Historiador: Herói ou Vilão?
Por Jades Daniel Nogalha | 09/02/2009 | HistóriaA função do profissional de História é a de investigar
as ações humanas que se desenvolvem ao longo do tempo, atuando
criticamente diante do seu objetivo de estudo. Compreendendo e
interpretando os fatos históricos para descobrir sua importância,
conseqüências e significados. Há muito que a História está, no Brasil,
confinada à prisão das escolas e universidades. Encontra-se, pois,
afastada de sua principal finalidade: levar o ser humano a refletir
sobre as formas de vida e de organização social em todos os tempos e
espaços, procurando compreender e explicar suas causas e implicações. E
uma vez que presente e passado estão indissociavelmente ligados na
História, o ensino e o estudo dessa disciplina se tornam
imprescindíveis para o perfeito entendimento dos tempos modernos.
Sobre
as concepções de história, Jacques Le Goff, que marcou a historiografia
contemporânea com as suas idéias e com as suas obras, explica o
trabalho do historiador segundo as relações entre esses utensílios da
reflexão histórica que são a memória e as oposições passado/presente,
antigo/moderno, progresso/reação, numa perspectiva que é
simultaneamente uma história da história e das teorias da história e um
ensaio de metodologia histórica através de alguns conceitos chave. uma
busca das continuidades e das similitudes na evolução do espírito
histórico, da Antiguidade aos nossos dias, no conjunto das
civilizações, incluindo aquelas das sociedades que resultaram mais da
etnologia do que da história, mas também das mutações e das rupturas
que constituíram tantas modernidades sucessivas. Talvez, queira ajudar
os historiadores e o público a melhor compreenderem o trabalho
histórico, a melhor pensar a história, a melhor "fazer a história".
Quantos
livros didáticos de História, principalmente os publicados na década de
70, que abrimos e ao lermos nos perguntamos sobre determinado fato: —
Será que eles namoravam? — Existiam crianças no seu meio? — Compareciam
a festas? Sonhavam?... Correspondem a um relato cansativo de guerras,
ascensão e derrocada de soberanos, exaltação de heróis... Esta é uma
leitura ao meu ver Positivista da História que faz do leitor um mero
reprodutor dos fatos, com o devido cuidado cronológico, sem perceber o
seu papel enquanto "sujeito e objeto da História" (Barbosa e
Mangabeira, 1982,11ª ed.). Na Antigüidade, com os gregos e os romanos a
glorificação dos feitos militares abria perspectiva para a marcha
expansionista do Estado, durante a Idade Média a História faz parte do
"plano de Deus", com uma visão maniqueísta é sucumbida pela concepção
teológica do período, com as Cruzadas há um deslocamento para o plano
político, que perdura até os nossos dias.
"Homem de
poder ao lado do poder, o historiador tece as continuidades do espaço
político que organiza a nova sociedade. Essa função do historiador, a
reprodução do poder, vai perdurar durante muito tempo, até o começo do
século XX, adaptando-se aos diversos regimes políticos."
(Dosse,1994,p.254)
Nos meados do século XIX
conformam-se as orientações teóricas Marxista, partindo do materialismo
histórico dialético, compõe leis de análise da sociedade, baseadas na
organização Capitalista do período contemporâneo, a explicação é
economicista, inclusive para as civilizações da Antigüidade.
Resistindo a mera explicação política dos fatos históricos e ampliando
as análises econômicas surge o movimento dos Annales, que lança sua
revista em 15 de janeiro de 1929, intitulada Annales d'histoire économique et sociale,
tendo como fundadores os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre. Seus
textos correspondiam aos períodos da História Antiga e Medieval,
avaliando, seguindo o anunciado no título, questões econômicas, sociais
e do quotidiano. A partir deste movimento surge a corrente teórica do
estudo da História denominada Nova História ou História Nova. A
cronologia tradicional (séculos, decênios...), tão enaltecida pelo
Positivismo, não será relevante para as elaborações da História Nova,
por outro lado, seu caráter humano será valorizado. Marc Bloch
afirmava ser a história "ciência dos homens no seu tempo", que a
História pode "compreender o passado pelo presente" ."O passado é uma
construção e uma reinterpretação constante e tem um futuro que é parte
integrante e significativa da história." ( Le Goff, 1990,p.24)
O
seguidor de Bloch e Febvre, Fernand Braudel, por sua vez, incorpora uma
outra forma de divisão do tempo histórico denominando períodos de curta
duração aqueles vinculados a determinadas conjunturas sociais, as
conjunturas enquanto sínteses de múltiplos momentos de caráter
econômico, político, social, cultural, sendo a continuidade temporal
destas sínteses denominadas de períodos de longa duração, ou seja,
estruturas.
