput, pena de 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão).......................................................................................................................
1.4.2 Homicídio Privilegiado (art.121, parágrafo 1º, pena pode ser reduzida de 1/6 a 1/3).........................................................................................................................
1.4.3 Homicídio Culposo (art.121, parágrafo 3º, pena de 1 (um) a 3 (três) anos de detenção)........................................................................................................................
1.4.3.1 Causa de Aumento de Pena no Homicídio Culposo (majorante)........................
1.4.4 Homicídio Qualificado (art.121, parágrafo 2º, pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão).............................................................................................
1.4.4.1 Qualificadoras do Crime de Homicídio (art.121, § 2º, I a V Do CP).................
1.4.4.2 Causa de Aumento de Pena no Homicídio Doloso (majorante).........................
1.4.4.3 Circunstâncias Atenuantes..................................................................................
2 HOMICÍDIO PASSIONAL.......................................................................................
2.1 CONCEITO DE PAIXÃO E EMOÇÃO...................................................................
2.2 A INFLUÊNCIA DA PAIXÃO NO CRIME DE HOMICÍDIO...............................
2.3 PAIXÃO E EMOÇÃO COMO EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE...............
2.4 PREMEDITAÇÃO...............................................................................................
2.5 CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE..................
2.6 ACEITAÇÃO DA TESE NO ÂMBITO JURISPRUDENCIAL.........................
CONCLUSÃO.........................................................................................................
REFERÊNCIAS......................................................................................................
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INTRODUÇÃO
Este estudo propõe-se relatar o avanço no entendimento doutrinário e jurisprudencial no tocante a penalização dos crimes em relação à causa supralegal que exclui a culpabilidade por ser inexigível conduta diversa do indivíduo em determinados momentos. Tratando especialmente do homicídio passional, aquele motivado por forte paixão ou emoção, com abordagem de pesquisas realizadas referentes aos resultados trágicos que vem sendo causados pela equivocada forma de tratamento do homicida passional.
O problema em questão ganha muito sentido a luz do moderno direito penal da culpabilidade, pois se direciona a um horizonte de justiça, quando o poder judiciário através de todo seu conhecimento e experiência, é capaz de vislumbrar que por traz de um indivíduo infrator da lei penal, homicida passional, existe um ser humano, e, que o ser humano por natureza é passional, logo, é sofredor e não possui liberdade sobre seus atos.
O homicídio passional está presente há muitos anos no Brasil e no mundo, cada vez com maior intensidade. Durante muito tempo os penalistas tentaram estabelecer tratamento diferenciado de forma que fosse talvez positivado pelo nosso ordenamento jurídico e não tivesse enquadramento como crime de homicídio "comum". O primeiro tratamento positivado em relação ao assunto foi estabelecido em 1940, ainda após a promulgação do Diploma Penal de 1890. Era estampado e amparado pela tese da "legítima defesa da honra", embora a lei lhe enquadrasse ao crime de homicídio privilegiado pela violenta emoção, mas culturalmente prevalecia à tese da legítima defesa da honra, reconhecida nos Tribunais do Júri, que na época eram compostos principalmente por homens, que vislumbravam normalidade na atitude de matar para defender sua honra diante da sociedade, as vítimas dos delitos eram em maior parte mulheres, tidas como propriedade dos homens da época que jamais aceitariam uma traição.
As mudanças começaram a ocorrer na década de 70, quando as mulheres decidiram fazer suas manifestações contra o tratamento que era dado ao homicida passional, mas a maior igualdade só foi alcançada a partir da promulgação da Carta Magna de 1988 que prevê a igualdade entre ambos os sexos.
O presente artigo traz em seu bojo os sentimentos derivados da paixão como principais vertentes motivadoras do homicídio passional, de forma a demonstrar que apesar de árdua a tarefa de avaliar o indivíduo que delinqüe motivado pela paixão, é necessária a motivação do poder judiciário, bem como das ciências psiquiátricas em compreender a atitude passional, e, que as informações e resultados de estudos voltados exclusivamente ao assunto, nos leva a aceitar que muitas vezes é inexigível do criminoso passional conduta diversa no momento de seu descontrole, pois o mesmo não está em seu estado normal de consciência, visto que é natural do ser humano a passionalidade, bem como a não admissibilidade de perder.
Por fim, este estudo tem como objetivo maior gerar o entendimento, logo o compreendimento, dos benefícios que terá a sociedade quando o poder judiciário pacificar o entendimento de que a causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa deve ser aplicada nos homicídios caracterizados como sendo passionais.
Espero que este artigo seja recebido como mesmo espírito de pesquisa com que foi elaborado.
1 DO CRIME DE HOMICÍDIO
O crime de homicídio se caracteriza pelo fato de uma pessoa causar a morte de outra, positivado em nosso ordenamento jurídico sob o artigo 121 caput, a ação nuclear do tipo é "matar".
Hominis caedes ab homine injuste patrata , expressão que traduzida significa que o homicídio é a destruição da vida humana alheia: "O homicídio é a eliminação da vida extra-uterina de uma pessoa humana por outra pessoa".
É palavra derivada do latim hominis excidium e está inserida no capítulo que trata dos crimes contra a vida (Código Penal Brasileiro), considera-se consumado com a parada encefálica irreversível da vítima, também é reconhecida sua forma tentada.
A pena para quem comete este tipo de crime varia de 6 a 20 anos de reclusão e o Tribunal do Júri é o órgão competente para julgá-lo.
