HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO ESTADO DE SANTA CATARINA: Cartas do Delegado Guilherme Ricken (e autoridades policiais) ao Presidente João José Coutinho (Estado de Santa Catarina) - relato a respeito de ataques índios aos moradores de Lages (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 13/09/2017 | HistóriaPublicação das cartas do Delegado Guilherme Ricken (e outras autoridades policiais) ao Presidente Coutinho (Governador de Santa Catarina), contendo relato a respeito dos ataques de índios aos moradores de Lages e região e a importância da Guarda Nacional como força militar auxiliar das autoridades policiais (a "Força Policial" - atual "PM/SC" ainda era incipiente e começou a se estruturar como força policial em substituição à Guarda Municipal, nessa época sediada na Capital e Laguna). Dentre as várias leituras o texto também chama a atenção para as dificuldades enfrentadas pela autoridade policial em razão da falta de estrutura e organização para exercer sua árdua missão:
(DOC 1)
DO: Delegado de Lages - Guilherme Ricken
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: Reporta-se a Informação sobre o aparecimento de índios Botocudos e as agressões que realizaram a moradores da região da Lages. Comunica a chegada de mais ou menos cem índios vindos da região de Vacaria, bem como os contatos mantidos com o Cacique Dobre e as diligências acerca dessa movimentação dos índios e as providências que adotou no sentido de fornecer alimentos.
"lIl.mo e Ex.mo Señr
Em o meu Officio de 18 do Corrente participei a V. Exa do apparecimento do Gentio Botocudo a beira campo na direcão da Serra Geral, onde estão fazendo estragos nas Criações dos moradores, e agora tenho a participar que em occasião de estar dando providencias para os afugentar, recebi a participação do Inspector do Quarteirão[1] dos Baguaes de que huma porção de Indios coroados que se achavão aldeados no Municipio da Vacaria, passarão o Rio de Pelotas no dia 16 do corrente, encaminharão-se para esta Villa, onde entrarão antes de hontem a tarde em numero de 100 mais ou menos, com mulheres e muitas crianças capitaneados pelo cacique Dobre, de quem V. Exa já deve ter noticia, e que logo me procurou. Perguntando-lhe a que vinha disse-me que vinha me visitar, e que sua gente estava com fome. Dei logo providencias para se acampar esta gente, perto de hum arroio na visinhança da Villa, para onde mandei huma porção de feijão e farinha com toucinho, que em hum instante devorarão. Hontem voltou tudo a esta Villa, entrando sem ceremonia em todas as casas, pedindo tudo quanto vêem, e por mais que se lhes dê nunca ficão satisfeitos. Esta gente está quase nua, de combinação com o Tenente Coronelmandei carnear trez rezes para elles, e de que me consta hoje já pouco ou nada resta. He portanto perciso dar-lhes de ração senão nada chega. Fallando com o cacique perguntei-lhe se veio com licença de quem os governava lá na Vacaria, disse que não pois que por lá não havia quem olhasse para elles, o que he de suppôr não ser verdade. Consta me porem por gente vinda da Vacaria, que estes Indios tiverão ordem de se recolher ao Aldeamento de Nonoahy em Missões, e que recusárão para ir, por serem muito vadios, e não quererem trabalhar e que os moradores da Vacaria já não os podião aturar. He portanto de suppôr que passassem para ca, para continuar na mesma vadiação. Não estavamos aqui preparados para tão desagradavel visita, e não ha remedio senão sustenta-los em quanto não se achar meios para afasta-los da Villa, e pra encosta-los n'algum matto que tenha caça para se poderem sustentar, e portanto tenho a pedir a V.Exa authorização para estas despezas já feitas e por fazer, e bem assim instruções sobre o futuro tratamento desta gente no caso de não quererem voltar para a Provincia do Sul. Em todo caso he necessario nomear se huma pessoa para director dos mesmo indios em quanto aqui estiverem no districto.
