HISTÓRIA DO PROJETO DE LEI ORGÂNICA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: "O PRÍNCIPE E SEUS COMANDOS" - PARTE XVI (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 08/02/2018 | HistóriaDia 31.05.2016, horário: 10h25min, a Corregedora da Polícia Civil, Delegada Sandra Mara Pereira veio até minha sala (n. 212), localizada no segundo andar do prédio da Corregedoria da Polícia Civil, e da porta entre aberta perguntou se tinha um minutinho para conversar. Sandra logo se sentou na minha frente e disse, procurando deixar no ar um certo gesto de doçura e sensibilidade, pois tinha um assunto “chato” para conversar. Cheguei a pensar que tinha sido o artigo que havia postado na semana que passou sobre os "15 dias que abalaram a Polícia Civil", partes I e II. Depois da comunicação de Sandra que seria instaurada uma sindicância para apurar uma denúncia do “Secretário Grubba” contra minha pessoa, argumentei que aquilo me havia me deixado muito magoado e que, enfim, era a "gota d’água" que estava faltando para que eu requeresse minha aposentadoria. Sandra saiu da minha sala com a mesma doçura que começou a falar, porém, deixou no ar um certo quê de “mensageira...”.
À tarde, por volta das onze horas, a Delegada Ester Fernanda apareceu na Corregedoria para uma audiência e Sandra veio até minha sala para avisar que ela também estava numa situação delicada, pois a exemplo de mim teria que avisá-la que também iria responder uma sindicância preparatória. Ester no início ficou meio que abalada e depois se recompôs com dignidade e vaticinou: "Não tem problema, vamos responder juntos Felipe, vou responder mais uma sindicância. Bom, agora mais essa, depois de velha tô eu aqui respondendo sindicâncias". Ester deixou minha sala com classe, desenvoltura e muita dignidade, demonstrando a amiga que sempre foi e aquilo me trouxe ânimo. E logo me veio à mente o troco de Grubba e seus Delegados-Assessores... E, me deu vontade de escrever uma crônica com o título “Maquiavel no Inferno II”, mas naquele momento quem estava com tinta na caneta exercia um poder absoluto...
Durante aquela tarde passei a redigir um requerimento sobre o caso, a fim de testar nosso Delegado-Geral, já que estava trabalhando na lei orgânica para engrandecer a sua administração e agora aquela "bomba" que só me pôs prá baixo, fazendo ver como somos insignificantes, como somos pequenos...:
"Excelentíssimo Senhor Delegado-Geral,
Considerando o conteúdo da CI 393, datada de 19.05.2016, subscrita pelo Exmo. Delegado-Geral da Polícia Civil, referente ao PAD n. 028/2011, cuja comissão processante foi presidida por este subscritor, tendo o insigne Consultor Jurídico firmado entendimento no Parecer n. 18/PAD/2016 (recepcionado pelo Excelentíssimo Titular da Pasta) nos seguintes termos: "Processo administrativo disciplinar. Portaria inaugural. Infrações artigo 210, inciso XVII, XVIII e XIX, artigo 211, III, todos da Lei n. 6.843/86. Relatório de Instrução que Inovou nos fatos e tipos infracionais com pena de suspensão. Nulidade. Impossibilidade de inovar na matéria factual. Necessidade de aditamento da portaria. Nulidade do relatório de instrução. Retorno à origem", com a devida máxima vênia, nos termos do art. Art. 160, da Lei n. 6.843/86 (Estatuto da Polícia Civil) que dispõe que é assegurado o direito de petição em toda a sua amplitude, assim como o de representar, passa a expor e requerer o que segue:
I - O digno parecerista argumentou que "...não há óbice de se dar no relatório de instrução nova tipificação aos fatos apurados. Contudo, não pode referido relatório desvirtuar ou desconsiderar os fatos constantes da portaria inicial...".
II - Por meio da CI n. 010/2016, da Cojur/SSP, encaminhada ao Titular da Pasta, o mencionado Consultor se reportou sobre a nulidade do relatório de instrução e, ainda, fez constar que "caso entendesse, fosse determinada a apuração, em "procedimento próprio" (não especificou, deixando ao alvedrio da direção da Polícia Civil), da conduta praticada pela Comissão Processante".
III - A portaria inicial, subscrita pelo Exmo. Delegado-Geral, imputor ao ao acusado das condutas previstas nos artigos 210, XVII, XVIII e XIX, e art. 211, III, c/c artigo 204, caput, todos da legislação estatutária policial civil.