1.2 SUJEITOS DO CRIME DE HOMICÍDIO
O crime de homicídio é considerado crime comum, pois pode ser praticado por qualquer indivíduo, diferentemente do crime especial que por sua vez é praticado por determinada categoria de pessoas, pois pressupõe qualidades pessoais do agente.
1.2.1 Sujeito Ativo
Denominado doutrinariamente de agente, o elemento ativo do crime de homicídio será sempre toda e qualquer pessoa física que matar outra, sendo possível a co-autoria ou participação, comissivamente ou omissivamente.
Sujeito ativo é aquele que vem por praticar o fato descrito no tipo penal, ou seja, art. 121 do Código Penal, matar alguém, também o agente que mesmo sozinho praticar o crime em atividade típica de grupo de extermínio conforme previsão da Lei 8.930/94, porém não pode ser considerado sujeito ativo do crime de homicídio o indivíduo que atenta contra sua própria vida, desta forma comete suicídio.
1.2.2 Sujeito Passivo
Denominado doutrinariamente de vítima, o elemento passivo do crime de homicídio é toda e qualquer pessoa física que tiver sua vida eliminada por outra pessoa.
Consoante o ensinamento de José Frederico Marques:
Sujeito passivo do homicídio é alguém, isto é, qualquer pessoa humana, o 'ser vivo nascido de mulher' l'uomo vivo, qualquer que seja sua condição de vida, de saúde, ou de posição social, raça, religião, nacionalidade, estado civil, idade, convicção política ou status poenalis. Criança ou adulto, pobre ou rico, letrado ou analfabeto, nacional ou estrangeiro, branco ou amarelo, silvícola ou civilizado - toda criatura humana, com vida, pode ser sujeito passivo do homicídio, pois a qualquer ser humano é reconhecido o direito à vida que a lei penalmente tutela. O moribundo tem direito a viver os poucos instantes que lhe restam de existência terrena, e, por isso, pode ser sujeito passivo do homicídio. Assim também o condenado a morte. Indiferente é, por outro lado, que a vítima tenha sido, ou não, identificada.
Há entendimentos de que o início da vida humana ocorre no momento que se inicia o parto, no entanto este assunto ainda é caso de discussão no que diz respeito à determinação do momento exato deste acontecimento, se é do rompimento da bolsa, dores da dilatação, dilatação do colo do útero, desprendimento do feto no álveo materno. Conforme a chamada Trípode de Bichat o momento que determina a morte constitui cessação das funções cerebrais, paralisação da circulação e respiração, o que indica que a morte não é um instante e sim um processo.
A chamada morte clínica (paralisação da circulação e respiração) somada à morte cerebral (paralisação encefálica) resulta na morte biológica que ocorre com a morte das células e tecidos, logo, para a consumação da morte, eram necessárias a morte clínica e cerebral. Com a vigência da Lei 9.434/97 (lei dos transplantes de órgãos e tecidos) permite que o médico, ao constatar morte cerebral poderá retirar órgãos do corpo com morte cerebral e transplantar para outras pessoas. Assim sendo, no Brasil a morte consumada é a cerebral, podendo manter o indivíduo com respiração e circulação artificiais (por aparelhos).
1.3 OBJETIVIDADE JURÍDICA
O objeto jurídico do crime de homicídio é a VIDA, é o bem jurídico protegido pela legislação penal brasileira. "A disposição dos títulos e capítulos da Parte Especial do Código Penal obedece a um critério que leva em consideração o objeto jurídico do crime, colocando-se em primeiro lugar os bens jurídicos mais importantes: vida, integridade corporal, honra, patrimônio etc."
A intenção do agente é de causar a morte da vítima, a morte de vida extra-uterina, pois quem causa a morte de vida intra-uterina, comete crime diverso do homicídio, passando a cometer aborto, crime tipificado nos artigos 124 a 126 do CP.
1.4 ESPÉCIES DE HOMICÍDIO
O CPB (Código Penal Brasileiro) prevê "diretamente" 4 (quatro) espécies de homicídio, o homicídio simples (art. 121 caput), homicídio privilegiado (art. 121 § 1º) homicídio qualificado (art. 121 § 2º) e por último o homicídio culposo (art. 121 § 3º).
Todos são distintos, o que não impede que possam ser combinados para a formação de outra espécie que se adéqüe a outro tipo penal. Ex.: Homicídio Privilegiado-qualificado.
1.4.1 Homicídio Simples (art. 121, caput, pena de 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão)
O homicídio doloso simples se caracteriza pura e simplesmente pela intenção do resultado morte, sem que sua execução venha acompanhada de circunstâncias agravantes do crime (assunto que será abordado adiante). Engloba a essência do crime de homicídio, no que diz respeito a todas as características fundamentais para sua configuração.
1.4.2 Homicídio Privilegiado (art.121, parágrafo 1º, pena pode ser reduzida de 1/6 a 1/3)
Este é visto como causa especial no que tange a diminuição da pena com redução de 1/6 a 1/3 da pena. Esta espécie de homicídio vem revestida de subjetividade, insurgindo numa menor reprovação social diante da ação delituosa.
Como causa de diminuição de pena, tem incidência nas 3ª fase da dosimetria da pena pelo nosso sistema que é trifásico, ou seja, é a última chance de ver reduzida a pena base lançada pelo juiz singular.
No entanto existem divergências doutrinárias no que diz respeito à faculdade do juiz em reduzir ou não a pena. Há uma corrente que acredita que por seu um direito do réu, é obrigação do magistrado em reduzir, no que concorda Damásio de Jesus que afirma que a expressão "pode" no artigo 492 parágrafo 1º do CPP deve ser interpretada como "deve".