O Cacique, que bem pouco portuguez falla, e que apenas se entende, me pede roupa para sua gente, e baetas para se cobrir, bem como machados, e facas. Disse-lhe que sem ordem do Governo não lhe podia dar, e que mesmo sabia que o Governo nada lhes daria, em quanto não se aplicassem a trabalhar, para ganharem a vida. Não pareceu ficar satisfeito com esta resposta. Deos Guarde V. Exa.
Villa de Lages 22 de Fevereiro de 1855.
Illmo e Exmo Sñr Doutor João José Coutinho
Presidente da Provincia de S. Catharina
O Delegado de Policia
Guilherme Ricken"
(DOC-2)
DO: Delegado de Lages - Guilherme Ricken
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: Relata os contatos que tem mantido com o Cacique Dobre e informa sobre as agressões perpetradas pelos índios Botocudos a moradores da Fazenda dos Tributos, bem como a solicitação dos moradores de armamento para se defenderem. Informa também sobre a contratação dos índios da tribo do Cacique Dobre para perseguir e combater os índios Botocudos.
"Illmo e Exmo Sñr
Em os meus Officios de 18 e 22 do Corrente participei a V. Exa o occorrido neste Municipio tanto com os bugres bravos, como com os mansos ao mando do Cacique Dobre, e approveito a demora do Estafeta com o Correio, para levar ao conhecimento de V. Exa que no dia 22 deste mez recebi a participação de que os Botocudos em grande numero estavão ameaçando a casa de morada da Fazenda dos Tributos, cujos moradores me pedirão encarecidamente auxilio de armamento e gente, e como não tenho armamento de qualidade alguma, e nem era possivel reunir gente com a brevidade que era mister lembrei-me de convidar ao Dobre para com sua gente ir afugentar os Botocudos, por saber que estes dous tribús são inimigos jurados. O Cacique Dobre me respondeu que se eu quizesse fazer hum trato com elle que estava prompto para seguir, porem que queria ir só primeiro para reconhecer o terreno, e ver o rasto dos Botocudos, e quando estava para seguir, lembrou-se talvez que poderia ser alguma cilada que lhe armava, disse me que elle não ia, porem que mandava dous de sua gente para lhe informar do que havia, o que com effeito fez, e voltando estes dous homens antes de hontem a noite, verificarão que pelo rasto que virão e mais signaes que apparecerão ( última linha da página cortada não aparecendo senão a parte superior de algumas letras) era eminente o perigo daquelles moradores. Depois destas informações me disse o Dobre que estava prompto para esta diligencia se convencionassemos sobre o trato. Em seguida pedio me 4 patacões em dinheiro para cada homem de sua gente; o que depois ficou em 3 patacões, sendo o pagamento em fazendas, cujo trato conclui com elle; pedio-me mais huma meia duzia de facas grandes para fazer lanças, o que lhe mandei dar, de maneira que hontem de tarde seguio com vinte e tantos homens e duas mulheres para a fazenda dos Tributos á duas legoas de distancia desta Villa; deixando todos os velhos, mulheres e crianças no acampamento perto da Villa, recommendando os muito á minha proteção. Hoje julgo entrarão no matto. Acompanhão ao Cacique, como reserva, dez homens nossos. Participarei a V. Exao resultado desta diligencia.
Pelo que acima vai exposto verá V. Exa que nas circunstancias extraordinarias que ultimamente aqui occorrerão, lancei, na falta de todo recurso, mão de medidas igualmente extraordinarias para proteção das vidas e propriedades dos moradores deste Termo, cujas medidas espero merecerão a approvação de V. Exa, bem como as despezas que occasionarão, e pelas quaes me responsabilisei. Deos Guarde a V.Exa.
Villa de Lages em 24 de Fevereiro de 1855.
Illmo e Exmo Sñr Dor. João José Coutinho
Presidente da Provincia de S. Catharina
O Delegado de Policia
Guilherme Ricken"
[1] A função de Inspetor de Quarteirão existia desde a época do Brasil Colônia, quando estavam em vigência, ainda, as Ordenações do Reino de Portugal. Mais tarde, o Código de Processo Criminal do Império manteve essas funções. No âmbito do Estado de Santa Catarina, a primeira legislação a prever essa função foi a Lei n. 105, de 19 de agosto de 1891 que dispôs em seu art. 9° que “Em cada quarteirão haverá um inspector com attribuições actuaes”.