IV - Consta da conclusão do relatório de instrução que os membros da comissão processante entenderam por recepcionar parcialmente os fatos descritos na inicial, entretanto, propondo a desclassificação desses enquadramentos, recomendando que a conduta do acusado infringiu o disposto nos arts. 208, VIII, XV e 209, VI, ambos do Estatuto da Polícia Civil.
V - A portaria inicial descreve os seguintes fatos:
a) Operação Arrastão I (deflagrada no ano de 2009 pela Polícia Federal - região de Tijucas): o acusado sabia que Aleander Mulller e Fabiano Ruaro possuíam atividades ligadas à exploração clandestina de jogos de azar na modalidade máquina caça-níquel, inclusive, teve conhecimento da apreensão do caminhão placas MGZ 5020, quando o mesmo era seguido por uma Ford Ranger, placas KDN 1112, conduzida por Fabiano Ruaro (de propriedade de Aleander Muller, responsável pelas máquinas ilegais de jogos), cujas diligências estavam sendo realizadas pela Polícia Federal (interceptações telefônicas) ocorreram na data de 16.12.2008, na cidade de Itapema, Bairro Monte Castelo, cujos veículos transportavam as mencionadas máquinas e componentes pertinentes as mesmas, resultando em sua apreensão (e dos veículos mencionados), tendo os envolvidos realizado contatos telefônicos com o acusado (e com o Agente de Polícia Guilherme Manoel da Costa), mediante o pagamento de vantagem indevida, para que intermediasse a liberação dos bens apreendidos que estavam depositados na sede da PM de Itapema, onde foi lavrado termo circunstanciado.
b) Operação Arrastão II (deflagrada no ano de 2009 - região de Itapema): na cidade de Itapema/SC havia exploração de jogos de azar e apostas com máquinas caça-níqueis, cujos bens eram de propriedade de José Laércio Madeira, vulgo “Dedé” e Nilton Cesar da Silva, vulgo “Niltinho” responsáveis por corromper a sobredita autoridade policial (com o auxílio e a participação do Agente de Polícia Guilherme Manoel da Costa) recompensando-a com vantagens indevidas em troca de proteção e informações privilegiadas sobre ações policiais, recebendo por quinzena a importância de R$ 1.500,00, quando a atividade ilícita (jogos de azar com a exploração de máquinas caça-níqueis) estava localizada e funcionava no Hotel Savóia (centro de Itapema - primeiro semestre/2008), posteriormente transferida para outro local (Rua 294/Itapema, isso por volta do mês de outubro/2008) quando chegou a receber a importância quinzenal de R$ 2.000,00 (dois mil reais), cujos valores continuaram sendo repassados para o mesmo por meio de Paula Cristina de Morejano e Chaves (vulgo “Paulinha”) e conforme declarou Maristela Haubrich perante à autoridade judicial Titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Itapema que confirmou o pagamento da propina, tendo o acusado deixado de praticar ato de ofício (autuar os contraventores e apreender os objetos relacionados à infração penal) em troca de vantagem indevida.
VI - O Código de Processo Penal aplicado subsidiariamente aos processos disciplinares, estabelece o momento para que possa ocorrer esse desfecho, conforme desponta da regra prevista no art. 384, CPP, ‘verbis’:
"Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas.
Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de três dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas".
Sobre o assunto, doutrina o jurista Ney Fayet doutrina que "não está o juiz inibido de, na sentença, dar a definição jurídica exata ao fato delituoso - do qual o réu se defendeu, embora a nova classificação importe em pena mais grave. Saliente-se que, se a nova classificação jurídica estiver descrita, implícita ou explicitamente na denúncia, em virtude de circunstância elementar nela contida, o juiz poderá dar nova definição jurídica ao fato, mesmo aplicando pena mais grave, sem necessitar tomar nenhuma providência (...)” (in “Sentença Criminal e suas nulidades, 4a ed., Ed. Síntese, RS, 1980, p. 165).
Assim decidiu o STF:
“Do confronto dos arts. 383 e 384, do CPP, se vê que o fato de a nova designação jurídica importar aplicação de pena mais grave só influi para que a providência, em vez de ser a do art. 384 (caput), seja a de seu parágrafo único. Mas, para caber uma providência ou outra será sempre necessário que a circunstância elementar motivadora da nova definição, não esteja contida implícita ou explicitamente na denúncia. Porque se estiver contida, o juiz, na sentença poderá dar ao fato situação jurídica diversa da que constar da denúncia como está dito no art. 383, e isto ainda quando ‘em consequência tenha de aplicar pena mais grave’, como está expresso na parte final do mesmo art. 383”(Ver. Jur., 62/72 - voto do Min. Luiz Gallotti - STF - Rel. Min. Ary Franco - 31.01.62).
