HISTORIOGRAFIA JURÍDICO-POLÍTICA MARANHENSE...

Por Juciane Reis Ferreira | 19/04/2017 | Direito

HISTORIOGRAFIA JURÍDICO-POLÍTICA MARANHENSE :a concentração de poder no Maranhão e a supressão dos direitos*

Introdução

São Luís era uma cidade acanhada se comparada a outros centros da época como Rio de Janeiro ou Salvador. Aliado a isso, os diversos conflitos envolvendo governantes, colonos, comerciantes, jesuítas e indígenas. Os cronistas da época associam o Maranhão do século XVII, a uma situação de pobreza. E o equivalente atual é a classificação do Estado do Maranhão como um dos mais pobres do país, particularmente conhecido por seu histórico de oligarquias e corrupção, além de muitos lhe concederem o título de “a terra de Sarney”. Essa imagem infelizmente não é distorcida, e é o que vamos confirmar através de um estudo que engloba um recorte da realidade maranhense em momentos diversos da história, seguindo a cronologia, como uma tentativa de entender as razões dessa realidade insatisfatória. 

1  Colônia e Império

Abordaremos o Período Colonial como forma de resgatar as origens da concentração de poder. Através da história do Maranhão percebemos as influências da forma de gestão dos monarcas, e vale lembrar que tudo se inicia com a distribuição de capitanias-hereditárias no tempo do descobrimento do Brasil, onde surgiram os primeiros latifúndios que eram administrados por seus donatários (nobres de confiança do rei). Ciente de que não podemos retroceder a tal ponto seguiremos com o que cabe ao Maranhão. Na chamada Capitania do Maranhão a Coroa Portuguesa fez-se presente comandando a organização política: 

Ampliando sua atuação colonizadora na capitania do Maranhão, a coroa instituiu, por intermédio de seu primeiro capitão-mor, Jerônimo de Albuquerque Maranhão, a Câmara de São Luís, com funções político-administrativas, judiciais, fazendárias e de conselho municipal.[1] 

Jerônimo de Albuquerque nasceu em Olinda e seu pai era cunhado do primeiro donatário de Pernambuco. Ele acrescentou Maranhão ao próprio nome e governou por dois anos, foi responsável pela expulsão dos franceses no início do século XVII e seu sucessor foi Antônio de Albuquerque Maranhão, seu filho. É importante observar que nesse tempo os cargos de poder eram alcançados através de nomeações e em muitos casos está presente alguma familiaridade entre os governadores, como poderemos ver com mais alguns exemplos.

Sob administração direta da Monarquia tivemos a criação em 1621 do Estado Colonial do Maranhão, que tinha sede em São Luís e era independente do Estado do Brasil. Foi provido por Francisco Coelho de Carvalho em 1623, este era casado com D. Brites Cavalcanti de Albuquerque (mais uma vez o famoso sobrenome), e governou durante onze anos. 

 Todavia, há outras notícias contrárias: de que se apropriara dos dinheiros públicos (o que, também, não é novidade), tanto que o almoxarife [...] veio arrecadar deu seu espólio a importância de [...], verba da milícia de que se apossara indevidamente.[2]  

Após a morte de Carvalho governou Jácome Raimundo de Noronha por dois anos, sendo que foi designado pelo anterior, mas há acusações de que ele teria manobrado para chegar ao poder. Em seguida Bento Maciel Parente governou por três anos, conhecido por seus massacres aos índios e pela invasão dos holandeses ocorrida em seu governo. Não suficientes os conflitos envolvendo portugueses, franceses e holandeses pela posse de terra, os governantes conflitavam-se com clérigos, colonos e comerciantes. O quadro se agravou ainda mais, quando Portugal resolveu estabelecer um sistema monopolista em forma de estanco na região, ao criar uma Companhia de Comércio privilegiada. Sua política gerou uma grande insatisfação (posteriormente a chamada Revolta de Beckman-1864), com exceção das autoridades da Câmara, governador (Francisco de Sá e Meneses) e eclesiásticos que foram comprados pelo gestor da Companhia, em troca do silêncio e conivência.[3] Essa descrição mostra a natureza corrupta dos governantes e é ainda mais alarmante ao não se conter ao âmbito político.

