HISTÓRIA DO PROJETO DE LEI ORGÂNICA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: EREMILDO E UM MAR DE PÉROLAS? = PARTE X (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 18/01/2018 | HistóriaData: 18.04.2016, por volta das quatorze horas, desci até a recepção da Corregedoria da Polícia Civil (centro de Florianópolis – próximo do Hotel Faial) e encontrei a Delegada Ester sentada próxima à televisão. Do outro lado estava o Delegado Fabrício Mann da 7ª DP. Como já tinha conversado com Ester fui cumprimentar Fabrício, sem muito foco em alguma conversa produtiva, mais pelo prazer de reencontrá-lo. Ester veio se juntar a nós e foi falando da Lei Orgânica que eu estava trabalhando nos bastidores. Procurei manter o silêncio enquanto Ester dizia: "...O Felipe está trabalhando na Lei Orgânica, tá ficando muito boa, tá ficando bem legal, a gente tem conversado...". Fabrício quis saber o que iria mudar, o que tinha de bom. Fiquei meio sem jeito, não esperava por aquela incursão de Ester que tem sido minha companhia nas últimas viagens pela Corregedoria e com quem eu tenho conversado em razão da nossa amizade. Procurei abreviar nossa conversa até porque tinha audiência me aguardando.
Data: 18.04.2016, por volta das dezoito horas e trinta minutos, estava no prédio da Delegacia-Geral da Polícia Civil para trocar meu aparelho celular, e resolvi dar uma chegadinha no nono andar, para uma visita ao Delegado-Geral em exercício - Delegado Marcos Ghizoni. Fui avisado pela secretaria que Ghizoni estava ocupado atendendo uma servidora. Depois de aguardar cerca de cinco minutos fui atendido. Ghizoni ao me ver entrar no recinto se levantou e fazendo menção em vir me cumprimentar, mas ficou de pé atrás da sua mesa. Estiquei o braço, depois fui dizendo que aproveitei a minha vinda ao prédio da DGPC para tratar da troca do meu celular, e Ghizoni foi dizendo ao mesmo tempo que dava a impressão que continha um riso: "Doutor, eu estou aqui com aquele seu documento, a minha secretaria me repassou, mas eu não li, não entendi a sua escrita" (havia escrito no rosto do envelope saco que no interior estava uma primeira redação do projeto de Lei Orgânica para eles examinarem). Sim, era mesmo uma letra de "médico" e dentro do envelope o esboço do projeto para substituição daquele que tinha deixado dias atrás. Argumentei que achei importante mandar também a competência da Procuradoria-Geral de Polícia, do Colégio de Procuradores e do Conselho Superior de Polícia. Ghizoni, sempre muito educado, concordava e ao mesmo tempo tentava articular algumas ideias. Renovei minha opinião sobre o "alinhamento dos astros" e a necessidade de cristalizar a ideia de uma "lei orgânica" como aspiração histórica. Ghizoni argumentou que os projetos que eles estavam apostando as fichas bateram todos na trave, ou seja, houve uma reunião do colegiado do governo e baixaram uma resolução para que todos os projetos que aumentassem despesas fossem devolvidos e que no ano de 2016 não passaria mais nada, pois é um ano perdido. Aproveitei para intervir repetindo que o momento exigia que nós começássemos a trabalhar num projeto da lei orgânica para final de 2017 ou início de 2018. Ghizoni meio que concordou, mas soltou uma pérola: "Doutor, eu até estou esperando o doutor Nitz, quero conversar com ele, já que os nossos projetos aqui bateram na trave, já que não vai ter compactação de níveis, já que não vai ter... então eu quero conversar com ele e propor prá gente pegar esses nossos projetos todos, mais algumas propostas do doutor Genovez no projeto de lei orgânica, e mandarmos o ano que vem". Olhei para Ghizoni e tive que me conter, apenas dizendo: "Eu acho que nós temos que focar a lei orgânica para 2018, não adianta a gente ficar trabalhando esses projetos pontuais. Imagina, quanto tempo faz que vocês estão em cima desses projetos aí que bateram na trave? Desde o ano passado para agora serem avisados que não saí nada, pode? Na minha opinião o nosso projeto de lei orgânica terá que ter um encaminhamento político, não técnico, entendes?" Ghizoni deu a impressão que se rendeu aos meus argumentos, concordando que a lei orgânica seria uma boa "sacada". Porém, Ghizoni soltou uma outra pérola: "Doutor, o senhor vê, nós estamos aqui com um projeto que vai revolucionar a Polícia Civil, não é institucional, é técnico, trata-se da lavratura de auto de prisão em flagrante por meio áudio visual. O Senhor imagina a revolução que isso vai causar? Esse é um grande projeto". Me deu uma dor de barriga, não que não fosse importante o projeto "áudio visual", "só que isso é micro em termos institucionais, já deveria ter sido prá ontem, e compará-lo com o