HISTÓRIA REGIONAL: EXPERIÊNCIA DOCENTE COM O ENSINO DE HISTÓRIA DO PARANÁ.

Por Wilian Bonete | 14/01/2011 | História

Wilian Junior Bonete
(Mestrando em História Social - UEL)
Maria Paula Costa
(Doutora em História - UNESP)

RESUMO: A História Regional juntamente com os conhecimentos da história local podem constituir-se num ensino que amplia a consciência sobre a importância do patrimônio histórico cultural. Quando devidamente trabalhada, a História Regional em sala de aula angaria amplas possibilidades de estudo para os historiadores/professores além de fornecer elementos necessários que auxiliam na construção de identidade. No entanto, deve-se atentar ao fato de que requer segundo (Pollak) um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado no alto nível nacional. Para tanto, o objetivo do presente texto é apresentar os resultados obtidos ao final do projeto de Estágio Supervisionado desenvolvido por acadêmicos do 4º ano do curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO em Guarapuava, PR, o qual teve como foco o Ensino de História do Paraná, devido ao fato de que continuamente as pessoas colocam em si questões relacionadas ao local onde moram e sobre como viveram seus antepassados e também pelo pouco espaço que possui nas grades curriculares em todo o Estado, uma vez que a lei determina que seu ensino é obrigatório. A intenção também é refletir brevemente sobre o conceito de História Regional e Local e os pressupostos teórico-metodológicos que nortearam todo o projeto.


PALAVRAS-CHAVE: História Regional, Ensino de História, Práticas e Metodologias.


O presente texto é resultado final de um projeto de Estágio Supervisionado realizado pelos acadêmicos do 4º ano de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), com turmas do Ensino Fundamental e Médio de uma Escola Estadual em Guarapuava, PR, o qual teve como foco o ensino de História do Paraná. O objetivo deste trabalho é apresentar os relatos dessa experiência e levantar algumas reflexões sobre os pressupostos teórico-metodológicos que nortearam o projeto, bem como o conceito de História Local e Regional.
O projeto de estágio em questão remeteu-se á ausência dos conteúdos de História do Paraná das grades curriculares e ao mesmo tempo atendeu a lei nº. 13.381/01, a qual torna obrigatória no Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública o seu ensino.
Dessa forma o mesmo estruturou-se em eixos temáticos que serão discutidos e apresentados posteriormente, com o intuito de compreender que a História do Paraná teve sua importância no âmbito nacional e que Guarapuava fez parte do contexto paranaense desde sua ocupação até os dias atuais.
Assim, pretende-se repensar a importância do ensino da História Regional salientando que a partir desta e suas peculiaridades, podemos conhecer e compreender melhor a História do Brasil de uma forma geral.
Ao partir de uma abordagem da história local é possível dar significado ao ensino de História de forma produtiva. Steca (2004, p. 21) afirma que a possibilidade da pesquisa sobre a história local, por meio do ensino da História Regional, pode ser capaz além de dirimir a distância entre a história local e a História do Brasil, revelar aos alunos o seu papel enquanto agentes históricos propagadores de sua cultura.


