Histórias de um velho babalaô e o seu neófito Yaô,
Por Pablo Araujo de Carvalho | 30/12/2016 | ReligiãoUma história de amor
Certa feita entrou uma jovem moça na humilde casa do velho babalaô, que junto do seu único neófito Yaô atendia os mais necessitados através do dom oracular que este trazia em sí e o manifestava através dos Búzios Sagrados.
A jovem moça entrou de forma estabanada o que denunciava certo desespero.
O velho babalaô que já se encontrava sentado com as pernas cruzadas diante do seu tabuleiro oracular que é onde os búzios são jogados, lhe disse:
Acalme-se e se assente nesse velho banco de madeira que como esse velho babalaô fica parado e imóvel esperando que aquele que já se cansou de sua caminhada descanse nesse velho banco e recupere suas forças e renove sua esperança no seu caminho que é o caminho do senhor de todos os caminhos onde todas as caminhadas se justificam, louvado seja Zambi o verdadeiro caminho.
A jovem moça sentou-se demonstrando insegurança e buscando entender aquelas palavras ditas pelo velho que na sua frente iniciava o diálogo.
No qual a moça trêmula lhe disse:
Obrigado senhor
Não tem o que agradecer, já está mais calma?
Sim, mas não sei muito bem o que vim fazer aqui
E a moça já ia fazer menção para sair dali quando o velho babalaô lhe disse:
Fica filha, em Deus o acaso não existe, nisso Ela virou-se novamente e de frente para aquele velho que apesar do cansaço era detentor de um olhar profundo que demonstrava segurança e uma paz jamais por ela vista, ela começou a chorar timidamente para depois desaguar num pranto profundo e inconsolável.
O velho babalaô a olhava paciente e de forma neutra permitia que aquela catarse de emoções fossem esgotadas através das lágrimas de quem a sofria.
Após as últimas lágrimas e últimos soluços serem recolhidos, aquele velho porém tenaz babalaô disse: bendita são as lágrimas que expressa a dor que já não cabe mais em nosso peito e como num ato inconsciente de redenção nos desarmamos diante da vida que nos é soberana, benditos são os soluços que são pedidos silenciosos de socorro emitidos diretamente dá alma e que são ouvidos por aqueles que escutam e emitem o idioma universal que é a língua do amor. Ao dizer isso aquele velho babalaô elevou as também velhas e enrugadas mãos ao alto e com um outro gesto as recolheu cruzando-as no peito respirando profundamente no qual foi acompanhado por esse gesto pelo seu único neófito Yaô.
Após tudo se acalmar e tudo silenciar naquela pacífica choupana, o velho babalaô pediu para o seu único neófito Yaô pegar uma cuia de água fresca para a jovem moça pedindo que a sorvesse em pequenos goles acompanhados de um profundo respirar, o que causou nela uma sensação de paz e equilíbrio.
Pronto disse o babalaô, agora vamos começar a trabalhar o solo que se acha inóspito, machucado e rachado pela secura dos amores aí plantados por semeadores ainda não habilitados na arte de amar e ser amado. Tô certo filha? E a jovem moça consentiu com a cabeça.
O velho babalaô pegou seus Búzios Sagrados e já totalmente inspirado pelos seus sagrados e ancestrais Divinos, disse: vamos ouvir o que os Orixás tem a lhe dizer minha filha, pois só eles conhecem o nosso íntimo e tem a resposta para aquilo que nos afligem.
O velho babalaô lançou os Búzios Sagrados e com um olhar penetrante como se estivesse enxergando algo muito mais além dos Búzios, olhou a jovem moça nos olhos e com um olhar terno disse: filha porque busca um caminho fora de você e não se torna você mesmo um caminho para que aqueles que estão no seu caminho, a busque como um início do seus próprios caminhos? Porque não cultivas e cuida do amor que está dentro de você ao invés de deposita-lo em mãos alheias que não tenha o mesmo zelo no cultivo do seu amor próprio? Busca um culpado, quando a culpa está em ti! Lhe disse severo sem deixar de ser amoroso, aquele velho e tenaz babalaô.