Ainda, há outra corrente que diz ser facultativo ao juiz reduzir ou não a pena base, afirmando que se o legislador tivesse o interesse de tornar obrigatório, disporia de forma diversa.
O homicídio privilegiado é caracterizado por diversos motivos diferentes, seja por motivo de relevante valor social ou relevante valor moral, por domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima (que é nosso principal objeto de estudo).
Já dizia Hungria "não há crime gratuito ou sem motivo, e é no motivo que reside a significação mesma do crime" . Deve ser investigado o motivo existente, para desta forma abrir uma janela para a descoberta da personalidade do homicida, principalmente aquele que denominamos de passional. Particularmente não existe descrição perfeita e concreta para todos e sim peculiaridades a cada um, são seres humanos diferentes, com sentimentos diferentes, logo deverão ter julgamentos muito individualizados.
1.4.3 Homicídio Culposo (art.121, parágrafo 3º, pena de 1 (um) a 3 (três) anos de detenção)
O homicídio culposo é caracterizado no momento em que o agente age com imprudência, negligência ou imperícia , sendo previsível o resultado morte, tendo em vista que a previsibilidade é a nota distintiva da culpabilidade, causando o resultado morte. A conduta pode ser tanto comissiva quanto omissiva, vejamos:
- Imprudência
Agir comissivamente com a inobservância de limites (descuidadosamente), vindo a cometer um homicídio que era previsível. Ex.: A, sem a intenção de causar morte a alguém trafega em alta velocidade (acima do permitido para o trecho) consciente que está acima da velocidade permitida, acaba por atropelar B, levando-o a morte.
- Negligência
Agir omissivamente quando deveria agir comissivamente para evitar um homicídio que desta forma era previsível. Ex.: A presencia B em crise convulsiva no banheiro e sai do local sem prestar socorro, esta por sua vez bate a cabeça e vai a óbito.
- Imperícia
Agir com falta de aptidão para ao exercer determinado ofício ou profissão. Ex.: Cardiologista?? executa procedimento de abdominoplastia em paciente causando-lhe a morte por falta de conhecimento especializado.
1.4.3.1 Causa de Aumento de Pena no Homicídio Culposo (majorante)
No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 se o mesmo cometido resultar de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do ato, ou foge para não ser preso em flagrante.
1.4.4 Homicídio Qualificado (art.121, parágrafo 2º, pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão)
Esta espécie de homicídio é a de maior gravidade e conseqüentemente maior penalização, considerado crime hediondo na sua forma tentada ou consumada de acordo com a lei 8.930/94 ?. É caracterizado por diversas circunstâncias que agravam o delito, denominado de qualificado, é circunstância especial de aumento de pena, estas circunstâncias predispõem que o delito é executado mediante maior escala de criminalidade no que diz respeito à conduta delitiva do agente.
No decorrer do artigo 121, parágrafo 2º e seus incisos estão discriminadas as denominadas qualificadoras do crime de homicídio, elas são os motivos que determinaram o crime, meios e modo de execução deste.
Motivo é a causa que determinou a execução do delito, nem sempre o motivo caracteriza o homicídio como qualificado, o motivo também é fator determinante para considerar privilegiado este tipo de delito, desde que esteja este motivo acompanhado das condições que determinam o privilégio, tendo em vista que este motivo deve trazer a idéia de menor reprovabilidade da conduta do agente na prática do delito.
Meio é a coisa ou instrumento utilizado na execução para alcançar o resultado morte, como por exemplo, utilizar um veneno para matar outra pessoa, ou lhe atirar um explosivo, ambos constituem meios que qualificam o crime.
Modo é a maneira como se pratica. Ex.: atirar por trás da vítima, sem que esta possa ver e defender-se do ato.
1.4.4.1 Qualificadoras do Crime de Homicídio (art.121, § 2º, I a V Do CP)
I - Mediante paga ou promessa de recompensa, ou outro motivo Torpe.
É qualificadora subjetiva e elementar do tipo, podendo se combinada com outra qualificadora do tipo se esta for objetiva. Quando praticado por promessa ou recompensa denomina-se de homicídio mercenário, enquanto torpe é todo o motivo repugnante e reprovável que o agente possa considerar como um "motivo" para matar, "torpe é atributo do que é repugnante, indecente, ignóbil, logo, provocador de excessiva repulsa na sociedade".
Partindo deste entendimento, é possível concluir que tanto o mandante quanto o executor respondem por homicídio qualificado.
Fernando Capez discorda deste entendimento, pois considera esta qualificadora mera circunstância do tipo, pois se trata de qualificadora subjetiva, ou seja, se relaciona ao sujeito (agente) e não ao crime, logo não pode haver comunicabilidade (art. 30 CP), tendo em vista que circunstâncias de caráter pessoal não devem se comunicar. Ex.: Pai paga homem para matar sujeito que estuprou a filha.
Neste exemplo trazido por Capez, fica evidente a não possibilidade de comunicabilidade entre autor e partícipe, tendo em vista que o primeiro é amparado pelo privilégio, enquanto o segundo comete delito de homicídio qualificado mediante paga ou promessa de recompensa, que não necessariamente deve ser paga em dinheiro e na sua totalidade para configurar a qualificadora, podendo receber apenas parte do pagamento, mas deve ter valor econômico conforme entendimento de Nélson Hungria e E. Magalhães Noronha, no entanto Damásio E. de Jesus entende que a promessa pode ser de casamento ou emprego, o que particularmente não deixa de algumas vezes ter valor econômico dependendo do sujeito que já é de caráter duvidoso.