SEGUNDA PARTE:
(DOC-03)
DO: Delegado de Lages Guilherme Ricken
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: sobre menores indigenas a enviar para a capital e também sobre a criação de um destacamento para proteção contra indios.
"Ilmo. e Exmo. Sñr
Não faço seguir já os três indigenas menores de que trata o Officio de Vossa Excel. de 17 do mez passado, por que seu estado physico não lhes permitte fazer a viagem; o que porem farei logo que melhorem de saude. Fiquei igualmente inteligenciado pelo referido seu Officio da authorisação de poder destacar até o numero de vinte Guardas Nacionaes em destacamentos para proteção contra as ameaças e insultos dos Indios. Não me approveitarei porem desta authorisação por hora, por me parecer desnecessarios destacamentos fixos, e que pouca ou nenhuma utilidade darão pela grande extensão de terreno sujeito a estas invasões. Reservo porem esta authorisação para occasiões em que pode ser proveitosa, accudindo a qualquer ponto ameaçado, e para este fim desejaria então que houvesse huma Ordem para o Collector d'aqui supprir com a despeza. Deos Guarde a V. Exa.
Lages 13 de Janeiro de 1852
Ilmo. Exmo. Sñr Dor. João José Coutinho
Presidente da Provincia de S. Catharina
Guilherme Ricken"
(DOC-04)
DO: Delegado de Lages Guilherme Ricken
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: presta informações acerca de atentado contra indios aldeados em Pontão
"Ilmo. Exmo. Sñr
Tenho presente o Officio de V. Exa. de 17 do mez passado em que ordena proceder-se aqui a huma inquisição sobre os barbaros attentados de que se diz forão victimas os indios do Pontão. Não se achando já neste Termo as pessoas que me communicarão os factos que relatei no meu Officio de 4 de Setembro ultimo, ser me há preciso inquirir alguns dos moradores d'aqui que igualmente tenhão conhecimento do que ali occorreu, o que farei com a brevidade possivel. Deos Guarde a V. Exca.
Villa de Lages 13 de Janeiro de 1852.
Ilmo. Exmo. Sñr Doutor João José Coutinho
Presidente da Provincia de S. Catharina
Guilherme Ricken."
(DOC-05)
DO: Delegado de Lages Guilherme Ricken
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: presta informações descrevendo Coroados e Botocudos
"Ilmo. e Exmo. Sñr
Tenho a honra de informar a V. Exca em resposta ao Officio que me dirigio em 17 do mez passado que apesar de se achar este Municipio rodeado de immensos Sertões povoados de indigenas de differentes tribus, nenhum aldeamento delles aqui existe, nem nunca existio, o que se deve attribuir em parte ao desleixo que tem havido até agora em promover a Cathequese destes indios por estes lugares, e tambem ao modo com que os moradores até há bem poucos annos procedião contra elles, cassando-os como Animaes, com o interesse de lhes apanhar e captivar os filhos donde resultou que os Indios entranhando-se mais pelas mattas dentro, criarão ódio mortal contra a raça branca, o que talvez ainda por muito tempo frustrará qualquer tentativa que se queira fazer para chama-los á Civilização.
Já que trato deste assumpto, não serão talvez de todo sem interesse, mais algumas informações sobre as differentes tribus de indios aqui conhecidos, bem como sobre o seu caracter, indole, e modo de viver.
