HISTÓRIA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: O DESTINO DE DOIS DELEGADOS REGIONAIS DE POLÍCIA DE CHAPECÓ - NECESSIDADES DE MUDANÇAS (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 23/09/2017 | História

 

Nesse sentido, gostaria aqui de registrar o caso ‘Sérgio Lélio Monteiro’ que havia sido nomeado Delegado Regional de Polícia de Chapecó entre 1987 - 1990.  Nesse período travei um conhecimento direto com esse profissional em razão, principalmente, das viagens regulares (trimestrais) que vinha fazendo àquela região na qualidade de presidente de órgão classista (1987-1991).

Na verdade, o êxito nessa empreitada dependia em muito da estruturação e organização de Associações Regionais já que trabalhava num projeto federativo classista e na construção das sedes regionais.  O ex-Delegado Sérgio Monteiro vinha se destacando em todo cenário estadual com a prestação de relevantes serviços à frente não só da Polícia Civil daquela região, mas, também, impondo sua liderança na estruturação regional da Associação dos Policiais Civis, cumprindo os desígnios federativos classistas.  Na sua gestão conseguimos construir a sede social de Chapecó, mobilizando todos os policiais civis, com destaque para o ex-Psicólogo Policial Narbal Silva (Presidente Regional da entidade e atualmente servidor da Universidade Federal de Santa Catarina).

Paralelamente a isso, pude constatar de visu que  o Delegado Sérgio Monteiro enfrentava alguns  problemas de ordem pessoal  que interferiam no exercício do seu cargo.   De outra parte,  a distância da administração policial e a própria condição de se manter no sobredito cargo público comissionado por meio de forças políticas (era apadrinhado do Deputado Estadual Locatelli) - mesmo contando com pouco tempo na carreira (o que sempre ocorreu e que contraria princípios de hierarquia e fere suscetibilidades), concorria para que se submetesse a graves riscos no exercício dessa função. 

E  não deu outra.  A imprensa dita “marron” – e seu exército de jornalistas, em nome da “liberdade de imprensa” (necessária e imprescindível, mas não aquela que representa o “poder econômico”), sempre ávidos por notícias, nos nichos “policialescos” e com conotação sensacionalista, trataram de fazer o estardalhaço pirotécnico, “como se revelasse o último e grande furo de reportagem do ano” (infelizmente, trabalham a massificação de idiossincrasias, aproveitando-se das limitações da grande maioria das pessoas que - imobilizadas e entorpecidas pelo bombardeio diário de informações e entretenimentos de diversos matizes - são levadas a catalisar doses cavalares e contínuas de adrenalina “diante do novo”,  do ‘dadaístico’’, dos interesses  midiáticos e seus autofalantes (jornalistas na maioria dos casos sem o suficiente conhecimento político, jurídico, econômico...) e, a  partir daí,  muitas vezes  distantes do contexto factual e baseados em informações auriculares – em cujo epicentro passam a acreditar piamente serem auto suficientes em sua absoluta (para o momento e dentro do seu claustro) capacidade de compreensão acerca dos acontecimentos que lhes são apresentados, julgando-se prontas a emitirem seus julgamentos monocráticos e difundi-los de forma difusa enquanto houver interesse. 

No caso do ex-Delegado Sérgio Lélio Monteiro – devidamente contextualizado para a época atual - a ‘Justiça’  desempenhou papel comparado àqueles patrocinados pela Igreja por meio dos processos de ‘inquisição’ durante a Idade Medieval. Aliás, a mesma ‘Inquisição’ que condenou Giordano Bruno, Galileu Galilei e Baruch de Espinoza (e seus familiares fugidos de Portugal) por seus experimentos e suas teorias científicas e filosóficas, em cuja época a Justiça e a Igreja funcionavam como uma “Justiça Temporal”,   similar àquela que funcionou no célebre e sempre relembrado caso do oficial ‘Dreyfus” (na obra de Émile Zola) , cuja imprensa movimentou a opinião pública e levou consigo também todas as esperanças de se evitar uma das grandes injustiças do Sistema Judiciário Francês.

