HISTÓRIA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: “TRÊS ENCONTROS COM O EX-DEPUTADO ESTADUAL GILMAR KNAESEL E A NEGATIVA DO PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS – 2002” (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 16/10/2017 | História
Dia 1.7.2002, por volta de dez horas da manhã cheguei na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina na companhia do Comissário de Polícia Arno Vieira. Tinha acertado com ele já há mais de uma semana que iríamos juntos até o gabinete do Deputado Gilmar Knaesel (ex-Presidente da Alesc) tentar conversar com o parlamentar para que ajudasse na viabilização do pagamento dos atrasados de uma vantagem que Arno ganhou na Justiça. A ação havia sido patrocinada pela Rede de Assistência Jurídica aos Policiais (Reajup), entidade a qual eu criei e presidia.
Logo que chegamos no gabinete de Gilmar fomos recepcionados por uma servidora que atuava como sua secretária do parlamentar há muitos anos. Ao chegar na recepção ela perguntou: “Tem horário marcado com o deputado? O deputado já está a caminho”. Mesmo assim, ela fez contato com Gilmar na nossa frente: “Tá aqui o Genovez lhe aguardando. Hummm”. Eu e Arno continuamos a olhar os jornais e comentávamos as manchetes: “Morreu, como é mesmo o nome dele?” ...Sim, o Chico Xavier...
Num certo momento fui interrompido pela secretária: “Tu conheces o Deputado?” Respondi: “Sim. Na época em que era Diretor da Penitenciária Estadual e tivemos alguns contatos”. Ela comentou: “Penitenciária? Deve ser muito difícil trabalhar nisso. E onde que tu estais agora?” Repondi: “.Atualmente presto assessoria jurídica, trabalho na área de Segurança”. Ela perguntou novamente: “Trabalhas então na área de segurança”. Alonguei a nossa conversa e perguntei: “Já trabalhas há bastante tempo com o Gilmar?” Ela respondeu: “Eu já estou há dez anos aqui com o Deputado. Acho que o Deputado está chegando, já somos como marido e mulher, conheço ele só pelo andar, ouvi a voz dele, acho que tá chegando, dez anos com ele, já somos como marido e mulher”. Enquanto conversávamos pude perceber seu estilo “esguio”, germânico, seu cabelo permanente bem loiro, usava um blazer cor bege, com uma blusa com gola, calça jeans com acabamento na bainha, sapado meio alto. Arno me surpreendeu dirigindo uma pergunta a nossa interlocutora: “Eu acho que te conheço. Tu não moravas no Campeche?” Ela respondeu: “A minha irmã mora lá, é casada com um Diretor da Mercedes. O meu pai trabalhava na Malária”. Arno investiu com um nova pergunta: “Tu não tens uma irmã gêmea?” Ela respondeu: “Sim, a Goreti”. Arno continuou: “Tu não te lembras uma vez que meu Jeep capotou na frente da casa de vocês? Tu eras pequena”. Aproveitei à deixa e afirmei: “Arno tu também trabalhastes na Malária, então deves conhecer o pai dela”. Arno respondeu que não, pois o genitor da secretária de Gilmar trabalhou bem antes dele. Depois chegou um cidadão e a secretária perguntou: “A quanto que estais vendendo o Whisky? E o cidadão respondeu que a quarenta e sete reais. Ela argumentou que tem uma pessoa que está vendendo a quarenta e o vendedor argumentou que era impossível, e que a bebida deveria ser falsificada. A secretária se dirigiu para nós e alegremente soltou uma pérola que casava bem com o parlamentar para quem trabalhava: “Eu adoro beber”. Acabei lembrando de Gilmar e quase que falei uma besteira, mas preferi guardar... porque a Secretária parecia uma pessoa de muita opinião, observadora e não estaria ali de graça... E, nisso, Gilmar Knaesel apareceu com um estilo parecendo jovial, como se fôssemos amigos de velhos anos, que não se viam apenas há uma semana. Gilmar chegou de mansinho e se posicionou no centro da porta por algumas frações de segundo, até porque o rapaz do Whisky estava fechando parcialmente a porta de entrada. A sua tez branca ficou mais intensa ainda pela claridade que vinha das janelas do corredor em contato direto com a claridade que vinha da parte externa. Aproveitei para confirmar que realmente era ele: “Passaram-se quase quatro anos, e parece que foi ontem”, pensei. Gilmar estava com uma pasta numa das mãos, trajava calça jeens, sapato