Na segunda fase da colonização, o Maranhão não sofreu alterações políticas e continuou o sistema de governadores gerais, sendo inúmeros os que passaram por aqui. Em 1750 foi empossado como primeiro-ministro o Marquês de Pombal: 

A política pombalina se por um lado promoveu o desenvolvimento econômico por outro estagnou o desenvolvimento cultural, pois com a expulsão dos Jesuítas, a educação que já era precária foi completamente abandonada.[4] 

A aristocracia rural queria ampliar sua atuação na política, e havia no Maranhão um clima de disputa onde golpes e contragolpes instabilizavam politicamente a província.

No Primeiro Reinado, após a independência, a província do Maranhão passa a ser governada por um presidente nomeado pelo imperador, nessa situação três famílias (ricas e influentes) passaram a disputar o domínio do poder para assumir a liderança da nova ordem política que se instalava no Estado. No Período Regencial a política nacional foi varrida por uma onda de revoltas que atingiu várias províncias decorrentes de insatisfações com os desmandos dos governantes e do agravamento do quadro econômico e social. No Segundo Reinado com a instabilidade econômica o Império entra em crise e é nesse contexto que surge o movimento republicano: 

Já no aspecto político, diversos fatores estavam gerando insatisfação crescente: o centralismo político, a lei eleitoral de 1881, a alternância dos partidos no poder vista como interferência direta do poder Moderador, isto é, do rei.[5] 

2  Período Republicano

Durante o Império, as disputas políticas e o destaque sócio-econômico de algumas famílias pertencentes a elite deram forças ao poder oligárquico no Maranhão, levando à ascensão grupos políticos dos partidos Liberal e Conservador, mas no final do Império crises na economia escravista, agroexportadora e surgimento de uma nova geração de políticos acabou por enfraquecer as antigas oligarquias do período imperial, dando lugar a novas organizações políticas agora na República. 

2.1  Primeira República

Na Primeira República o Brasil é comandado pela política do café-com-leite, onde grandes proprietários rurais exerciam a função de líder político e militar, chegando a esse cargo por meio dos laços de clientelismo, fraudes e coerção. O Maranhão seguiu o comportamento dos demais estados tendo como representantes oligarcas nesse período, Benedito Leite e Urbano Santos.

Benedito Leite, do Partido Republicano acumulava ao mesmo tempo os cargos de deputado estadual e federal, estabelecendo-se como líder da política maranhense e exercendo uma verdadeira tutela sobre o governo: 

Aglutinavam projeção pessoal e mantinham uma rede de favorecimentos. Para eles, o Estado é um bem patrimonial, um ente público, porém privado. Neste sentido, usavam a máquina pública em benefício de seus correligionários, dos quais cobravam lealdade. Empregavam parentes, perseguiam e excluíam a oposição do jogo político, fraudando inclusive o processo eleitoral.[6] 

A sociedade maranhense passava por problemas sociais herdados ainda do império: corrupção, política de favores, coronelismo, concentração de poder nas mãos da minoria, descaso pelas classes subalternas. Em 1908, Benedito Leite morre deixando o controle do estado nas mãos de Urbano Santos, que foi o principal oligarca maranhense. Seu governo foi cercado por eleições fraudulentas, controle excessivo de poder, usando da corrupção para controlar a máquina política, não admitindo qualquer tipo de oposição ao seu governo. Era muito influente e desfrutava de grande prestígio no âmbito federal, foi eleito Governador por três vezes e Vice-Presidente da República duas vezes. No governo do Presidente Delfim Moreira, ocupou o cargo de Ministro dos Negócios do Interior e Justiça.

As aglomerações urbanas, causadas pelo crescimento industrial desencadeou uma série de problemas como o crescimento desordenado das cidades nas zonas periféricas, precárias condições de vida e até mesmo miseráveis. A população foi atingida por vários surtos de epidemias provenientes das péssimas condições sanitárias da capital e de cidades do interior, em geral as camadas mais pobres da população foram o principal alvo desses surtos, pois era grande a precariedade na oferta de água tratada, ausência de coleta de lixo e de esgoto canalizado.

Era evidente o descaso do governo em relação às classes subalternas, e foi inevitável a eclosão de movimentos sociais no meio rural, onde a população insatisfeita clamava por melhores condições de vida. As cidades de Barra do Corda, Alto  Alegre, e Codó foram palco de conflitos de grande repercussão, que segundo o presidente Washington Luís era um caso de polícia. Os revoltosos chegaram a tomar o Palácio dos Leões, aproveitando-se do clima de tensão existente na disputa eleitoral entre Artur Bernardes e Nilo Peçanha, depondo o então governador Raul Machado, colocado por Urbano Santos, mas a vitória de Artur Bernardes fortaleceu ainda mais o governador deposto, que reassumiu o poder horas depois, passando a perseguir os revoltosos.