No caso envolvendo o ex-Delegado Sérgio Lélio Monteiro – no pensamento deste autor - o mais censurável foi a postura adotada pelas direções das Secretaria de Segurança Pública (sob direção do Cel Sidney Pacheco) e da Polícia Civil (sob direção do Delegado-Geral Jorge Cesar Xavier). Segundo soubemos, as denúncias tiveram como fomento uma rixa entre o Delegado Regional de Chapecó (Hélio Natal Dornsbach) e seu antecessor (Delegado Sérgio Lélio Monteiro que assumiu a DRP no ano de 1987) durante o final da década de oitenta. O Delegado Natal (nosso amigo e confidente) nutria uma inimizada anormal com o ex-Delegado Monteiro (credito isso porque a referida autoridade havia saído da Academia e logo foi nomeado DRP para a cidade de Chapecó, cujo cargo era do interesse do veterano Delegado Natal). Certamente que Natal quando assumiu o cargo de DRP de Chapecó (1991) teve interesse pessoal de vascular a vida de seu antecessor e repassar informações para o Titular da Pasta que tinha interesse político já que era Deputado Estadual e contava com o apoio do Delegado Regional na região oeste do Estado.  

Ademais, tanto a direção da SSP como a Delegacia-Geral não tinham um sistema de informações acerca dos policiais e não faziam acompanhamento da evolução patrimonial. Também, havia omissão em proceder inspeções regulares às Delegacias de Polícia (fato recorrente) e não resistiam às ingerências políticas no preenchimento de cargos de provimento em comissão que exigiriam antes de tudo o respeito a princípios (como da hierarquia), aliás, situação também recorrente. Quando as possíveis irregularidades cometidas pelo então Delegado Regional vieram a público pela imprensa foi a própria Direção da Pasta da Segurança Pública que destacou  Delegados de Policia (especialmente Renato Hendges) para procederem investigações e dar  respostas à sociedade (por meio da imprensa), tendo em vista o “clamor público despertado”.

Não deu outra, a matéria não foi manchete só nos principais jornais catarinenses, mas também destaque na revista VEJA, com grande circulação nacional. Diante disso tudo, a apuração dos fatos por parte da Justiça e com base nas investigações do Delegado Renato Hendges (que se dedicou extremamente ao caso sob os olhos do Titular da Pasta) seriam tão-somente um prolongamento daquilo que já havia sido registrado na fase inquisitorial. A Juíza do feito -  residindo no lugar dos fatos -  acredito que pressionada por todos os lados - não tinha como deixar de sentir toda a carga de responsabilidade e cobrança,  sentindo toda sorte de influências políticas, especialmente, da imprensa vetorialmente articulava  e voltada para “informar” a opinião pública. 

  magistrada (nossa contemporânea de faculdade) teve - sem sombras de dúvidas - a árdua missão de presidir o feito (que mudou a sua vida pessoal),  previamente comprometida na medida em que o seu “veredictum” não poderia ser outro, que  não o da  condenação do réu (diferentemente do caso já célebre do “Índio Patachó”  - queimado em Brasília no ano de 1997 (nesse caso a imprensa atuou na defesa da vítima), em que a Juíza do caso formou corajosamente convicção de que o delito era de lesão corporal seguida de morte e não homicídio qualificado, tendo essa sua postura lhe valido uma série de ataques por parte principalmente da mídia que já havia anteriormente execrado perante a opinião pública  os autores do terrível crime). 

Sérgio Lélio Monteiro - como não poderia deixar de ser - passou a ser visto por muitos companheiros como uma ‘vergonha a toda categoria’ e deveria servir de exemplo em termos de punição, além de demonstrar a cara de uma “nova” administração. Como exemplo disso, quando o ex-Delegado Sérgio Lélio Monteiro esteve preso preventivamente no Quartel da Polícia Militar de Chapecó,  passando um dos piores momentos de sua vida, ao pretender amenizar a sua insólita situação com uma transferência para a Penitenciária Agrícola daquela mesma cidade (ele que foi a maior autoridade policial da região),  teve previamente vetado esse intento pela própria direção do estabelecimento que na época era dirigido por um integrante da carreira de Delegado de Polícia que passou a resistir de todas as maneiras possíveis a sua transferência, criando uma série de obstáculos junto à Direção da Secretaria de Segurança Pública (relato do próprio ex-Delegado Sérgio Monteiro a este autor).

Sérgio Lélio Monteiro só conseguiu esse intento depois de muita ajuda de verdadeiros amigos, especialmente do competente Juiz Cesar Abreu (atual Desembargador e Presidente do Tribunal Eleitoral do Estado), na época Presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses e colega de faculdade do preso (posteriormente veio a casar com a magistrada do caso) e que foi a Chapecó intervir em seu favor.  Naquela Penitenciária o Delegado Sérgio Lélio Monteiro foi tratado inicialmente com muita indiferença, conforme confidenciou ele próprio bem  mais tarde a este autor. A direção da Adepol-SC, principal entidade de classe da qual Sérgio Monteiro era filiado se calou perante ao caso e sua conotação política.