A qualificadora do Motivo torpe é a que causa de total desprezo por maior parte das pessoas, como por exemplo, matar um amigo porque não lhe perdoou e não que mais lhe falar, ou o noivo que mata sua noiva por ela não ser mais virgem.
Nem sempre a vingança caracterizará o motivo torpe, pois algumas vezes o ato não causa reprovabilidade nas pessoas como o exemplo do pai que mata o estuprador da filha, de fato é crime, no entanto as pessoas acabam por compreender o motivo que levou este pai ater atitude delituosa, visto que há uma empatia maior da coletividade para com o homicida.
II ? Motivo Fútil:
De acordo com a posição doutrinária o motivo fútil aquele que é desproporcional ao cometimento do delito, sob o ponto de vista do homem médio. "Portanto, é flagrante a desproporção entre o motivo e o resultado obtido".
São diversos os exemplos para esta qualificadora, desentendimentos familiares, incidentes de trânsito entre outros motivos desproporcionais no que diz respeito ao resultado morte.
Para a jurisprudência, se houver mera discussão anterior ao fato descaracteriza o motivo fútil.
No tocante ao fato de o agente estar embriagado, há entendimento de que ocorre a exclusão da futilidade, entendimento de que somente uma embriaguez que comprometa totalmente a capacidade de discernimento do agente é que exclui a futilidade, de encontro existem posições que mesmo a parcial embriaguez não permite que o agente faça juízo de valores da proporcionalidade do motivo para com o ato delituoso que vem a ser praticado.
Fernando Capez defende a corrente que aceita em relação às circunstâncias qualificadoras, o princípio da actia libera in causa.
A Jurisprudência não considera o ciúme um motivo fútil, visto que decorre da paixão, podendo algumas vezes a ausência de motivos ser comparada a futilidade, o que discorda Celso Delmanto e Damásio E. de Jesus , no entanto a jurisprudência passa a considerar a falta de motivos equiparando entre motivo fútil e torpe, para desta forma manter certo equilíbrio sobre o que pretendeu ou pretende o legislador, no sentido de tornar mais grave ou não um crime praticado com ou sem motivos.
III - Emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum.
Este tipo de qualificadora se caracteriza por ser meio de execução, coisa ou instrumento utilizado para a execução do delito, desta forma, esta qualificadora torna-se objetiva, tendo em vista que para ser considerada, o homicida deve ter utilizado exatamente um dos meios descritos, meios que caracterizem sua crueldade.
Meio insidioso é conceituado com sendo meio camuflado, conduta de falsidade, o meio cruel é aquele considerado desnecessário.
Da mesma forma que na primeira qualificadora (inciso I), esta tem uma forma alternativa ou genérica de ser caracterizada, quando refere: "ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum" o que de certa forma amplia as interpretações a cerca de outros meios de execução, gerando discussões neste sentido, pois retira a taxatividade total da qualificadora.
IV- Traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.
Esta qualificadora caracteriza-se como objetiva, considerada modo de execução do delito, pois determina a maneira em que será praticado o crime, também havendo descrição genérica quando refere "ou torne impossível a defesa do ofendido".
A qualificadora caracteriza o grau de criminalidade do agente no tocante a sua intenção e ato insidioso de esconder a pretensão de matar da vítima, ou seja, trair, emboscar, dissimular e dessa forma dificultar a defesa do ofendido.
V - Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.
Caracteriza-se por ser qualificadora subjetiva, chamadas motivações torpes, por serem reprováveis, basta que o agente pratique o crime de homicídio com a intenção de ocultar outro crime sendo irrelevante se este crime tenha sido tentado ou consumado, mas, caso tenha sido consumado, haverá concurso material de crimes.
O legislador enquadrou estas qualificadoras como sendo conexões teleológicas ou consequenciais.
[...] ocorre a conexão teleológica quando o homicídio é meio para executar outro crime, finalidade última do agente. É conseqüencial quando praticado para ocultar a prática de outro ilícito ou para assegurar a impunidade ou vantagem do produto, preço ou proveito dele [...].
Conexão teleológica: Neste caso o homicida comete outro crime para assegurar a execução de um próximo crime. Fernando Capez exemplifica a Conexão teleológica com a situação de o agente matar o marido para estuprar a esposa, mesmo não se consumando o estupro, o homicídio se qualifica.
Conexão seqüencial: Quando o agente tem a intenção de ocultar o cometimento de um crime cometendo outro, quando, por exemplo, matar a testemunha de algum crime.
1.4.4.2 Causa de Aumento de Pena no Homicídio Doloso (majorante)
No parágrafo 4º do art. 121 do CP, está prevista causa especial de aumento de pena, quando o delito é cometido contra pessoa menor de 14 anos ou maior de 60 anos na data da ação ou omissão, cometido nestas circunstâncias, a pena é aumentada de 1/3 sem faculdade para o juiz.
1.4.4.3 Circunstâncias Atenuantes
O artigo 65 em seus incisos do CP prevê que a pena é reduzida sempre que na data do fato o agente for menor de 21 (vinte e um) anos de idade, na data da sentença já for maior de 70 (setenta) anos, alegar desconhecimento da lei ou ainda ter cometido o crime por motivo de relevante valor moral ou social, logo após o crime com vontade eficaz evitar ou amenizar as conseqüências, reparar o dano antes do julgamento. Ainda, se sofrer coação resistível, em cumprimento a ordem de autoridade superior, ou sobre influência de violenta emoção que tenha sido provocada injustamente pela vítima, ou ainda ter livremente confessado diante de autoridade a autoria do crime, bem como ter cometido o crime sob a influencia de multidão em tumulto sem ter o provocado.