esportivo e uma blusa de linha (tricô) bege, com listas verticais de intenso vermelho, amarelo e azul situadas do centro para a esquerda. Logo que me viu caminhou na minha direção e foi me cumprimentando: “Mas olha quem está por aqui”. Apresentei o Arno e ele nos convidou acessar ao seu gabinete. Nos sengtido em casa, sentamos bem na sua frente e aproveitei para comentar: “Pô Gilmar, o que é isso? Estais bem. Parece que o tempo não passou para ti, ficastes mais jovem”. Na verdade, não era bem assim, é bem provável que era o efeito do traje esportivo, do seu semblante resultado de mais um final de semana, do descanso, da chegada do fim de mais um mandato, da maré mansa no Legislativo. Enquanto ouvir ele retrucar, assumindo – sem convencer muito - um ar de austeridade: “Não, estamos trabalhando muito, tu precisas ver”. Aproveitei para fazer uma brincadeira: “Estais bem, imagina? Deixastes a Presidência da Assembleia, fostes o primeiro homem do Poder legislativo, o que tu queres mais?”. Gilmar apenas sorriu assumindo ares de satisfação e perguntei: “E daí, como é que está a campanha?” Gilmar respondeu: “Daqui uns quinze dias eu começo. Estava em dúvida se saia para Federal, mas um amigo meu que iria sair para estadual ficou sem saber e acabou decidindo que iria à reeleição (“estaria falando do Deputado Federal Pizzolatti?”, pensei)”. Enquanto ele fazia aquele relato eu viajava nos pensamentos, pensava na secretária e aquele seu olhar perscrutador, afiado, observador..., depois a chegada triunfal de Gilmar que mais parecia um general romano do Século XXI, e lancei uma indagação: “Tu estais falando de quem?”’ Antes que eu arriscasse meu palpite, Gilmar disse: “Do Pizzolatti, do Pizzolatti. Ele sai a federal e eu a estadual”. Perguntei: “Pois é Gilmar, fizemos aquele nosso projeto (criação da Procuradoria-Geral de Polícia para o Governador Esperidião Amim no ano de 1997, subscrito também pelo Deputado Júlio Teixeira, e pelo Delegado Jorge Cesar Xavier) e não deu eu nada”. Gilmar rebateu: “Nem fala. A Segurança tá mal. Para o governo primeiro vem a Saúde. O governo entende que os maiores problemas do Estado estão na área da Saúde” . Gilmar interrompeu para ver que ligação tinha no visor do Celular. Logo que conseguiu se desvencilhar eu teci o seguinte comentário: “Aquele nosso projeto não deu em nada Gilmar. O Júlio tratou de colocar aquele pessoal dele no comando (estava me referindo aos Delegados Lipinski Rachadel e Wanderlei Redondo) e esqueceu tudo. O governo não precisava implantar todas aquelas ideias de imediato. Bastava a metade”. Gilmar interrompeu para argumentar: “E agora aquelas ideias estão sendo discutidas no âmbito nacional” (unificação das polícias – Governo Lula). Completei: “O governo perdeu um momento para se antecipar e começar uma revolução por aqui, com a unificação dos comandos das polícias. O que queríamos era que o governo começasse aqui por Santa Catarina as reformas na Segurança Pública. Infelizmente...”. Gilmar retoma novamente seus argumentos anteriores: “Para o governo primeiro vem a Saúde, depois a Educação e, em quarto lugar, é que vem a Segurança Pública. Para o governo a Segurança em Santa Catarina está em quarto lugar como prioridade”. Apreveitei para argumentar: “A situação vai ficando caótica. Durante esses últimos quatro anos tivemos somente um concurso público (para a Polícia Civil) que está sub júdice. Não há reposição de pessoal. Os policiais estão ficando velhos, vão se aposentando, vão sendo exonerados. E daí?” Gilmar fez um sinal de anuência e lamento sacudindo a cabeça na horizontal. Durante o curso da conversa Gilmar teve que atender o celular, e ouvi uma interlocução lacônica: “Sim, é uma boa informação. Que bom...”. Enquanto ele dava esse tipo de respostas, Arno começou uma conversa paralela comigo. Quando Gilmar desligou o Celular, retomamos o diálogo, sendo que coloquei a situação de Arno: “Olha Gilmar este daqui é o Arno, policial aposentado...”. Gilmar depois de receber o material das mãos de Arno (cópias da ação judicial e do requerimento), prontificou-se a dar toda atenção ao caso. Anotou o número do telefone de Arno e assim nos despedimos...