“Não há nulidade da sentença que dá nova definição jurídica ao fato, ainda que, em consequência, tenha o juiz de aplicar pena mais grave, desde que a circunstância elementar que autoriza a desclassificação esteja contida, explícita ou implicitamente na denúncia ou na queixa. (...) essa é a lição da doutrina e da jurisprudência: Basileu Garcia (Com. Cód. Proc. Penal, 485) - Frederico Marques (Est. Dir. Proc. Penal, p. 142) - Espíndola Filho (com. Cód. Proc. Penal, V. 4, 5a ed., p. 78) - Ver. Forense, 100/116; 111/142; 112/195 e 212; 120/531; 131/546; 148/350 e 420 - Ver. Trib. 153/77; 155/577; 157/64; 159/533; 162/56; 164/125 - Ver. Jur. 4/273; 34/391” (RJTJ/RGS, 8/54 e 55, 2a C. Cr. TJRGS - Rel. Des. Mário N. Rosa - 06.07.67).
VII - Sobre o "desvirtuamento ou desconsideração dos fatos constantes da portaria inicial " objeto da manifestação da Cojur/SSP, a inicial descreve/menciona explicitamente (Operação Arrastão I) que houve apreensão dos bens e que o acusado não se fez presente na repartição e, também, não adotou as providências necessárias para a ocorrência e não lavrou o termo de apreensão dos veículos que transportavam as mencionadas máquinas e componentes pertinentes as mesmas (todos os bens foram levados naquela mesma noite para a sede da Polícia Militar). Sobre esses fatos descritos explicitamente na exordial (portanto, como podem ter desvirtuado ou desconsiderado a portaria inicial) os membros da comissão processante no "Relatório de Instrução", assim se manifestaram:
"Art. 208, inciso XV, EPC/SC - porque quando da apreensão dos bens descritos na inicial e relativos a "Operação Arrastão I" não se fez presente na repartição e, tampouco, adotou as providências necessárias quanto à ocorrência (registro do "BO", expedição do "termo de apreensão" e lavratura do termo circunstanciado, deixando, desse modo, de cumprir, na esfera de suas atribuições, as normas legais a que está sujeito";
VIII - No mesmo passo do item anterior, também, consta ainda da inicial (Operação Arrastão I) que Aleander Mulller e Fabiano Ruaro possuíam atividades ligadas à exploração clandestina de jogos de azar na modalidade máquina caça-níquel, sendo que as diligências estavam sendo realizadas pela Polícia Federal (interceptações telefônicas), cujos veículos transportavam as mencionadas máquinas e componentes pertinentes as mesmas, resultando em sua apreensão (e dos veículos mencionados), constando explicitamente que os envolvidos realizaram contatos telefônicos com o acusado na noite dos fatos. Sobre esse conteúdo os membros da comissão processante assim se manifestaram no relatório de instrução propondo a desclassificação da infração:
"Art. 209, inciso VI, EPC/SC - Faltar "a verdade, com má-fé, no exercício das funções - porque ficou confirmado que Aleander Muller ao entrar em contato telefônico com o Delegado Carlos Dirceu no dia 19.12.2008 (dois dias após a apreensão dos bens resultante da "Operação Arrastão I"[1]) o fez porque tinha interesse em conversar sobre seus bens aprendidos na madrugada do dia 16.12.2008. Quando Aleander Muller disse que queria conversar pessoalmente com a autoridade policial utilizaram a locução "assalto" para se referir a uma ocorrência antiga (Aleander figurava como vítima de seqüestro na cidade de Brusque)[2], sendo que a utilização da mesma se constituiu um código objetivando rechaçar qualquer intimidade ou amizade entre ambos em caso de escutas. Nesse contato ficou acertado entre ambos um encontro, o que denota não só falta de ética, mas, principalmente, má-fé ao se relacionar com pessoa envolvido com o mundo do crime, de maneira a dificultar qualquer investigação" (fl. 308) (...)".
IX - Mais, ainda, no que pertine a "Operação Arrastão II" os membros da comissão processante, após exaustiva produção de provas, deliberaram por recomendar a supressão de enquadramentos contidas na exordial (apenas dois dispositivos violados), sob os seguintes argumentos:
"(...)