Todos os indios são aqui appelidos pelo nome generico de Bugres; entretanto que existem duas nações bem distinctas que são conhecidas pelos nomes de Coroados e Botocudos [1]. A primeira destas nações ass denominados, talvez por huma corõa grande que todos tem aberta no alto da cabeça, á moda dos frades, habita os Sertões ao Oueste desta Villa, e nunca passão para leste da estrada geral que vem de S. Paulo para este Municipio. Estes indios forão cathequisados em Garapuaba, e ali receberão as primeiras noções de Civilisação; largarão porem o Aldeamento e tornarão á vida errante tornando-se o flagello dos viandantes que em grande numero transitão pela mencionada estrada, até que ultimamente o Go- verno conseguio aldea-los na Vacaria e em missões, donde novamente fugirão em consequencia das ultimas ocorrencias na Vacaria. O Caracter destes indigenas he menos feroz do que o dos Botocudos com quem vivão continuadamente em guerra, e de quem se tomão muito. Elles fazem prisioneiros e principalmente quando apanhão mulheres brancas que levão para o matto, e tambem tem apparecido negros entre elles. Suas armas, e utensilios são fabricados com rara perfeição, e alguns que tenho visto são muito curiosos.
Os botocudos que trazem por distincção o beiço inferior furado, e com huma grande rodela de paõ, vivem nos Sertões que separam este Municipio do littoral da Provincia; achão-se no estado primitivo de natureza, e nunca largão sua vida errante; não se apresentem nem queirão relação alguma com ninguem; mattão tudo quanto encontrão, e até os seus proprios que depois de criados entre nos, lhes cahem nas mãos. He proverbial a paciencia e tenacidade com que estes indios espreitão huma casa, e infallivel a desgraça quando chegão a attacar. Elles tem grandes allojamentos em pontos certos debaixo da Serra, e que ca de cima facil- mente se reconheção pela fumaça; vivem segundo consta na maior miseria, e nenhuma commodidade conhecem. Os seus arcos e flechas apesar de fortes, são muito mais grosseiros e imperfeitos do que os dos Coroados. O seu numero deve ser consideravel, pois em todas as partes apparecem vestigios d'elles. Deos Guarde a V. Exca.
Villa de Lages 14 de Janeiro de1852
Ilmo. Exmo. Sñr Dor. João José Coutinho
Presidente da Provincia de S. Catharina
[1] “Botocudo se refere para designar genericamente as tribos indígenas que usavam botoque e que se constituía em uma rodela grande feita para ser introduzida em buracos artificiais nos lóbulos das orelhas, narinas e beiço inferior” ( Folha de São Paulo, 5 de setembro de 1998 – Ilustrada 4-11). Nesse mesmo artigo é apresentado documento onde D. João VI, no dia 13 de maio de 1808 determina ao Governador da Capitania de Minas Gerais dê início ao combate aos ‘botocudos’. Na correspondência, conclui o monarca, afirmando que “...Ordenar-vos em primeiro lugar: Que desde o momento, em que receberdes esta Minha Carta Regia, deveis considerar como principiada contra estes Indios Antrophagos huma Guerra Offensiva, que continuareis sempre em todos os annos nas Estações secas, e que não terá fim, senão quando tiverdes a felicidade de vos senhorear de suas Habitações, e de os capacitar da Superioridade das Minhas Reaes Armas de maneira tal, que movidos do justo terros das mesmas peção a Paz, e (...) possão vir a ser Vassallos úteis, como já o são as immensas variedades de Indios, que nestes Meus vastos Estados do Brazil se achão aldeados (...)”.
(DOC-06)
DO: Delegado de Lages Guilherme Ricken
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: presta informações acerca da inquisição sobre atentados contra os Indios aldeados em Pontão
"Ilmo. e Exmo. Sñr
Incluso passo ás mãos de V. Exca. a inquisição sobre os attentados que se diz praticados com os indios aldeados no Pontão, segundo me foi ordenado pelo Officio de V. Exca. de 31 de Dezembro do anno passado. Senti não poder achar as proprias pessoas que me contarão estes factos, por se terem retirados para a Vacaria onde são moradores. Achei porem alguns d'aqui, que com grande receio de ficarem compromettidos, sempre confirmarão em substancia, o que eu avancei em meu Officio de 4 de Setembro do Anno passado. Deos Guarde a V. Exca.
Villa de Lages em 30 de Janeiro de 1852.