2 HOMICÍDIO PASSIONAL
Originada do latim passionalis, que vem de passio (paixão), é o homicídio cometido por forte paixão ou emoção, sendo o caso de homicídios praticados por ódio, inveja, ciúme ou intenso amor e que é assunto principal deste trabalho, pode ser considerado homicídio privilegiado quando o agente agir sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, no entanto esta questão ainda será discutida no decorrer do presente trabalho.
2.1 CONCEITO DE PAIXÃO E EMOÇÃO
A paixão e a emoção são sentimentos que embora diferentes, podem provocar problemas semelhantes no que diz respeito à vontade de delinqüir do indivíduo dominado por uma ou outra. "Se resistimos às nossas paixões, é mais pela fraqueza delas que pela nossa força".
Conforme o Delegado de Polícia Dr. Leonardo Marcondes Machado ?, é imprescindível que a matéria referente à paixão e emoção seja objeto de estudo na ciência penal, tendo em vista serem fatores de grande influência no que tange a vontade de delinquir.
Podemos definir a emoção com um estado psíquico transitório, passageiro, enquanto a paixão, embora, muitos a digam também passageira, esta compreende maior tempo de duração em relação à emoção.
O Dicionário Aurélio nos traz definições muito coerentes cientificamente, descreve a Emoção como sendo reação intensa e breve do organismo a um lance inesperado, a qual se acompanha de um estado afetivo de conotação penosa ou agradável e Paixão é descrita como sendo um sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão.
Pesquisas antigas indicavam que o estado de paixão apesar de mais duradouro que a emoção também é passageiro. Ocorre que novas pesquisas cientificas revelam que o Estado de Paixão pode durar a vida toda.
Conceituando este dois sentimentos, é possível a constatação da diferença entre homicídio emocional e homicídio passional, visto que a emoção só diz respeito ao homicídio privilegiado, portanto, já existe previsão em nosso ordenamento jurídico, embora haja entendimento de que a emoção intensa e prolongada é espécie de paixão, distancia-se do quesito de "domínio de forte emoção" e "reação imediata", e passa a ser considerada como motivo de homicídio passional.
2.2 A INFLUÊNCIA DA PAIXÃO NO CRIME DE HOMICÍDIO
Doutrinariamente o homicídio passional é aquele motivado pelos sentimentos de forte Emoção e Paixão, sentimentos estes que quando elevados a um alto grau de descontrole dão origem ao que há de pior na capacidade humana, matar seu igual.
Por outro lado é impossível nos depararmos com pessoas tão racionais ao ponto de não se deixar influenciar por seus sentimentos, pois, é inerente do ser humano agir com emoção em todas as situações da sua vida.
Quando estudamos na faculdade a respeito da necessária imparcialidade dos Magistrados enquanto julgadores, também aprendemos com nossos respeitáveis professores, que é impossível ser totalmente imparcial, principalmente quando diante de fatos que de alguma forma descentralizam nossas emoções, por talvez já ter vivenciado situação semelhante ou por simplesmente repudiá-la.
No entanto, pequenos descontroles relacionados a algo que nos desagrada de alguma forma nos fazem agir de forma diversa da que deveríamos, ou seja, falar ou fazer algo que não deveríamos e que algumas vezes nem gostaríamos de ter feito ou falado, nos colocando numa situação de arrependimento.
É exatamente da mesma forma, porém, obviamente em maior grau de reprovabilidade e gravidade que age o homicida passional.
A maioria das vítimas são mulheres, embora venha aumentando o número de homicídios passionais contra homens. O diretor de pesquisa da Sangari Brasil e do Instituto Sangari, produziu estudo que divulgou em março de 2010 o Mapa de Violência contra a Mulher, registrando que a cada 2 (duas) horas morre uma mulher no Brasil, vítima de maridos, ex-maridos, namorados, companheiros ou homens rejeitados por elas.
O nosso ordenamento jurídico não admite a exclusão da imputabilidade penal quando o crime é cometido por forte paixão e emoção (art. 28, I, CP), não havendo tratamento mais brando em relação a estes sentimentos. Difícil a tarefa de avaliar e considerar o grau de intensidade destes sentimentos para desta forma determinar a culpabilidade, porém, é evidente que a paixão e emoção, quando em níveis extremos, não caracterizam o privilégio, podem ser avaliadas psiquiatricamente como sendo transtornos psíquicos momentâneos, devendo o indivíduo ser alvo de atenção especializada, com punibilidade que possibilite o castigo, bem como, o tratamento deste indivíduo se for o caso.
A emoção e paixão no que se refere ao homicídio passional podem fazer com que o agente não se determine de acordo com seu entendimento do que é correto, apesar de ter consciência de que está agindo ilicitamente, porém descontroladamente. Assim sendo, quando julgado e absolvido, seria interessante que cumprisse medida de segurança em hospital psiquiátrico que possibilite a custódia e o tratamento adequado, quando da não possibilidade de permanecer livre.