Em 1925, chega ao Maranhão a Coluna Prestes, movimento que visava combater as instituições arcaicas da República Velha no cenário nacional. Percorreu várias cidades, como Barra do Corda, Grajaú, Mirador, Codó e Barão de Grajaú. Com o golpe militar de 1930, Vargas toma o poder, exercendo um centralismo político-administrativo e grande autoritarismo. Por conseqüência desse governo o Maranhão teve sete interventores entre 1930 e 1937, agravando os conflitos e a instabilidade política do estado. 

  • Segunda República

Entre as décadas de 40 e 70 destaca-se no cenário político maranhense Vitorino Freire, que mantinha um estreito relacionamento com o Presidente Dutra. Ao lado de seu grupo político, o PSD, estruturou uma poderosa oligarquia no Estado. “[...] iniciou sua relação com a política maranhense em 1933, quando foi nomeado secretário de governo do capitão Martins de Almeida (interventor federal)”.[7] Suas tarefas envolviam organizar o partido político que já possuía bases nacionais e esta foi uma das condições fundamentais de sua hegemonia, além das ligações estabelecidas na esfera federal, o que resultou na corrente política conhecida como vitorinismo. A oligarquia foi bastante contestada e havia um grupo de oposição conhecido como Oposições Coligadas, pois reunia os dissidentes e aqueles que foram expulsos do poder por Vitorino.

Através das ações do seu partido, Vitorino conseguiu ser eleito deputado federal constituinte, senador, além de governador, e esteve presente por trás de outros governos. Em 1950, Saturnino Belo rompe com Vitorino por não ter sido indicado para a Assembléia Legislativa, e acaba se tornando candidato a governador pela oposição. “A greve foi um movimento articulado pelas oposições contra a posse do governador Eugênio Barros, ligado a Vitorino Freire, vitorioso em eleições marcadas por denúncias de fraude”.[8] Nessa época, São Luís ganhou o título de “ilha rebelde”, devido à manifestações contra a posse de Eugênio. Vitorino influenciava na distribuição de cargos públicos, perseguia a oposição, e usava as verbas públicas em benefício próprio. “É dele a frase “vou ao Maranhão apertar as cangalhas”, que demonstra, de um lado, o desprezo pela população que o acolheu, e do outro, o poder de coronel, chefe autoritário, cacique, características imanentes ao vitorinismo”.[9] 

3  A trajetória de Sarney

Seu caminho na política se inicia pelas mãos de Vitorino Freire, que o colocou no cargo de assessor do governador Eugênio de Barros, atendendo a um pedido de seu pai, o Desembargador Sarney Costa. Abandonou o PSD quando foi eleito Deputado Federal, pelas Oposições Coligadas, a partir daí fez carreira na UDN. Em 1964, com o golpe militar, Sarney se consolida como candidato da oposição, e é apoiado pelo General Castelo Branco em sua candidatura à Governador do Maranhão. Esse apoio só foi possível pelo fato da UDN ter sido importantíssima ao apoiar o movimento militar, além de ser uma alternativa para afastar os integrantes do PSD (houve cassações de mandatos, e o último governador Newton Belo entrou em desavença com o chefe do partido), do centro das decisões políticas, nesse caso, Vitorino Freire. Toda a interferência do governo central resultou na vitória de José Sarney. É interessante observar que nesse contexto, Sarney vinha como libertador do Maranhão, em luta contra a corrupção do vitorinismo, pois se firmou como candidato das massas populares, e se opunha ao atraso, a estagnação política, social e econômica em que se encontrava o Maranhão. Amarga ironia:

Na verdade a proposta de modernização introduzida pelo grupo emergente -o sarneísmo - é tipicamente conservadora, porque, por um lado, buscou o desenvolvimento econômico através de medidas que favorecessem a classe dominante em detrimento dos estratos sociais menos favorecidos. Por outro lado, a ascensão e manutenção desse grupo no poder estiveram vinculadas ao retrocesso político no Brasil, ou seja, a ditadura militar.[10]

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