Ilmo. Exmo. Sñr Dor. João José Coutinho
Presidente da Provincia de S. Catharina
Guilherme Ricken"
(DOC-07)
DO: Delegado de Lages Guilherme Ricken
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: Presta informações sobre os ataques dos índios e a necessidade de expressa autorização para impedir os ataques aos colonos imigrantes.
"Ilmo. e Exmo. Sñr
Tenho a participar a V. Exa. que todos os dias me chegão queixas dos moradores d'este Termo, por causa de prejuizos que soffrem dos Bugres nos seus animaes. A tempos matarão estes Indios porção de animaes em huma invernada do Coronel Neves, no lugar chamado o Bom Retiro. Pouco depois fizerão iguaes estragos nos Campos de Antonio de Lis e Abreu, igualmente na estrada que segue para essa, e ultimamente a semana passada matarão todos os animaes de hum morador no matto dos Indios de nome Silverio Barboza. Todos estes e outros proprietários pedem providencias para se afugentar estes Indios, e bem que eu tenha authorização de V. Exa. para empregar a força publica no caso de serem accommettidos os moradores pelos Indios, estou persuadido que o unico meio, de impedir a continuação d'estes prejuizos e estragos, e que seja capaz de incutir medo aos Indios, seria de atacal-os no proprio alojamento, que se sabe ser nas cabeceiras do Rio de Canoas, por ser d'este alojamento que sahem as partidas que fazem estes insultos.
Não me julgo porem authorisado, sem expresso consentimento de V. Exa para mandar emprehender huma expedição d'estas, que depende de maior despeza para se fazer alguma cousa que sirva, e para não arriscar a vida de homens que devem ser empregados n'esta diligencia sem probabilidade de ser bem sucedido. No entanto alguma cousa deve-se fazer, pois que os Indios cada vez ficão mais affoitos, e não tardarão a atacar as moradas das pessoas que residem ao longo da estrada ate o Trombudo, ou nas visinhanças da Serra Geral. V.Exa. sabe que eu não sou amigo de gastar os dinheiros publicos sem reconhecida necessidade; julgo porem ser esta huma das occasiões em que algum dinheiro deve ser despendido para se prevenir desastres, que aliás são infalliveis. Como porem huma empreza contra os Indios no seu alojamento só poderá fazer-se depois de refrescar o tempo, por causa da muita immundice de insectos no matto n'estes mezes, terei tempo de receber as ordens de V. Exa a respeito. Deos Guarde a V. Exa.
Villa de Lages em 8 de Fevereiro de 1852.
Ilmo. e Exmo. Senr Doutor João José Coutinho
Presidente da Provincia de S. Catharina
Guilherme Ricken.
Conforme
Manoel da Costa [ilegível]"
(DOC-08)
DO: Delegado de Lages Guilherme Ricken
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: Informa ter recebido ofício que autoriza o pagamento de vencimentos aos Guardas Nacionais que serão empregados no combate aos índios
"Ilmo. e Exmo. Sñr
Tenho presente o Officio de V. Exca de 29 do mez passado em que me communica haver se expedido Ordem para que pela collectoria desta Villa se paguem os vencimentos dos Guardas Nacionaes que se empregarem para obstar as incursões dos Indios; e lisongeio-me que esta providencia produzirá os effeitos desejados para abrigar aos moradores deste Municipio contra qualquer agressão por parte dos Indios. Deos Guarde a VExca.
Villa de Lages em 14 de Fevereiro de 1852.
Ilmo. Exmo. Sñr Dor. João José Coutinho
Presidente da Provincia de S. Catharina
Guilherme Ricken"
QUARTA PARTE:
(DOC-09)
DO: Delegado de Lages Guilherme Ricken
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: Informa sobre ataque dos índios a uma família moradora da localidade de Rio Bonito – na estrada geral do Trombudo - quando mataram nove pessoas de uma família e queimaram suas residências. Pede indenização pelos gastos que teve que empreender nas diligências e solicita recursos para aquisição de “cartuchos” e dispêndio em outros gastos necessários à segurança da população.