É notório que a permanência do indivíduo nestes hospitais onde cumprem a medida de segurança é demasiada, visto que da apresentação de melhora considerável, o mesmo deveria receber alta como todo e qualquer outro paciente em tratamento, mas a avaliação ocorre anualmente conforme estabelecido pela Lei de Execuções Penais , sendo, a dúvida do perigo que o paciente possa vir a apresentar, o principal motivo pelo qual o Judiciário mantêm sua custódia, não importando se estivesse em ótimo estado no dia posterior, igualmente teria que cumprir o prazo estabelecido de no mínimo 365 dias para avaliação.
Por muito tempo a culpabilidade vem sendo considerada como elemento essencial para a configuração do crime, no entanto, o entendimento dos penalistas vêm se modificando, e, a culpabilidade vem sendo considerada por outros doutrinadores como Damásio de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete e Fernando Capez como pressuposto para futura aplicação de pena. Assim sendo, no mínimo quem age dominado por estados psíquicos de paixão e emoção deve ter sua pena atenuada consideravelmente, tendo em vista não estarem livres psicologicamente para ponderar e entender o caráter ilícito da coisa, podendo ser considerados agentes semi-imputáveis.
Assim sendo, conclui-se que no mínimo os estados emotivos e passionais devem ter força atenuante se não for possível ou coerente excluir totalmente a culpabilidade do agente embora seja reconhecível que não são todas as condutas dominadas por emoção e paixão que atenuam a pena do indivíduo.
A paixão é sentimento doentio quando motiva o homicídio, pois, provoca "cegueira" que impossibilita o indivíduo de agir conforme as normas.
O assassino passional busca o bálsamo equivocado para sua neurose. Quer recuperar o reconhecimento social e a auto-estima que julga ter perdido com o abandono ou adultério da mulher. Ele tem medo do ridículo e por isso equipara-se ao mais vil dos mortais.
Neste ponto, não há como concordar com Luiza, pois o homicídio cometido em razão do resgate da honra, reconhecimento social e auto-estima não poder ser considerado passional, pois a motivação é diversa do que o caracteriza como tal.
2.3 PAIXÃO E EMOÇÃO COMO EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE
Pode se definir a culpabilidade como sendo o ato ilícito e típico reprovável, que gera a noção de censurabilidade em relação ao ato praticado. A Doutrina nos traz diversos entendimentos a respeito de culpabilidade, um deles é de que a "culpabilidade é a reprovabilidade da conduta típica e antijurídica e que do principio da culpabilidade se depreende que, em primeiro lugar, toda pena supõe culpabilidade, de modo que não pode ser castigado aquele que atua sem a culpabilidade e, em segundo lugar, que a pena não pode superar a medida da culpabilidade .
Fernando Capez afirma que "para censurar um crime a culpabilidade deve estar necessariamente fora dele", ou seja, não pode ser ao mesmo tempo pressuposto da composição de crime, pois, ele afirma que a fase de analisar a culpabilidade é necessária para examinar o grau de responsabilização que terá o autor de fato, determinando se o agente vai ou não responder pelo crime .
Grande parte da doutrina como Cristiano Rodrigues , Eugênio Raul Zaffaroni e Assis Toledo adotam como culpabilidade àquela que se refere ao fato diretamente e não ao autor, porém devemos perceber que o art. 59, caput, quando traz à baila a dosimetria da pena passa a considerar diversos fatores, como personalidade, conduta social, o grau de culpa ou intensidade do dolo e outros.
Atualmente a questão da culpabilidade é bastante debatida no que diz respeito à aplicabilidade de seus elementos, quais sejam:
a) Imputabilidade
b) Potencial consciência da ilicitude
c) Inexigibilidade de conduta diversa
Este último é de grande importância para o presente artigo, visto que a inexigibilidade de conduta diversa apresenta duas situações legais de exclusão da culpabilidade sob a ótica do nosso ordenamento jurídico, a coação moral irresistível e a obediência hierárquica, porém, existiu a necessidade de adequar causas supralegais de exclusão de culpabilidade, tendo em vista que as que já vêm determinadas pela legislação não abrangem todas as situações em que é inexigível conduta diversa do agente, seja pela circunstância em que foi submetido, seja pelo grau de perturbação e estreitamento da consciência, que é o fenômeno destacado pela psiquiatria ao se referir aos homicidas passionais principalmente.
Em entrevista fornecida pelo Psiquiatra Guido Arturo Palomba para Folha Online sobre o caso Eloá, afirma que quando existe passionalidade deve-se se entender como irracionalidade, e quando se entende como irracionalidade, nada é inesperado, ou seja, tudo pode acontecer.
A paixão que leva ao homicídio passional não deriva do amor e sim do ódio , pois, o ódio é o desdobramento do amor que não chegou onde deveria , situação que gera no homicida passional a vontade de matar.
As paixões dividem-se em duas espécies, as sociais e anti-sociais, as primeiras são amor, honra, patriotismo, as anti-sociais são o ódio, a vingança, a cólera, a ferocidade, a cobiça, a inveja.
A palavra paixão vem de pathos, significa grande sofrimento. Para a psicologia a paixão é um estado alterado da consciência, podendo ser muito perturbador, conforme a reação do indivíduo, esta perturbação pode tornar-se patológica ou neurótica. Freud tinha certeza da característica patológica e neurótica da paixão, principalmente quando seguida de sentimentos patológicos como o ciúme.
Particularmente o ódio é uma paixão que nos impele a causar ou desejar mal a alguém, a paixão então, é sentimento de grande intensidade capaz de nos afastar da lucidez e racionalidade, logo o indivíduo é deparado com o apego, sentimento egoísta, grande causador de sofrimento, pois, apegado, o indivíduo se preocupa somente com suas carências e desejos.