Não foram considerados - mesmo porque não existiam  - dados e informações que davam conta da grandeza de alma e espírito daquele profissional e, especialmente, das causas e concausas que concorreram para aquela fase de “denuncialismo” que permeou a administração da Segurança Pública.

Também, inexistiam informes que atestassem as suas condições patrimoniais e as suas limitações de ordem financeiras (possuía como único bem uma residência na cidade de Chapecó e que estava financiada pela Caixa Econômica Federal e um automóvel usado). Posso afirmar,  pelo que sempre constatei que o ex-Delegado Sérgio Lélio Monteiro sempre se revelou um grande pai para seus filhos e amigo. Um profissional singular e dedicado como poucos a seus funcionários.

Com relação a um dos crimes que lhe resultou condenação -  segundo consta - falsificação de documento para fins de obter vantagem em seguradora -, cuja importância seria levantada para ser repassada a um policial que teria causado em acidente de trânsito em serviço e que estava em dificuldade financeira, gostaria de registrar que este autor quando atuou na Delegacia de Polícia da Comarca de Chapecó (1984), em determinado momento foi procurado por uma policial civil daquela repartição (deixo de citar seu nome) que dizia estar em sérias dificuldades financeiras.  Diante disso, como outros já tinham procedido daquela maneira no passado,  solicitou a este autor verificar a possibilidade de ajudá-la naquele momento tão difícil,  emitindo um boletim de ocorrência e certidão, atestando que seu cônjuge tivesse se envolvido em um acidente de trânsito com um veículo de sua propriedade (fonte de renda da família).  Evidentemente que este autor não só não aceitou a proposta como também  advertiu a servidora de cartório que para seu próprio bem não reiterasse mais esse tipo de pedido, pois do contrário teria que tomar providências enérgicas de natureza disciplinar e criminal . 

Com relação ao caso ‘Sérgio Lélio Monteiro’, não há dúvida de que se houve com culpa no que fez (como muitos outros, o próprio Delegado Regional Natal que a imprensa denunciou como envolvido com um bicheiro de Chapecó, cujos fatos não foram investigados por uma série de motivos... e por falta de interesse político). Não pretendo rediscutir se a sua pena foi exponenciada geometricamente pelo tratamento em decorrência do interesse político que foi dado para seu caso ou se deveria ter sido absolvido, precipuamente, em razão da repercussão que trouxe à sociedade por meio da imprensa, tão somente, que se faça uma reflexão sobre as necessidades de reformas de base no modelo policial que temos no Brasil e no Estado de Santa Catarina.

Posso afirmar que a forma como o caso “Sérgio Lélio Monteiro” foi tratado deveria transformá-lo em símbolo para a necessidade de mudanças a partir de uma tomada de consciência e de uma lei orgânica, já que se traduziu em uma das grandes injustiças praticadas pela nossa Justiça e pela própria Administração (e o sistema como um todo), considerando os interesses políticos para aquele momento. Aliás, injustiça exacerbada – baseado no princípio da “verdade real” - em razão das omissões em se cotejar a vida funcional de seus servidores e concorrerem para que denúncias dessa natureza sempre venham a se repetir (dependendo dos governantes e dirigentes),  com graves consequências não só para o servidor (que poderiam ser eficaz e plenamente evitadas com medidas preventivas e corretivas).

  • Os Delegados Natal (já falecido) e Sérgio Monteiro sempre foram amigos deste autor e as informações contidas neste artigo foram embasadas  nas conversas que tivemos na época dos fatos (e posteriormente).
  • Depois que abordei parte desses fatos no “Jornal dos Delegados” (2010), durante a campanha eleitoral para a presidência da Adepol-SC,  o Delegado Natal conversou com este autor manifestando um certo aborrecimento com as consequências do caso e como as “coisas evoluíram” depois de décadas.
  • O Delegado Natal chegou a concorrer a cargo eletivo na região de Chapecó  e, também, aspirou novamente a Delegacia Regional, não obtendo êxito em sua empreitada.
  • Reputo os acontecimentos envolvendo os Delegados Sérgio Lélio Monteiro e Hélio Natal Dornsback às falhas que apresentam a instituição policial civil em termos de princípios, estrutura de poder e ingerências políticas, disputas internas por cargos comissionados,  dentre outros.