"Ilmo. e Exmo. Sñr
He com bastante pezar que me vejo obrigado a participar a V. Exca. que infelizmente se verificarão os meus receios de algum proximo desastre causado pelos Bugres. Hontem a tarde apresentou se me aqui Joaquim José de Miranda, morador no Rio bonito alem do Matto dos Indios na estrada geral que segue para o Trombudo, participando me haver sido sua casa attacada pelos Indios no Domingo 17 do Corrente depois do meio dia, e que estes lhe mattarão nove pessoas de Sua familia, e que depois queimarão duas casas de Seu Sogro e Cunhado. Este homem bem como seu cunhado Luiz de tal tinhão ido á cassa, e quando voltarão acharão as suas familias mortas e maltratadas e as suas casas queimadas. Elle me trouxe Seis frechas que tirou dos Cadaveres de sua Cunhada, filhos e sobrinhos, sendo que ainda não achou os corpos de sua mulher e de dous cunhados que suppõe estarem em hum capão perto do lugar onde existia a casa e como me pedisse providencias Officiei ao Inspector do Quarteirão dos Indios para que com quatro homens de sua visinhança acompanhasse a este Miranda e que fossem enterrar os Corpos, e que eu me obrigava por alguma Despeza que fizesse. Comprei hum pouco de polvora e chumbo para municiar a estes homens, pois não havia nenhum cartuxo (ilegível). Não quero por hora mandar escolta alguma da força armada por que he sabido que os Bugres depois de feita sua empreza, logo que se retirão para longe do lugar do delicto, e que portanto seria de balde fazer-se despeza em bater o matto. He porem perciso que com vagar se dê providencias mais energicas para afugentar de huma vez estes Indios, aliás se tornará em pouco tempo de huma vez intransitavel aquella estrada.
Espero que V. Exca. me mandará indemnisar pela Collectoria as despezas que me vejo obrigado a fazer nesta occasião, e bem assim requisito alguns massos de cartuxos embalados, para esta e outras deligencias a bem do Serviço publico. Deos Guarde a VExca.
Villa de Lages 20 de Abril de 1853.
Ilmo. Exmo. Sñr Dor. João José Coutinho
Presidente da Provincia de S. Catharina
Guilherme Ricken"
(DOC-10)
DO: Delegado de Polícia de Lages – Guilherme Ricken (por meio do Oficial Maior Interino – Ricardo José de Souza)
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: Apresenta relatório com informações sobre a cultura, costumes e condições em que se encontram os índios Botocudos que foram feitos prisioneiros pelos índios da tribo do Cacique Dobre contratados pelo Delegado de Polícia de Lages por ordem do Presidente da Província.
"Illmo e Exmo Sñr
Tenho a honra de accusar a recepção dos Officios de V. Exa. datados de 2 e 3 do corrente mez, que em parte já ficarão respondidos no meu officio de 6.
He me impossivel remetter o pret dos Indios que entrarão no matto para afugentar os Botocudos por ja se terem retirado d'aqui e por ignorar seus nomes, e mesmo se ainda cá estivessem seria difficultoso por que só trez ou quatro delles tinhão nome Christão. No entanto mandei contal-os tanto na entrada como na sahida do matto pelo comandante de nossa gente que os accompanhou, e que me participou ser seu numero 24. Os Botocudos que capturarão em numero de 11, e dos quaes 6 actualmente se achão doentes, e entre elles huma Bugre em perigo de vida, seguirão para essa, logo que seu estado de saude o permittir. Igualmente impossivel me é dar a V. Exa. hua relação exacta da idade e sexos da gente capitaneada pelo Cacique Dobre, e somente direi que seu numero total importou em 92, dos quaes 30 mais ou menos são homens de armas, e o mais mulheres e crianças de todas as idades: que seu estado de civilisação é infimo, e que não aproveitarão senão alguns dos nossos vicios. alem do Dobre sómente dous homens entendião algumas palavras da nossa lingua, e sómente respondião quando lhes fazia conta, e tão bem só estes trez sabião servir-se de armas de fogo, sendo os mais armados com arco e frecha, e alguns com porretes. Parecião sadios, apesar de andarem quasi nus, a sua comida toda é sem sal, só os homens comião carne e leite, e o sustento principal das mulheres era feijão, e farinha e rapadura, alem do que arranjavão nas lavouras dos moradores em roda da Villa, que ficarão completamente arrasadas. Não se Occupão em trabalho algum, e a sua vida consiste em comer e dormir, a poligamia existe entre elles, e nenhuma idéa religiosa apparece entre elles. Enfim são animaes brutos, que a não serem sujeitos e obrigados a trabalhar, em breve causarão desgraças infaliveis. Deos Guarde a V. Exa.