2.4 PREMEDITAÇÃO
Premeditar é o ato de resolver com antecipação e refletidamente ?, óbvio que a palavra refletidamente não é a mais adequada ao estado de consciência em que se encontra um homicida passional no momento da execução do crime, pelo contrário, há um estreitamento da consciência do indivíduo que impede que este reflita sobre qualquer coisa.
2.5 CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE
Quanto aos pressupostos da culpabilidade o último que mencionamos foi o da inexigibilidade de conduta diversa. Doutrinariamente a exigibilidade de conduta diversa apresenta duas causas, a primeira é a coação moral irresistível e a segunda é a obediência hierárquica, porém, eis aqui o ponto crucial deste presente artigo, quando se faz necessário interpretar o pressuposto inexigibilidade de conduta diversa como sendo aplicável a qualquer conduta que seja inexigível que o autor agisse de forma diferente.
Este pressuposto é tão importante para o homicídio passional que se coloca doutrinariamente como um princípio do direito penal, o qual não deve ser descartado e que mesmo ainda não pacificado na doutrina e na jurisprudência, já vislumbramos brilhantes decisões de grande importância no sentido de considerar situações passionais ou semelhantes e menos graves como situações que impedem a capacidade de raciocínio do indivíduo de maneira que reflita e aja de forma diversa daquela em que age.
Esta tese pode e deve ser alegada nos casos de homicídio passional, em concordância ao princípio constitucional da ampla defesa.
Cabe salientar que para a formação de entendimentos jurídicos, seja doutrinariamente ou jurisprudencialmente, é necessária a intervenção e o auxílio dos profissionais da psiquiatria e psicologia, pois são estes capazes de avaliar o estado de consciência do indivíduo quando da ação delituosa.
No entanto, conforme o que já foi exposto, o entendimento psiquiátrico é de que a forte paixão compromete diretamente na capacidade de raciocinar do indivíduo, lhe causando um ligeiro estreitamento de consciência, sendo impossível exigir do mesmo, conduta diversa no momento da ação, o indivíduo passa a não enxergar os fatos claramente, não se dá conta do que está fazendo, nem mede as conseqüências, agindo impulsivamente e primitivamente.
2.6 ACEITAÇÃO DA TESE NO ÂMBITO JURISPRUDENCIAL
Segue abaixo passagem importante do voto do Desembargador (Relator) Jaime Piterman, integrante da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão que julgou por unanimidade a mantença da decisão de 1º grau que absolveu sumariamente o Réu acusado de Tentativa de Homicídio, amparando seu voto na tese alegada pela Juíza singular que reconheceu e adaptou ao fato a excludente supralegal de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa:
Ao meu sentir, não merece reparo a sentença absolutória que apontou a presença de excludente supralegal de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa.
Consoante bem apontou a Eminente Magistrada a quo, Considerando a peculiaridade do caso, chega a ser desumana a aplicação de uma reprimenda ao acusado quando, segundo José Frederico Marques, sua ?conduta típica ocorreu sob a pressão dos acontecimentos e circunstâncias que excluem o caráter reprovável dessa mesma conduta? (In Manual de direito penal, v. II, Saraiva, 1965) "(fl. 65)".
Tese de Alegações Finais do promotor de justiça referente ao caso acima:
[...] Para o caso em tela, a prova da materialidade do delito doloso contra a vida está estampada no boletim de ocorrência policial (fls. 06 e 07, 11 e 12), no auto de arrecadação (fl. 16), no auto de exame de corpo de delito (fl. 23), bem como pela prova oral coligida nos autos.
Da mesma sorte, mais do que indícios, há prova da autoria [...]
[...] LONI enunciou, ainda, que o réu já havia ameaçado matar a vítima, caso flagrasse novamente ambos juntos na residência, e que JAIR estava uma "fera" e, "pela brabeza, ele era capaz de tudo"[...] [...] Aliás, o animus necandi decorre hialino da sede do ferimento causado pela facada ? o hemitórax esquerdo ? região corpórea que abriga órgãos vitais, cuja vulneração é plenamente apta a causar a morte. Desse modo, quem desfere golpe penetrante de faca na região torácica de outrem obviamente quer matar (dolo direto) ou, ao menos, assume o risco de causar esse resultado (dolo eventual)[...]
[...] Contudo, em caráter excepcional, face às peculiaridades do caso sob comento, possível reconhecer já nesta fase processual a incidência de causa supralegal de exclusão da culpabilidade do réu JAIR ALBUQUERQUE MARTINS, cujos fundamentos exsurgiram com nitidez durante a instrução processual, em juízo [...]
[...] Disse LONI que, na manhã anterior ao fato, tinha tido uma "briguinha" com JAIR, motivada pelo fato de o companheiro tê-la flagrado com EVANIZIO, na noite anterior, em situação de adultério na residência do casal [...]
Portanto, a ação do acusado não foi inesperada, desmedida ou despropositada.
[...] forçoso reconhecer que a situação constrangedora deparada pelo acusado, no contexto fático e circunstancial em que ocorrida, autoriza o reconhecimento da eximente da culpabilidade, em caráter excepcional [...]
[...] Nesse contexto, não se pode olvidar que o Direito Penal lida com pessoas, com seres humanos, imbuídos de sentimentos e emoções, cujo influxo sobre as condutas, em determinadas situações específicas, podem sobrepujar a força da razão e dos freios morais [...]