HISTÓRIA REGIONAL: CONCEITO E OBJETIVOS

A História Regional não teve grande importância até as últimas duas décadas do século XX e foi alvo de diversas discussões acerca de sua produção, acusada pela semelhança da "história relato" e/ou positivista. Com a renovação historiográfica fruto do movimento dos Annales, houve a possibilidade de ampliação dos campos e territórios do historiador.
A partir de 1980, houve mudanças de pensamentos e começaram a surgir trabalhos mais sistematizados de cunho regional. Diversas foram às correntes que se apropriaram do conceito de região modificando segundo seus pressupostos teórico-metodológicos.
Seguindo os apontamentos de Steca (2004), temos uma corrente que compreendeu esse conceito como sendo ideológico e inserido numa concepção marxista, onde seria construído e imposto por uma classe dominante dentro de uma determinada espacialidade, numa temporalidade também delimitada. Outra concepção abordou a região como algo construído historicamente e, portanto produzido e assimilado por ambas as classes, não havendo homogeneidade por parte de nenhuma das classes.
Barros (2004) aludindo sobre o conceito de História Regional, afirma que "Quando um historiador se propõe a trabalhar dentro do âmbito da História Regional, ele mostra-se interessado em estudar diretamente uma região específica." (BARROS, 2004, p.152). Neste sentido o espaço regional não está associado apenas a um recorte administrativo ou geográfico podendo se referir a qualquer outro recorte proposto pelo historiador de acordo com o problema em que se propor a examinar. O mesmo autor aponta que o interesse central do historiador regional é o estudo deste espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço.
Segundo Priori (1994), o conceito de região é propriamente o espaço social construído historicamente, sendo que essa construção histórica estaria ligada muito á cultura do historiador, a idéia de espaço, tempo e história do próprio historiador.
Podemos considerar que a História Regional , quando devidamente trabalhada, torna-se um campo rico para o historiador e seus estudos. O regional possibilita conhecer peculiaridades que perante a história geral como um todo seriam ignoradas se não tomadas em partes.
A respeito do trabalho com a história local ensinada por meio da História Regional, Bittencourt ressalta que ajuda na construção da identidade dos alunos sendo que:
[...] têm sido indicada como necessária para o ensino por possibilitar a compreensão do aluno, identificando o passado sempre presente nos vários espaços de convivência ? escola, casa, comunidade, trabalho e lazer, e igualmente por situar os problemas significativos da história do presente. (BITTENCOURT, 2004 p.168).

Barbosa destaca que:

[...] o ensino de história local ganha significado e importância no ensino fundamental, justamente pela possibilidade de introduzir e de prenunciar a formação de um raciocínio histórico que contemple não só o indivíduo, mas a coletividade, aprendendo as relações sociais que ali se estabelecem, na realidade mais próxima. (BARBOSA, 2006, p.66).

Assim, a abordagem da história cotidiana possibilita o resgate do passado através das variadas formas, entre elas o uso de fontes disponíveis na própria localidade.
Ainda enfatizando os pressupostos de Steca, a "História Regional poderia ser um caminho para se conscientizar o indivíduo de que ele pertence á algum lugar" (STECA, 2004, p.32) e poderia ao mesmo tempo resgatar a memória, o valor do patrimônio histórico e a importância de uma identidade dentro de uma sociedade.
O PROJETO

O projeto foi desenvolvido junto ao departamento de História da UNICENTRO no Colégio Estadual Newton Felipe Albach na cidade de Guarapuava, PR, durante o ano letivo de 2009, em uma turma do Ensino Fundamental e Médio. Os relatos aqui apresentados foram realizados em uma turma de 8ª série.
A metodologia aplicada para o desenvolvimento desse trabalho esteve ligada aos encaminhamentos metodológicos para o Ensino Fundamental, definido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) onde propõe que sendo impossível estudar a História de todos os tempos e sociedades, torna-se necessário fazer seleções de conteúdos. Sendo assim, esses conteúdos devem procurar sensibilizar e fundamentar de que os problemas atuais e cotidianos não podem ser explicados unicamente a partir de acontecimentos restritos ao presente, mas requerem questionamentos ao passado, análises e identificações de relações entre vivências sociais no tempo. (BRASIL, 1998, p.45).
Com base nestes princípios e considerando o curto período de tempo disponível, é que foram organizados e trabalhados três eixos temáticos:

? Influências Culturais no Paraná: Indígenas, Escravos, Tropeiros e Imigrantes Europeus;
? Ocupação dos campos de Guarapuava;
? Ciclos Econômicos: Couro, Erva-Mate, Madeira, Agricultura, Pecuária e Industrialização.

Estes temas foram selecionados de acordo com a sua importância dentro da historiografia paranaense e geral. Dessa forma, teve-se a liberdade na escolha dos textos, autores e materiais didáticos utilizados durante as aulas.