Lages 10 de Março de 1855
Illmo e Exmo Sñr Dor. João José Coutinho,
Presidente da Provincia de Santa Catharina
O Delegado de Policia Guilherme Ricken
Conforme
No impedimto do Secreto
O Official Maior Into
Ricardo José de Souza"
(DOC-11)
DO: Inspetor de Quarteirão dos Baguaes - Joaquim da Costa Varella
AO: Delegado de Policia de Lages - Guilherme Ricken
Assunto: Apresenta relatório sobre as queixas dos moradores dos Baguaes que reclamam dos índios da tribo do Cacique Dobre por estarem destruindo suas roças. Informa sobre as suas tentativas para ver se manda esses índios embora.
"Ilmo Sñr
Sobre os povos deste quarteirão não consta ate a data deste haver novidade alguma, está por ora em paz. Passo agora a tratar sobre os Bugres: no dia 27 tive noticia que estavam nas roças dos moradores deste fundo, sobre a picada dos Campos Novos, sendo estas roças na Serra, queixando-se os moradores que lhe estavam destruindo as roças: no dia 28 mandei gente a ver se retiravam. Sahio o Dobre disse-lhe que tirasse a gente do matto, que não estivessem destruindo as roças, respondeo que a gente estava doente que não podia; pedio-me rez para carnear que a fome era muita, e remedio para curar a gente para sahir; disse-lhe que tirasse a gente, que dava, tirou em numero de trinta e tantos; tive de carne-ar e dar-lhe outras cousas que o dito pedio, e o mais não tem sahido, diz elle que vão pelo matto mesmo: no dia 29 houve muita agua, estando estes no Campo tornaram-se a retirar-se para a Costa da Serra, e por ahi estão com muita manha. Tenho lidado com muito geito a ver se os tiro da Serra: fiz huma Carta dizendo que F. Felippe San-(?)mandava chamar por Ordem do Presidente ; ficou muito alegre e disse que ia, mas que era em a gente sarando, e a doença dos ditos é sarampo, certamente terão muita demora para caminharem; por meio de asperidade julgo não poder lidar com elles, porque estão no matto e não estão reunidos: os povos é um clamor sobre seos mantimentos que elles estão estragando, que me vejo inquietado; se não fosse tel-os advertido que elles estão apoiados pelo [(?) Governo, ja tinham violentado. Eu tenho supprido com alguma cousa, não anda em menos de sessenta mil reis, para ver se assim os encaminho, os mais não querem suprir com nada, e elles hão de comer, ou dado, ou roubado, ou á custa da Nação, e assim V. S. dará as providencias na certeza que sendo para os violentar rigorosamente, V. S. mandará outro, que eu não o faço seguindo o apoio do (?) Governo, e elles não terem feito mal. É o quanto tenho a participar a V. S. Deos Guarde a V. S. por muitos annos
Em sua residencia - Baguaes 3 de Abril de 1855.
Illmo Sr. Delegado de Policia do Termo Guilherme Ricken
Do Inspector dos Baguaes Joaquim da Costa Varella
PS. Não escrevi a mais tempo por andar vendo se os Bugres encaminhavam-se.