A moça lhe respondeu : meu velho senhor, porque tantas decepções amorosas e tanta infelicidade em quem só quer amar e ser amada?
Filha te respondo com uma outra pergunta, porque busca a felicidade fora de você? Porque alguém que está fora tem que ser mais especial que você? Porque a verdade tem que vir de fora? Um sacerdote antes de falar de Deus, deve encontra-Lo em sí mesmo!
Um sacerdote antes de dirigir um templo externo que receberá muitas pessoas aflitas, tem que primeiro aprender a dirigir seu templo íntimo que é o verdadeiro templo onde Deus habita, antes de ser um sacerdote de um templo deverá ser primeiro sacerdote de sí e antes de lidar e confortar pessoas aflitas, tem que reordenar e equilibrar as suas próprias aflições.
O velho babalaô silenciou por um instante e novamente se pronunciou:
Filha, seja autêntica e sincera, não se mude ou se mostre a alguém segundo a natureza desse alguém, pois ele verá em você um tipo de solo que você não é, e ao plantar sua semente nesse solo elas não germinaram, pois a semente que ele tinha (sua natureza intima) era para um solo seco pois a natureza do pretendente é como a semente de cacto que só crescerá em solo apropriado e seco. A sua natureza (solo) é aquosa e a semente mais apropriada para semea-la é o lírio que cresce em solo encharcado de amor.
Percebe filha, que ao mudar-se pelos outros sendo uma pessoa que você não é, você engana seu pretendente semeador, mesmo sem a intenção de engana-lo,
Por isso lhe disse que a culpada pela sua infelicidade é você mesma.
Ame a si mesma, sinta-se feliz com você mesma, pegue-se sorrindo sem pretensão alguma e aí sim passará a amar uma vida que é toda sua, marcada pela sua essência, pela sua natureza, pelos seus gestos, pelas suas predileções e aí sim será um solo original e aquele que não tiver uma semente compatível com seu solo e que a complemente, irá ali semear sementes infrutíferas. Não deseje uma vida diferente, deseje somente a sua vida!
Através dos Búzios Sagrados, O Sagrado Pai Oxumarê que é a qualidade renovadora de Zambi (Deus), está a lhe dizer: renove-se sem mudar a sua essência, busque alternativas para renovar a sua vida, mas renovar a vida que você tem, não a vida que você deseja e por deseja-la ainda não existe.
A sagrada Mãe Obá que é a qualidade racionalizadora de Zambi (Deus), está a lhe dizer: seja verdadeira com você e colherás a verdade nos outros, seja sincera com você e colherás a sinceridade nos outros, não mude sua natureza ou seu jeito de ser e encontrarás pessoas que te amam e te admiram pelo que você é, não se culpe tanto e sejas paciente consigo mesma e passará a compreender que as pessoas tem virtudes e vícios na mesma proporção e que ninguém é dono da verdade, porém somos pequenas e múltiplas verdades da verdade maior que é Zambi (Deus).
Nesse inspirado momento, aquele velho e sábio babalaô, recolheu os Sagrados Búzios e os jogou novamente, quatro caíram abertos, e ele com um tímido sorriso de concentimento acompanhado de um leve balançar afirmativo de cabeça, e depois uma leve e respeitosa gargalhada daquele que conhece a fundo a natureza e a qualidade dos Orixás, disse para jovem moça: a sua Amada mãe Iemonjá manda um único e sublime recado, e depois de alguns minutos de silêncio o velho babalaô se levantando com dificuldade foi até a jovem moça e lhe abraçando disse no pé do ouvido, sua Sagrada Mãe Iemonja manda lhe dizer: não desista da vida, pois a vida é o que temos de mais sagrado, seja feliz minha filha!
E a jovem moça?
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