projeto da lei orgânica seria o fim?" pensei. bem da verdade, Ghizoni, com sua inteligência espacial, emocional, racional logo percebeu que deveria retomar meus argumentos em cima da lei orgânica (pelo menos na minha presença, baseado do princípio do “agora”, pois depois que eu virasse as costas...). Aproveitei para reiterar a necessidade de cristalizar a ideia, de se disseminar a “aspiração histórica”, mencionando o Delegado Renatão, ex-presidente da Adepol quando passou a defender a "carreira jurídica" e os "subsídios". Ghizoni pareceu concordar dizendo: "É, doutor, nós precisamos de um projeto para a Polícia Civil. Nós precisamos de uma nova ideia. No momento nós não temos. Já tivemos a 'carreira jurídica', os 'subsídios', mas agora não temos nada". Interrompi: "Claro que tempos. Se hoje alguém perguntar para o doutor Ghizoni qual é a aspiração histórica dos Delegados eu tenho certeza que ele vai respondeu sem hesitar que é a lei orgânica. Assim, nós temos que fazer com todos os policiais, todos os dias...". Ghizoni pareceu mais uma vez concordar, mas observei que ele já estava em pé na minha presença, mexendo em papeis sobre a sua mesa, deixando escapar a impressão que estava querendo abreviar nossa conversa. Porém, mantive-me sentado e ele voltou para a sua cadeira e continuamos nossa interlocução. Entretanto, pude observar que Ghizoni demonstrava resquícios de hiperatividade e como isso afetava sua percepção, desencadeava ansiedade, desviava o foco, fomentava a produção de adrenalina... entendi que deveria me manter paciente e tranquilo, retomando a conversa sobre a lei orgânica e ao mesmo tempo desafiando a lei das coisas entre seres humanos de mentes intranquilas. Aproveitei para dizer que a estratégia seria se adotar um "encaminhamento político" para o assunto. Abusando do tempo, aproveitei para historicizar como foi aprovada a lei que criou o fundo da Polícia Civil no ano de 1989, depois em 1992 o sistema de entrâncias, no ano seguinte a lei especial de promoções, dando ênfase a necessidade de um encaminhamento político. Mencionei que com o impeachment da Presidente Dilma o vice Michel Temmer vai assumir o governo e o vice governador Eduardo Pinho Moreira, também do PMDB vai se fortalecer no ano de 2018. Disse que naquele ano vamos ter um alinhamento dos astros e que a lógica é neste ano de 2016 pacificamos as lideranças policiais (leia-se: Adepol e Sinpol), a partir da cúpula, e criarmos uma sinergia, pois pela primeira vez um projeto busca unir e pacificar Delegados e Policiais Civis por uma causa única que valoriza a todos. Relatei que a partir de 2017 a 2018 a luta seria junto as lideranças políticas para que nosso projeto foi viabilizado a partir de um encaminhamento via política e não técnica. Também, argumentei que não devêssemos abrir a discussão, pois o projeto "vazaria" e seria "pulverizado" pela pressão de outras instituições e classes contra nossos avanços institucionais. Ghizoni invocou a discussão que teve com o pessoal da Procuradoria-Geral do Estado sobre a nossa "Corregedoria", já que hoje é a "PGE" que decide todos os aspectos jurídicos e que nossa função é apenas executória. Ghizoni lembrou que conversou com pessoas da "PGE" e tentou mostrar a eles que os Delegados têm formação jurídica. Aproveitei para argumentar que nesse aspecto era justamente um dos nossos pontos, isto é, a lei orgânica pretenderia resgatar a "Corregedoria-Geral da Polícia Civil" já que toda instituição que se prezava no plano jurídico possuía sua lei orgânica, e que isso era uma questão de soberania institucional. Ghizoni de pronto respaldou dizendo: "Claro, doutor, claro". Como percebi que os "tiques" do Delegado-Geral em exercício davam a impressão de não estarem mais em alta, ouvi do mesmo o relato que esteve com o Secretário Grubba à tarde, deixando a impressão que não havia mais assunto, muito embora esse tipo de encontro fosse capaz de abastecê-lo de muita adrenalina. Diante disso, fui para os argumentos finais, dizendo: "Bom, eu gostaria que tu entendesses a minha estratégia pessoal quanto ao encaminhamento da lei orgânica. Eu trouxe essa nova proposta aí, dá para pegar?" Lembrei que ele no nosso último encontro havia colocado aquele envelope saco numa gaveta inferior, no canto esquerda da sua mesa, cujo local era facilmente identificável, pois tinha a minha escrita na folha de papel em branco, grampeada no envelope saco amarelo. Fui avisando: “bom vou ler o que escrevi aqui. O resumo de tudo isso que escrevi é: ‘Substituo pelo anterior, só isso’”. Ghizoni soltou um riso e continuei: "Tu tens o anterior aí na tua gaveta?" Ghizoni com misto de rapidez e desconserto sutil, começou