Conforme
No impedimto do Secreto
O Official Maior Into
Ricardo José de Souza"
QUARTA PARTE:
(DOC-12)
DO: Delegado de Polícia de Lages – Guilherme Ricken (por meio do Oficial Maior Interino – Ricardo José de Souza)
AO: Presidente da Província João José Coutinho
ASSUNTO: Conforme informações do Inspetor de Quarteirão dos Baguaes, informa que os índios da tribo do Cacique Dobre estavam destroçando as roças dos colonos daquele quarteirão. Manifesta preocupação de que esses índios não querem voltar para Vacaria.
"Illmo e Exmo Sñr
Recibi hoje participação do Inspector dos Baguaes de que os bugres manços do Dobre continuão a conservar-se nos mattos d'aquelle quarteirão, e a destroçar as roças dos moradores que amargamente se queixão. Por este officio que incluso remetto a V. Exa, melhor verá o que ha á respeito. Por hum trecho do mesmo officio em que diz que o Dobre se queixa de que sua gente está com muita fome desconfio d'estes Bugres, pois que no matto onde estão ha abundancia de caça e de mel. Está claro que não querem voltar a Vaccariá, e como tambem he conhecido, que não queirão sugeitar-se ao trabalho, he de receiar que de repente fação alguma violencia nas casas dos moradores e depois se retirão para o matto para não sahir mais. Vai tambem copia da resposta que dei ao Inspector, e fico esperando as ordens de V. Exa a quem Deos Guarde por muitos annos.
Villa de Lages 6 de Abril de 1855
Illmo e Exmo Sñr Doutor João José Coutinho
Presidente da Provincia / de Santa Catharina
O Delegado de Guilherme Ricken
Conforme
No impedimto do Secreto
O Official Maior Into
Ricardo José de Souza"
(DOC-13)
DO: Delegado de Policia de Lages - Guilherme Ricken
AO: Inspetor de Quarteirão dos Baguaes - Joaquim da Costa Varella
Assunto: Informa ao Inspetor de Quarteirão que não possui recursos da presidência da Província para custear as despesas com a movimentação dos índios e tampouco não recebeu ordens para usar de violência para expulsar os bugres do cacique Dobre.
"N'este instante recebo o seu officio de 3 do corrente, e sciente do que n'elle me diz a respeito dos bugres, respondo que não tenho autorização para despender dinheiro algum com elles, e nem tão pouco para empregar meios violentos para os expulsar[1]. No entanto vou remetter o seu officio ao Exmo Señr Presidente da Provincia, para solicitar novas ordens, que logo lhe communicarei. Por em quanto será bom que Vm.ce diga ao Dobre que se abstenha de fazer estragos nas roças dos moradores, pois que a continuar virá indubitavelmente ordens do Governo para os fazer evacuar o Districto. Os moradores que não querem supprir com nada, não são a isso obrigados, e sim para ajudar a Vm.ce na conservação da ordem, e tranquillidade no seu Quarteirão[2]. Em breve porem espero poder dar-lhe ordens mais explicadas, devendo Vm.ce e os moradores no em quanto estarem alerta, para não soffrerem por qualquer surpreza que os bugres por ventura poderão intentar. Deos Guarde a Vm.ce.
Villa de Lages 6 de Abril de 1855
Guilherme Ricken Delegado
Ao Señr Joaquim da Costa Varella,
Inspector do Quarteirão dos Baguaes
Está conforme - O Delegado Guilherme Ricken "
Conforme
No impedimto do Secreto
O Official Maior Into
Ricardo José de Souza
[2] Vê-se que os moradores não estavam dispostos a arcar com quaisquer despesas no sentido de custear a estadia dos índios na região e tampouco concorrer com recursos para fazer frente ao combate aos ‘invasores’. Dessa feita, por meio do autoridade policial – porta voz de seus interesses, comunicavam ao Governo Provincial de que competia a ele arcar com as despesas para solução do ‘problema’ que representava a presença dos bugres na região e de quem deveria partir ordens no sentido de resolver esse problema com a expulsão dos índios.
*Fones: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina
*Acervo do autor