A EXPERIÊNCIA

A primeira aula teve como tema escolhido (dentro do eixo temático) os "Escravos e Índios", sendo dividido em dois momentos:

1º) ? Abordagem sobre aspectos geográficos do Paraná; Escravo ? Cotidiano; Economia.
2º) ? Índios; Cultura ? Cotidiano.

O início da aula realizou-se por intermédio das seguintes perguntas: "Para que serve estudar a História do Paraná?" "Alguém sabe alguma história ou estórias a respeito do nosso Estado?" Notou-se a timidez dos alunos, porém, fizeram alguns apontamentos onde mostravam saber algo a respeito de lendas locais. Foi indagado que primeiramente o Paraná possuía sua História própria e que teve importância e destaque na História do Brasil, sendo de igual importância seu estudo principalmente de suas origens para a compreensão da realidade social vivida no presente.
Desta maneira foi atraída á atenção de todos de uma forma surpreendente onde todos ficaram atentos.
Para a aula foram utilizados dois textos base intitulados Escravos e Libertos no Paraná de Lúcia Helena Oliveira Silva e outro texto: Índios: Um silêncio ao Norte do Paraná de Igor G. Ramos e Samira Alves, ambos publicados no livro Temas e questões para o ensino de história do Paraná (2008), organizado por Regina Célia Alegro da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Na segunda aula, seguindo o eixo temático "Ocupação dos Campos de Guarapuava", foi trabalhado com o tema "Expedições rumo á Guarapuava". Seguindo a metodologia anterior, a aula estruturou-se novamente em dois momentos:

1º) - Expedição de Afonso Botelho rumo aos campos de Guarapuava em 1771, século XVIII;
2º) - Expedição de Diogo Pinto de Azevedo Portugal em 1809 e ocupação definitiva dos campos de Guarapuava.

Os textos base foram: Do contato ao confronto: a conquista de Guarapuava no século XVIII de Maria Beluzzo (2003), História do Paraná de Ruy Wachowicz (2001) e Conquista pacífica de Guarapuava de Azevedo Macedo (1995).
Também foram utilizadas imagens para auxiliar no entendimento de como foi o primeiro contato das primeiras expedições entre brancos e os índios nativos, salientando que a proposta inicial dos brancos era uma relação amigável, sem violência e sem sucesso algum. Em seguida foram trabalhadas as expedições comandadas por Diogo Pinto de Azevedo Portugal em 1809. Para uma melhor compreensão fez-se uma volta até o ano de 1808 para a explicação da Carta Régia promulgada pelo Rei D. João VI que determinava a Lei exterminadora dos Índios. Após esclarecimentos sobre o que era uma Carta Régia, trabalhou-se as intervenções e intenções de Diogo Pinto até sua designação para a expedição que resultou na conquista dos campos de Guarapuava.
A terceira e última aula teve como tema á "Exploração da Madeira", sendo de igual forma ás anteriores, dividida em dois momentos:

1º) ? Primeiro e segundo ciclo da madeira;
2º) ? Impacto Ambiental causado pela exploração;

O texto base utilizado para a aula foi Madeira no Paraná de Valdecido Pereira da Silva. A aula iniciou-se com três questões: "O que é Economia?" "O que a Economia engloba?" "Qual a utilidade da Madeira?" Feitas estas questões, a aula deu prosseguimento com uma explanação sobre o primeiro grande ciclo da extração da madeira entre 1820 e 1890. Com a utilização de um mapa da região do Paraná apontou-se as principais regiões onde se desenvolveu a extração da madeira: Serra do Mar, Litoral e Nordeste (Norte Velho).
Ainda neste primeiro momento abordou-se á queda da exploração entre os anos 1890 á 1930 onde o pinho se tornou escasso, e a alta durante o governo Vargas de 1930 á 1962. Foi trabalhado o processo da madeira ainda no Paraná até seus destinos como Estados Unidos e Europa.
Para o segundo momento foi trabalhado a questão da madeira associada ás atividades econômicas e o impacto no meio ambiente. Indagou-se que ás grandes florestas no Brasil sempre despertaram interesses estrangeiros e no Paraná não foi diferente, atraindo assim vários colonos principalmente durante a primeira guerra mundial, e vinham a todo vapor ocupando diversas regiões e iniciando o desmatamento. Prosseguiu-se a aula apontando que tais explorações e maus tratos causavam desequilíbrio ecológico.
A associação feita entre imigrantes e a exploração da madeira é que estes foram impulsionados pelo mercado que estava em potencialidade, ou seja, o capitalismo que modelador da sociedade.