Não houve receptividade aos enquadramentos previstos para as infrações do Art. 210, XVII (eximir-se do cumprimento do dever legal) , XVIII (revelar ou facilitar a revelação de assuntos sigilosos que conheça em razão do cargo), XIX, EPC/SC (a prática de corrupção passiva nos termos da Lei Penal), e art. 211, III (prática de qualquer ato de manifesta improbidade no exercício da função pública), porque primeiramente os bens apreendidos na madrugada do dia 16.12.2008 foram encaminhados para a sede da Polícia Militar de Itapema e, também porque não existem provas materiais da entrega de valores para o acusado, sequer foram coletadas provas que pudessem ensejar indícios de enriquecimento ilícito. Registre-se que em se tratando de uma acusação dessa gravidade imprescindível a prova do recebimento (ou entrega) da vantagem financeira, mormente se consideramos o tempo de serviço público prestado pelo acusado (mais de quarenta anos) e por ser primário. Nesse caso, é bom sempre lembrar a lição de nosso sodalício:
“(...) ‘No processo criminal, máxime para condenação, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a autoria, não bastando a alta probalidade desta ou daquele. Não pode, portanto, ser a certeza subjetiva, formada na consciência do julgador, sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio’ (RT 619/267) (...)” (Apel. Crim. 00.009939-2, Itajaí, Rel. Des. Álvaro Wandelli, DJ n. 10.504, de 21.07.2000, p. 14).
(...)".
X - A celeuma causada pela condenação do acusado em primeiro grau pela Justiça (decisão juntada aos documentos sob comento), demonstra que a autoridade monocrática se embasou na peça de denúncia (repisou seus termos) e exclusivamente nas declarações de uma única testemunha (Valdemiro Bento Dias - reformado que trabalhava para os empresários que exploravam jogos de azar) para condenar o Delegado Carlos Dirceu. Sobre esse mesmo assunto assim se manifestaram os membros da comissão processante no relatório final:
"(...)
Nenhuma das testemunhas ouvidas afirmou que efetivamente pagou alguma propina para o acusado. Também, não há prova material que confirme a integralização de algum valor pecuniário pago o Delegado Carlos Dirceu. Mais, ainda, nenhuma das pessoas ouvidas afirmou ter visto aquela autoridade policial frequentando "casas de jogos" na cidade de Itapema, à exceção da esposa do mesmo[3].
Aliás, os únicos depoimentos adversos ao acusado foram os prestados por Maristela Haubricht[4] e por Waldemir Bento Dias, policial militar[5] e segurança na época das "casas de jogos" mencionadas neste relatório. Sobre o conteúdo dessas acusações e as contradições encontradas nos mesmos vide os comentários contidos nas notas de rodapés das transcrições de seus respectivos testigos. O Cb/PM Wanderley Dias[6], irmão do Cb Waldemir Bento Dias, confirmou que este depois de um acidente (década de oitenta) passou a apresentar sérios problemas psiquiátricos. O PM Ivair Antonio Thomaz[7] que também foi contratado por "Paulinha" para trabalhar no estacionamento do Hotel Savóia (Itapema) disse que conhecia o Delegado Carlos Dirceu e o Agente Guilherme, não tendo constatado os mesmos frequentando o referido hotel, chegando a duvidar que o acusado recebesse propina de jogos (brincando que se isso fosse verdade também queria os seus mil reais). Também, digno de registro, foi o que afirmou o Delegado Hélcio Ferreira[8], ou seja, que se alguém na repartição policial recebesse alguma propina certamente que esse fato seria do conhecimento de todos.
(...)".
“(...) ‘No processo criminal, máxime para condenação, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a autoria, não bastando a alta probalidade desta ou daquele. Não pode, portanto, ser a certeza subjetiva, formada na consciência do julgador, sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio’ (RT 619/267) (...)” (Apel. Crim. 00.009939-2, Itajaí, Rel. Des. Álvaro Wandelli, DJ n. 10.504, de 21.07.2000, p. 14).