[...] não se poderia exigir que o réu permanecesse impávido, inerte, frio, dominado pela racionalidade, isento de reações impulsivas diante da constatação de que, enquanto trabalhava honestamente, durante a noite e madrugada, a mãe de seus filhos menores estava nua e em atitude sexual com seu "amigo" EVANIZIO [...] Com efeito, a situação desafia o autodomínio até do mais espartano e disciplinado dos homens.
Logo, diante desta situação específica, em caráter excepcional, entende o Ministério Público ser razoável reconhecer-se a inexigibilidade de conduta diversa pelo acusado, outorgando-se-lhe absolvição sumária, por ausência de culpabilidade. Mesmo porque certamente não seria diverso o entendimento do Tribunal do Júri da Comarca, caso fosse pronunciado o réu (fls. 59/61). (grifo da autora)
A Desembargadora da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul transcreve em seu voto, quando do julgamento de um Recurso de Apelação que argüia anulação do Júri, o entendimento de Nucci:
Há intensa polêmica na doutrina e jurisprudência a respeito da aceitação da inexigibilidade de outra conduta como tese autônoma, desvinculada das excludentes de coação moral irresistível e da obediência hierárquica. Cremos ser perfeitamente admissível o seu reconhecimento no sistema pátrio. O legislador não definiu culpabilidade, tarefa que restou à doutrina, reconhecendo-se, praticamente à unanimidade, que a exigibilidade e possibilidade de conduta conforme o direito é um de seus elementos. Ora, nada impede que de dentro da culpabilidade retire essa tese para, em caráter excepcional, servir para excluir a culpabilidade de agentes que tenham praticado determinados injustos. É verdade que a inexigibilidade de conduta diversa faz parte da coação moral irresistível e da obediência hierárquica, embora se possa destacá-la para atuar isoladamente. (grifo da autora).
No mesmo Acórdão, ensinamentos de Assis Toledo, citados pela desembargadora.
Convém mencionar, pela importância do tema, o ensinamento de Assis Toledo: "A inexigibilidade de outra conduta, é, pois, a primeira e mais importante exclusão da culpabilidade. E constitui um verdadeiro princípio de direito penal. Quando aflora em preceitos legislados, e uma causa legal de exclusão, senão, devem ser reputadas causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito (Princípios básicos de direito penal)" .
A Relatora ainda faz ressalva de muita importância no tocante aos homicídios passionais:
Certamente para atender a excludente supralegal, necessário se faz que estejam presentes, descritas as circunstâncias fáticas que podem ser objetivas e subjetivas com componentes, até mesmo psíquicos e emocionais que levem à situação que não permita, naquele momento, seja outra conduta que não a de sacrificar o direito alheio . (grifo da autora).
Em julgamento de habeas corpus o nosso Superior Tribunal de Justiça reconhece a tese da causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa para os crimes de homicídio, conforme segue a ementa:
PROCESSO PENAL E PENAL - HOMICÍDIO - JÚRI ? INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA - TESE DA DEFESA - POSSIBILIDADE.
- Por ocasião do julgamento pelo Júri, tendo a defesa formulado a tese de inexigibilidade de conduta diversa, o quesito correspondente deve ser formulado aos Jurados, mesmo que inexista expressa previsão legal sobre tal tese nos dispositivos do Código Penal.
- Precedentes.
- Ordem concedida para que se possibilite a formulação de quesito acerca da causa supralegal de exclusão da ilicitude (inexigibilidade de conduta diversa).
O Senhor Ministro Jorge Scartezzini, relator, reconhece a tese em seu voto conforme abaixo:
Com efeito, no que tange ao reconhecimento da causa supralegal de exclusão de culpabilidade, apesar de não ser unânime a doutrina e a jurisprudência, o melhor entendimento me parece ser aquele em que se admite como tese de defesa, permitindo-se, com isso, a quesitação a respeito da inexigibilidade de conduta diversa.
Diante de todos estes brilhantes entendimentos, é evidente que há grande possibilidade de aceitação pacificada da tese, talvez não com o propósito de absolvição, mas também de redução da pena e aplicação de tratamento diferenciado para este tipo de criminoso.
Através destes entendimentos é possível perceber que o direito penal da culpabilidade está caminhando para um futuro de sucesso, e, que o direito penal da responsabilidade subjetiva já é vitorioso.
CONCLUSÃO
No decorrer da realização deste artigo, foi possível analisar e perceber o verdadeiro avanço humano do Poder Judiciário gaúcho e brasileiro, sua motivação e capacidade de compreender o que se passa na mente humana e quão benéfica essa evolução pode ser para a nossa sociedade.
É um presente perceber que o Direito Penal da Culpabilidade está crescendo no mundo, que os direitos humanos estão prevalecendo sob o ponto de vista jurídico, contribuindo para que nosso Estado e nosso País caminhem na direção de um melhor tratamento de seus iguais.
É possível concluir que a aceitação da tese de inexigibilidade de conduta diversa nos crimes de homicídios passionais, ampliada no seu sentido, pode mover a máquina jurídica para um melhor tratamento destes indivíduos, não somente lhe aplicando penas privativas de liberdade, pois, sabemos que esse sistema apenas posterga a periculosidade e não a reduz. Por isso, o poder judiciário tem o dever de se mobilizar na busca de um melhor entendimento da mente humana, contando sempre com a ajuda dos profissionais especializados das áreas da psiquiatria e psicologia.
Por fim, foi maravilhosa e surpreendente a elaboração deste estudo, pois foi possível através das pesquisas e aprofundamento no assunto rever os velhos conceitos formados e desnecessários, podendo desta forma entender que o ser humano é um ser carente e não egoísta.
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