a abrir uma das gavetas e a revirar papeis, até que encontrou no meio de documentos a minuta da introdução da lei orgânica que tinha deixando dias atrás com ele. Logo pensei: "Meu Deus, ele nem se dignou a ler. Meu Deus, colocou na gaveta e ali permaneceu todos esses dias. Meu Deus, de sexta prá cá ele nem se dignou a abrir o envelope com o 'substituto' que havia deixado. Meu Deus, eu que pensei que ele iria levar no final de semana para casa para estudar algo tão relevante, que tem me consumido horas de estudos, dedicação... Meu Deus, o Nitz não deve nem saber que deixei o outro material dias atrás com ele para já discutirem. Meu Deus, o que eu estou fazendo aqui?". Procurei camuflar toda aquela profusão de dúvidas, frustração, indignação e arrematei tipo "Zé Tolo": "Bom, eu tava falando da estratégia no encaminhamento do projeto. Acho que até julho entrego o projeto acabado. Bom, acho que a partir daí vocês deveriam chamar a Adepol e o Sinpol e entregar o material, dando um prazo para eles se manifestarem. Claro que antes você, o Nitz e mais uns dois aqui na Delegacia-Geral deveriam estudar o material e aperfeiçoá-lo naquilo que é preciso. A partir daí, serenando os ânimos no âmbito da Polícia Civil, então, deveríamos passar para uma estratégia de viabilizar o projeto e aprová-lo até 2018. Além das lideranças classistas temos também o Deputado Maurício Eskudlark que vai ter interesse no assunto porque é candidato à reeleição...". Ghizoni concordou e eu fui para os finalmente dizendo: "Bom, se houver interesse eu prossigo nos trabalhos. A minha estratégia é que se não houver receptividade então eu vou pensar em me aposentar e deixo o projeto pronto do mesmo jeito para os policiais. Qual o meu interesse nisso? Assim como fiz noutros projetos a lei orgânica é uma questão de amor, satisfação pela instituição. É só isso que me move". Ao sair na companhia do "safo" Delegado-Geral em exercício, aproveitei para um último arremate, dizendo: "O Nitz me advertiu que eu não poderia me aposentar sem antes deixar o projeto de lei orgânica pronto, lembra? Tu estavas junto. Então em me senti na obrigação, mesmo tendo feito já tantos projetos que estão aí, mas tudo bem, vamos fazer mais um". Ghizoni, deixando escapar mais um meio sorriso, aproveitou a cadência dos nossos movimentos corpóreos em direção à porta e foi dizendo: "Claro, doutor, claro. O senhor sabe, o doutor Nitz é esperto". Ghizoni me acompanhou até a porta onde já havia alguém aguardando para entrar e e assim terminamos nossa conversa em clima amistoso de "tchal".
No caminho de volta para a Corregedoria da Polícia Civil encontrei o vice presidente do Sinpol (Agente Pedrini), reeleito para o cargo recentemente, e aproveitei para dizer que estamos com um grande desafio: a lei orgânica. Pedrini mostrou interesse e foi dizendo que é candidato a Prefeito de Joaçaba e pediu para que eu o procurasse para tratar do assunto. No caminho à Corregedoria pensei na minha "autoestima" e quando que voltaria a visitar a Delegacia-Geral novamente. Pensei que Ghizoni estava mais para um apresentador de "Big Brother", um showman... Acabei voltando meus pensamentos para o Delegado Nitz, sobre o e-mail que no início do ano passado remeti para o mesmo recomentando que mandasse Ghizoni para a Delegacia Regional de Tubarão, pois muitos Delegados estavam começando a falar mal do mesmo e lhe atribuir a responsabilidade sobre todas as maldades praticadas na Delegacia-Geral e pelo próprio governo na área da Polícia Civil. Não tive resposta de Nitz, mas tenho certeza que ele recebeu meu e-mail em caráter confidencial. Nesse momento ainda lembrei quando me disseram que o pai de Ghizoni, neurologista conceituado e referência no Estado, com forte influência na Faculdade de Medicina de Tubarão, em cujo estabelecimento de ensino o filho de Nitz estava frequentando. Lembrei também que Nitz estava enfrentando fortes dificuldades financeiras para manter seu filho no curso de medicina, tendo que despender mais de cinco mil reais todo mês, conforme ele próprio me relatou na época que ainda era Diretor de Polícia do Litoral. Em seguida lembrei que Ghizoni, quando estava à frente da Divisão de Investigações Criminais de Tubarão, suspirando relampejos da sua adolescência que dava sinais de crepúsculo paulatino, durante uma audiência em que fui ouvi-lo num procedimento disciplinar e o mesmo falava com vicejo, me disse abertamente que não mexia no seu salário no final do mês porque além de solteiro, residia com seus pais e ganhava uma gorda mesada. Ghizoni chegou a comentar que muitos tinham inveja porque possuía uma "landrover" importada, mas que isso se devia a seu "berço".