XI - Pelo que consta dos mencionados autos ficou demonstrado que os membros da comissão processante em momento algum se defrontaram com fato novo durante a condução dos trabalhos que não constasse "implícita ou explicitamente" na peça vestibular. Por isso seria um absurdo se aditar a portaria inaugural para tratar de desclassificação de faltas disciplinares (fato inusitado e sem precedentes neste órgão correcional). Registre-se que se algum erro tivesse sido praticado pelos membros da comissão processante haveria os remédios jurídicos (sem contar os recursos) para se restabelecer a ordem procedimental. Sobre o assunto:
“‘Muito embora, no direito administrativo, se possa falar em atipicidade, não havendo necessidade de tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta à norma, mesmo assim a capitulação do ilícito administrativo não pode ser tão aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa’`(apud Celso Ribeiro Bastos, in Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva, 2o vol., págs. 265/8), tanto que recomenda a doutrina que, surgindo fato novo no correr da sindicância, deve ser aditada a Portaria que a instaurou. O princípio da ampla defesa, consagrado constitucionalmente, tem importância ímpar no ordenamento jurídico brasileiro, posto que visa assegurar a igualdade das partes no transcorrer do processo” (ACv n. 97.015815-7, de Timbó, Rel. Des. Vanderlei Romer, DJ n. 10.441, de 19.04.2000, p. 17). (sublinhei)
XII - Frise-se que após o relatório de instrução a defesa foi concitada a se manifestar sobre a desclassificação das faltas disciplinares, por meio de alegações finais e não requereu diligência alguma, vindo apenas a manifestar seu inconformismo com a desclassificação operada pelos membros da comissão processante sob a alegação que isso não seria possível naquele ato e que se teria que retornar à instrução, porém em momento algum requereu pela produção de provas, considerando que lhe foi facultada não só atacar o referido relatório como, especialmente, a portaria inaugural. Sobre o assunto assim se manifestou os membros da comissão processante no relatório final:
"(...)
Quanto à Operação Arrastão I, ainda na fase de relatório de instrução, firmou-se juízo de admissibilidade a respeito da conduta ilícita do acusado, conforme já especificado no item III, "b", deste relatório, procedendo-se a uma nova figura típica para a conduta do mesmo, porém, menos gravosa que àquelas previstas na inicial. A defesa questionou esse procedimento, argumentando que isso não seria possível "nesta fase final" (sic)[9], tendo os autos que voltar a seu estágio inicial, o que não procede primeiramente porque a defesa poderia requerer a ouvida de novas testemunhas e produção provas, o que não o fez.
(...)".
XIII - Sobre o conteúdo dos relatórios de instrução e final, é voz corrente que a autoridade julgadora pode dar nova definição ao enquadramento e, de forma invariável, os membros da comissão processante, que estiveram à frente dos trabalhos e conhecem a realidade das provas, têm o dever de firmar seu juízo de admissibilidade sobre os fatos ou de propor uma série de medidas, inclusive a absolvição sumária já a partir da fase de relatório de instrução (v.g.: "causas extintivas de punibilidade", sentença judicial favorável aos acusados versando sobre os mesmos fatos, confissão), podendo recomandar a desclassificação (ou agravamento) das infrações, além do aditamento no caso de fato novo. Sobre o assunto:
“STF, Tribunal Pleno, MS n. 20.355, DF, data da dec.: 18.03.83: “Mandado de segurança. Demissão. Processo disciplinar. Defesa. O indiciado em processo disciplinar se defende contra os fatos ilícitos que lhe são imputados, podendo a autoridade administrativa adotar capitulação legal diversa da que lhes deu a comissão de inquérito, sem que implique cerceamento de defesa. Mandado de segurança indeferido” (sublinhei).
"STJ, terceira seção, MS n. 6.667, DF, data da dec.: 26.03.03 (declaração do voto do Min. Vicente Leal – vencedor): “(...) Na hipótese, o julgamento somente poderia divergir da conclusão emitida pela comissão processante se o relatório final fosse contrário à prova dos autos. Todavia, consoante já assinalado, concluiu-se pela ausência de conduta dolosa do policial. E, ainda assim, foi-lhe imposta penalidade mais gravosa sem a devida motivação. Ora, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, na hipótese de aplicação de penalidade diversa daquela sugerida pela comissão processante, deve a decisão da autoridade competente ser devidamente fundamentada (...). (sublinhei).
"STJ, terceira seção, MS n. 7.279, DF, data da dec.: 09.05.00: “mandado de segurança. Administrativo. Servidor. Ministério da Previdência e Assistência Social. Regular procedimento administrativo. Demissão. Motivação. Proporcionalidade. Ainda que a comissão processante tenha sugerido a aplicação da pena de advertência à impetrante, a autoridade ministerial coatora, ao demiti-la, encampou o parecer da Consultoria Jurídica, devidamente fundamentado e motivado (art. 168 da Lei n. 8.112/90). Não há que se falar, in casu, de ausência de proporção entre a transgressão e a penalidade aplicada. Ordem denegada” (sublinhei).