CONSIDERAÇÕES

A História não tem apenas a função de enriquecer culturalmente os alunos com o fim de apenas repetirem os fatos detalhadamente e mecanicamente. "Deve possibilitar os mesmos a compreensão da História como um processo contraditório pela qual os homens em suas múltiplas relações produzem sua vida em suas múltiplas dimensões." (SIQUEIRA, RODRIGUES, 2009, s/n).
Neste sentido é necessário que o ensino da História Regional e a História do Paraná sejam revistos nos currículos escolares, pois, constitui-se uma ferramenta que possibilitaria amplamente a compreensão sobre a importância e a preservação do patrimônio histórico cultural além do auxilio na construção de identidades.
Nas palavras de Jayme e Carla Pinsky:

É necessário portanto, que o ensino de História seja revalorizado e que os professores dessa disciplina conscientizem-se de sua responsabilidade social perante os alunos, preocupando-se em ajudá-los a compreender e esperamos, a melhorar o mundo. (PINSKY & PINSKY, 2005, p. 22)


REFERÊNCIAS:

STECA, Lucinéia Cunha. "Apontamentos sobre ensino de História do Paraná." In: História & Ensino, Londrina, v. 10. p. 21-40, out. 2004.

BARROS, José D?Assunção. O Campo da História: Especialidades e Abordagens. Petrópolis, RJ: 5º Ed., Vozes, 2008.

PRIORI, Ângelo. "História Regional e Local: Métodos e Fontes". In. Pós-História. Assis: Editora UNESP, v.4, 1994.

BITTENCOURT, Circe Maria. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo, Cortez, 2004.

BARBOSA, Vilma de Lurdes. "Ensino de História Local: Redescobrindo Sentidos". In. Saeculum ? Revista de História [15], João Pessoa, Jul-Dez.2006.

AMARO, Hudson Siqueira, RODRIGUES, Isabel Cristina. "O Papel do Profissional de História na Formação da Cidadania." In: Anais do IV Congresso Internacional de História. Maringá, PR., 2009 (Cd-Room).

PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla. "Por uma História Prazerosa e Conseqüente." In: KARNAL, Leandro. História na Sala de Aula: Conceitos, Práticas e Propostas. 3º Ed. São Paulo: Contexto, 2005.



REFERÊNCIAS UTILIZADAS NAS AULAS:

SILVA, Luciana Oliveira. "Escravos e Libertos no Paraná." In: ALEGRO, Regina Célia (org.) Temas e questões para o ensino de história do Paraná. Londrina: EDUEL, 2008.

RAMOS, I.G., ALVES, S.I. "Índios: um silêncio ao Norte do Paraná". In: ALEGRO, Regina Célia (org.) Temas e questões para o ensino de história do Paraná. Londrina: EDUEL, 2008.

BELLUZZO, Ana Maria de Moraes et al. Do contato ao confronto: a conquista de Guarapuava no século XVIII. São Paulo: BNP. Paripas, 2003.

WACHOWICZ, Ruy. História do Paraná. 9ª Ed. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001.

MACEDO, Azevedo. Conquista Pacífica de Guarapuava. Curitiba: Fundação Cultural, 1995.

SILVA, Valdecido Pereira da, "Madeira no Paraná", in: ALEGRO, Regina Célia (org.). Temas e Questões: para o ensino de história no Paraná, Londrina: EDUEL, 2008, p. 143-171.


*SOBRE ESTE ARTIGO: Este artigo foi publicado nos Anais do I Seminário Internacional de Etnia, Diversidade e Formação, 2010 - Universidade Estadual do Oeste do Paraná ? UNIOESTE. ISSN 2177-0158 (CD-ROOM)