No trajeto, a lembrança da conversa, do nosso projeto de criação da “Procuradoria-Geral de Polícia”, daquela secretária, de gosto de whisky, de como os governos passam... e nós também.
Dia 23.12.04, eram quinze horas e eu estava chegando no Bar do Ney localizado no Centro Comercial Ceisa Center (Centro de Florianópolis) e na medida em que fui me aproximando avistei Gilmar ladeado por Ney e mais outras pessoas que não conhecia. Logo que me viu chegar Gilmar foi dizendo: “Oh, o Ney aqui já estava dizendo que tava sentindo a tua falta, que tu não viesses mais bater o ponto”. Olhei para Ney e comentei: “Não é Ney que eu disse que antes do Natal dava uma passadinha aqui?” Ney confirmou. Dentre as pessoas que estavam no local encontrava-se um cidadão cuja mãe é paciente do meu irmão (Guilherme). O cidadão foi comentando que meu pai havia emprestado um “smoking” para ele na década de setenta (um smoking inglês), por meio do meu primo Fernando (veterinário) e por aí a conversa fluiu bem animada. A certa altura me virei para Gilmar e disse: “Mas tu emagrecesses, heim Gilmar”. Ney do meu lado foi dizendo: “Muitas noitadas. O Gilmar emagreceu” (risos). Gilmar me fitou nos olhos e avisou: “Puxa, e como tu engordasses, heim Felipe. Pô, mas tu engordasses”. O cidadão – filho de Iracema – foi dizendo: “Não. Ta bom assim. É da genética dele” (referia-se a minha compleição física). Gilmar olhou para a barriga do cidadão que o acompanhava e lançou uma gargalhada vaticinando: “Também, olha para a tua barriga”. “Gilmar estava bem, dava para notar que havia emagrecido bastante, não poderia imaginar que fosse capaz, ainda mais com tanto estresse, “estresse”? (de qualquer maneira tinha que apelar para sua autoestima”, pensei). Fiquei imaginando o clima na Segurança Pública, lembrei do nosso “projeto” de criação da Procuradoria-Geral de Polícia, parece que nada existiu, que tudo foi uma fantasia... “era difícil eu me acostumar com aquilo”, pensei. Gilmar estava atendendo um pessoal. Em clima de despedida desejei um feliz Natal para os presentes. No trajeto de volta para a Gerência de Orientação e Controle (depois Corregedoria) da Polícia Civil fiquei pensando no olhar de Gilmar, no seu jeito, lembrei da época em que estávamos juntos defendendo um “projeto” tão importante: “a criação da Procuradoria-Geral de Polícia”, “a unificação dos comandos das Polícias”, “a reclassificação de cargos e reestruturação das carreiras”, “a adoção de uma nova doutrina e política na área da segurança pública”, e agora Gilmar parecia alheio a tudo aquilo, dava a impressão como se tivesse desligado um interruptor, (“que tristeza!” pensei). Quanto a Júlio Teixeira, bom, o nome dele é Julio Teixeira, e ninguém viu mais, ninguém falava mais no seu nome, ninguém sabia por onde andava, o que fazia... E por falar em tristeza, esta parecia ser também a triste situação de Gilmar...