"TRF da 2ª Região, apelação em MS n. 27.878, RJ, data da dec.: 03.10.00: “Administrativo. Processo administrativo disciplinar. Arquivamento. Coisa julgada administrativa. Impossibilidade de revisão do ato impugnado na via judicial. A autoridade impetrada pode não acatar a proposta da decisão formulada pela comissão de inquérito, pois ‘o relatório da comissão tem valor meramente opinativo não é vinculante, jamais ficando a autoridade competente para a decisão adstrita da comissão processante” (RDA 47/111 e 48/151). (sublinhei)
“No processo administrativo disciplinar, instaurado para apuração de falta cometida por funcionário público, a autoridade encarregada do julgamento não se vincula ao parecer da comissão, e desde que fundamente, pode, inclusive, aplicar penalidade mais grave, sem possibilidade do Judiciário substituir sua legítima discricionariedade. No entanto, no estreito limite do controle da legalidade do ato administrativo, defere-se ao Judiciário a competência para afastar a alteração injustificada, em afronta a gradação prevista na legislação de regência para aplicação de penalidades, do enquadramento proposto pela comissão” (STJ, Recurso em MS n. 10.269). (sublinhei)
XIV - Diante dessas considerações, em homenagem ao livre convencimento por parte das autoridades policiais firmado no art. 26, § da LC 453/2009 (independentemente da carreira, da classe e da entrância funcional, o regime hierárquico não autoriza qualquer violação de consciência e de convencimento técnico ou científico fundamentado), considerando que S.M.J. não se trata de instauração de procedimento disciplinar para apurar possível erro formal na produção do relatório de instrução, pois não houve "inovação total nos fatos e tipificações", nada que não tivesse o devido embasamento legal (desclassificação das faltas baseadas no elenco probatório), tendo a defesa se manifestado no prazo legal, sem que requeresse produção de novas provas, considerando também que a desclassificação se constitui procedimento corriqueiro, tendo este subscritor (e outros corregedores), há mais de uma década presidindo processos disciplinares e sindicâncias acusatórias, inúmeras vezes proposto a medida desclassificatória (conhecem muito bem os fatos, as pessoas e as provas), sem que isso importasse em aditamento da inicial (nunca foi questionado pela Consultoria Jurídica/SSP, tampouco, recebeu qualquer orientação nesse sentido), razão porque requer se digne Vossa Excelência a reconsiderar a instauração de procedimento disciplinar que se viabilizada (mesmo em se tratando de sindicância preliminar) além de importar em prejuízos morais e a dignidade da função, criará insegurança jurídica e administrativa e resultará em afronta não só ao livre exercício da função correcional mas, sobremodo, à liberdade de consciência, à autonomia na fundamentação jurídica e cerceamento administrativo na esfera disciplinar.
Florianópolis, 01 de junho de 2016
Felipe Genovez
Delegado de Polícia E.E.
Depois de formatar esse documento, pensei: “Estaria mais perigoso exercer o cargo de Delegado de Polícia no Estado de Santa Catarina?” “Teria o Ministério Público algum interesse em bombardear Delegados que questionassem seus interesses ou que apresentassem fundamentação jurídica em seus atos que colocassem em xeque os trabalhos de Promotores de Justiça?”
[1] Ver item IV, "f", n. 1.
[2] Ver item III, "a", n. 16.
[3] Ver item IV, letra "a", respectivos números.
[4] Fls. 337 e 947 e ss., ex-empregada de "Dedé" e que juntamente com "Paulinha" auxiliava no gerenciamento da "casa".
[5] Fls. 92/93/142 e ss. e 976 e ss.
[6] Fls. 1092 e ss.
[7] Fls. 980 e ss.
[8] Fls. 1087 e ss.
[9] É corrente na doutrina e nos tribunais que a autoridade julgadora poderá discordar da comissão e aplicar, inclusive, pena mais grave, independente do enquadramento contido na inicial ou no relatório final, desde que fundamente. Então, a fortiori, a comissão com muito mais razão poderá invocar disposições ínsitas nos arts. 383 e 384, CPP (aplicação subsidiária), na fase de relatório de instrução, para firmar seu "juízo de admissibilidade" a respeito de um novo enquadramento (vide jurisprudências que ilustram este relatório na parte conclusiva).