"Meu grande problema, o único problema a
resolver, é demonstrar que o tempo avança com diferentes
velocidades."(Braudel in Burke, 1991, p.52) Sendo as estruturas
passíveis de transformação, mesmo que de forma lenta, gradual, tardia
em relação aos fatos de curta duração e as conjunturas estabelecidas. O
pensamento humano faz parte desta "lentidão", as mudanças na moral,
costumes de uma determinada sociedade não acompanham o avanço
tecnológico, as transformações na esfera do trabalho, pois as
categorias comportamentais, regras de conduta são, na sua maioria,
repassadas pela família, pela oralidade, sendo de lenta modificação. A
História Nova propõe uma compreensão dos fatos históricos na sua
totalidade, não restringindo fontes ou abordagens, ampliando as
possibilidades de comprovações a partir de documentos, sendo estes
devidamente catalogados (hoje com ajuda do computador) e questionados
quanto a sua origem, contexto onde foram redigidos. "...ampliou-se à
área dos documentos, que a história tradicional reduzia aos textos e
aos produtos da arqueologia, uma arqueologia muitas vezes separada da
História. Hoje os documentos chegam a abranger a palavra, o gesto.
Constituem-se arquivos orais; são coletados etnotextos."( Le Goff,
1990, p.10)
A partir das décadas de 60 e 70 serão
privilegiados estudos ligados a História das Mentalidades, assuntos
marginalizados até então pela historiografia.
"... a
história das mentalidades não se define somente pelo contato com as
outras ciências humanas e pela emergência de um domínio repelido pela
história tradicional. É também o lugar de encontro de exigências
opostas que a dinâmica própria à pesquisa histórica atual força ao
diálogo. Situa-se no ponto de junção do individual e do coletivo, do
longo tempo e do quotidiano, do inconsciente e do intencional, do
estrutural e do conjuntural, do marginal e do geral"( Le Goff, 1976,
p.71)
Estudos demográficos, métodos quantitativos na
história cultural, abordagens antropológicas da História, narrativas,
retorno à análise das esferas políticas, infância, morte, uma História
Psicanalítica, imaginária... São alguns assuntos do campo de reflexão
do período, que reafirmam a fragmentação da História Nova, entre os
historiadores temos os franceses Le Goff, Àries, Delemau, Duby,
Vovelle, De Certeau, Chartier... Esta geração influenciou os não
franceses: Eric Hobsbawm, Paul Veyne, Peter Burke, Ciro Flamarion
Cardoso (brasileiro)... Conformando outras frentes de investigação para
a História, atribuindo outras funções? Interpretações:
História-problema, História comparativa, História Psicológica,
geo-história da longa duração, história serial, antropologia histórica.
Ocorre uma renúncia da divisão marxista denominada infra-estrutura e
superestrutura, sendo buscadas as representações históricas das
realidades estudadas. Para Duby (1993) a História pode ser vista como
um gênero literário, já que são construídos romances baseados em
períodos históricos, Veyne considera um romance na medida em que é
feita de intrigas. Por outro lado, a História é também uma disciplina
incorporada ao currículo, com uma prática pedagógica, utilização de
recursos didáticos. A prática de sala de aula embasada nas elaborações
teóricas da História Nova, relatam algumas experiências possíveis que
identificam o aluno enquanto sujeito e objeto da História e não como
uma mera "esponja" absorvendo o conteúdo.
O caráter ultrapassado desse tipo de abordagem da História aponta o exagero de alguns livros e concepções historiográficas em relação a esse aspecto. Devemos, contudo, olhar para a História como uma ciência em construção levando o homem a percepção de que ninguém pode fazer algo sozinho e não na visão de que os heróis, apesar do talento e da capacidade individual de muitos, são incapazes de sozinho fazer a História. Cabe ao historiador fazer o registro da História, mas cabe também a função de desmistificação dos mitos. Nesta tentativa constante de trazer para a atualidade a importância da História, pois cada historiador elabora as suas próprias questões em relação à História e essas dependem bastante da interpretação que cada historiador faz dela mesma.