Dia 02.01.05, por volta das nove horas estava no restaurante Portella em São Francisco do Sul (centro histórico), quando fui surpreendido por uma voz conhecida que chamava pelo meu nome dizendo: “Então estais também por aqui?”. Tive que conter minha surpresa porque era sim Gilmar. Confesso que só reconheci Gilmar em razão da voz que não havia mudado muito e da última foto que colhi na Internet, pois ele estava bem ainda bem mais magro, só que agora "envelhecido". Gilmar estava trajando uma camiseta pólo azul marinho e uma bermuda verde ou bege e tênis. Em frações de segundo fiquei me perguntando o que ele estaria fazendo em “São Chico”. Imediatamente veio na cabeça a resposta, ou seja, só poderia ser algum “rabo-de-saia”. Enquanto isso Gilmar, sempre sorridente, explicava a sua presença na área: “A minha garota é de São Francisco e os pais dela residem aqui, viemos então passar o final de semana, eles estão ali numa mesa. Mas que cheiro ruim lá fora, heim?”. Gilmar estava se referindo ao cheiro ruim deixado pela baixa maré, já que o restaurante Portela foi construído quase que totalmente em cima do mar e possui um cais. Procurei ficar de pé enquanto conversávamos, mesmo sabendo que isso dava um ar de certo formalismo, o que não parece ser a opção do parlamentar. Aproveitei para mudar de assunto e perguntar como é que estavam as coisas e se ele seria mesmo candidato à reeleição, e obtive a resposta: “Eu vou deixar a Secretaria, vou voltar para a Assembléia”. Interrompi para perguntar: “Sim, o PSDB vai lançar candidato próprio ao governo ou vai se coligar?” Gilmar respondeu: “Vai se coligar, ah, sim, o PSDB não vai sozinho”. Em seguida Gilmar fez uma indagação: “E o seqüestro lá em Joinville, heim? Puxa, o ‘Renatão’ (Delegado Renato Hendges) desvendou tudo sozinho, tu visse?". Como estava por dentro do caso, confirmei a informação porque vi a foto do ‘Renatão’ em detallhe no jornal junto com a notícia do seqüestro em Joinville. Gilmar num misto de curiosidade e informalidade pergunotu o que eu estava fazendo em São Francisco e respondi: “Tenho uma casa e um sítio por aqui e venho me divertir. Bom, atualmente eu estou afastado do serviço”. Em seguida Gilmar se desculpou pois teria que retornar à mesa e eu aproveitei para perguntar como é que estava o “Schmitão” (Delegado Schmidt, conhecido por "Bossinha"). Gilmar sorridente respondeu: “Não sei, não vi mais aquela figura, onde é que ele anda?” Respondi que não tinha mais visto “Schmitão” e que ele estava aposentado e residindo na cidade de Antonio Carlos. Naquele clima nos despedimos e fiquei pensando: “Tá aí o Gilmar em mais uma empreitada, é incrível a transformação de um homem... e mais uma aventura . Será que Gilmar ficou satisfeito com minha presença ou era mais curiosidade com o inesperado, justamente num local distante da Capital, mas ninguém pode negar que é um grande camarada...”. Gilmar estava bronzeado o que denotava que esteve na praia. Lembrei dos nossos projetos do passado, ninguém falava mais nada, aliás, Gilmar agora pertencia a outro partido, nem aquele meu requerimento (pedido de averbação de férias e licenças-prêmio) deu certo na Secretaria da Administração, então o que esperar de um ‘projeto’ como aquele que revolucionava a “Segurança Pública”... depois me pus a pensar onde andaria o Deputado-Delegado Júlio Teixeira, o governador Amim...?