HISTÓRIA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: O CASO DO POLICIAL BRASIL: A PROVA DE FOGO (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 11/01/2018 | HistóriaDia 16.10.2001, por volta de quinze horas e trinta minutos estava na “Assistência Jurídica” da Delegacia-Geral da Polícia Civil (Av. Osmar Cunha – Centro de Florianópolis) e pedi para a Inspetora de Polícia “Jô Guedes” avisar o Delegado Maurício Eskudlark (Diretor de Polícia do Interior) que estava a sua disposição (Maurício tinha me procurado uma hora antes). Em seguida, entrou na “Assistência Jurídica” o Delegado Maurício acompanhado do “Comissário Brasil” (Roberto Carvalho Fernandes).
Logo imaginei do que se tratava. Tinha recebido o processo disciplinar de Brasil na última quarta-feira e fiquei duas noites com aquilo na cabeça, isto é, me remoendo por dentro face à bárbara injustiça que está sendo cometida com o referido policial.
Em síntese: Durante os anos de 1997 a início de 1999 (governo Paulo Afonso/Lúcia Stefanovich), o policial Brasil (formado em Direito) foi designado para responder pelo cargo de Delegado Municipal do município (hoje comarca) de Camboriú. Lá chegando, em razão da falta de efetivo policial civil, “manteve” a atribuição de servidores públicos municipais que há anos estavam à disposição daquela repartição policial, assegurando que continuassem a exercer funções policiais civis. O processo disciplinar registrava o excelente trabalho desenvolvido pelo policial Brasil (relatórios, documentos, depoimentos de testemunhas, fotografias e etc.). O relatório final da comissão constituída pelos Delegados Paulo Matte (Presidente), Hilton Vieira e Ruben Garcez concluiu por recomendar a demissão simples do acusado porque se reconheceu que realmente ele havia permitido/atribuído funções policiais civis a um servidor municipal que estava à disposição da Delegacia de Polícia. O Delegado Maurício logo que sentou na minha frente me dirigiu a seguinte pergunta: “Conhece o Comissário Brasil, doutor?” Respondi: “Claro que sim. Lembro muito bem dele, nas reuniões da Fecapoc (Federação Catarinense dos Policiais Civis) lá em São Miguel ele sentava no fundo da sala, bem no canto esquerdo, não é?” Maurício permaneceu em silêncio e me observou meio surpreso com essa minha informação. Antes que ele dissesse o porquê da sua presença, procurei poupá-lo e fui direto ao assunto: “Recebi o processo (disciplinar) na semana passada e já mandei para cima, acho que foi ontem. Quando foi mesmo Jô?” Jô Guedes respondeu rapidamente: ”Foi hoje de manhã!” Pedi que Jô Guedes apanhasse a informação jurídica que subscrevi permitindo que o policial Brasil lesse o seu conteúdo. Enquanto o policial se entretinha lendo o que havia sido informado continuei minha conversação com Maurício: “Pois é, a coisa tá nas mãos do Lipinski, pelo que vi tá aí uma tremenda injustiça que está se cometendo. O Lipinski tem condições de obstar isso, basta um simples despacho, agora não é o que eu tenho visto, ele manda tudo para o Gabinete do Chinato e lá é outro mundo. Eles não têm compromissos conosco, estão lá de passagem, julgam de outra forma, não têm o conhecimento dos fatos como nós temos”. O policial Brasil continuou lendo a informação, e pude notar a sua ansiedade enquanto o Delegado Maurício foi avisado que o pessoal do programa “Cesar Souza” estava no seu Gabinete. Em seguida Maurício subiu, entretanto, antes de soltar o corpo da cadeira, disse: “Doutor eu quero convidar para aquele cafezinho, quero convidar o amigo para me ajudar naquele negócio”. Apenas sorri respondendo que entendia e que se estivesse dentro dos meus limites. Na verdade Maurício já estava em campanha e deveria estar querendo que eu me engajasse na sua campanha eleitoral (deputado estadual). Depois que ficamos a sós o policial Brasil pediu solenemente permissão para ficar comigo mais um pouco e começou a narrar sua triste história, de um policial que chora por dentro, mas que o cotidiano parece que matou todas as suas lágrimas e seu encanto de outrora pela profissão: “Doutor eu estou sendo penalizado por trabalhar, tenho tudo provado, como encontrei a Delegacia de Camboriú e como deixei. Tive que tomar algumas medidas, não havia provas de policiais envolvidos em ‘golpes do chute’, isso eu não posso provar, mas tive que combater esses crimes quando chequei lá, posso dizer que havia policiais que usavam drogas, fumavam maconha e isso eu tive que coibir, e os policias acabaram sendo removidos, tudo isso gerou a vingança. No início do ano de 1999 (governo Amin) eu continuava respondendo pela Delegacia Municipal e num determinado dia fui chamado à Delegacia. Estavam lá os Delegados Lipinski (Corregedor-Geral) e Paulo Matte. Tinham revirado todas as minhas gavetas, documentos, olharam livro de inquéritos e depois que fizeram isso Lipinski me disse: ‘eu vim aqui com ordem de te suspender da função até de te colocar na cadeia em razão das denúncias que fizeram contra ti’. Doutor, o doutor Lipinski disse que olhou tudo e viu que meu trabalho estava todo em ordem, meus autos de prisão em flagrante todos homologados e que não iria fazer nada, que era para eu continuar os serviços. Ele disse para eu ficar tranquilo. O doutor Paulo Freyslenben me telefonou dizendo que estava preocupado, que o senhor havia ligado para ele dizendo que a comissão havia pedido a minha demissão, eu tinha conversado com o doutor Edson Cabral, meu advogado, e ele tinha me garantido que estava tudo certo, que o pessoal estava consciente de que não iria dar em nada e que se desse alguma coisa não haveria unanimidade dos membros da comissão. O doutor Paulo pediu que eu procurasse o senhor. Eu fui para Camboriú com minha esposa e construí minha casa financiada pela Caixa, comprei um carro e não sei se cresceu os olhos de alguém, não sei de quem possa ter partido isso contra mim. Minha esposa chegou a perguntar se não havia algum fato que tivesse escondido dela, o senhor não imagina o que eu tenho passado, e quando achava que estava tudo se resolvendo recebi essa notícia, estou respondendo outro processo disciplinar, quiseram me incriminar dizendo que eu estava envolvido com quadrilha de 'golpes de chute' e, doutor, não tem prova nenhuma contra mim, já quis pedir exoneração e eles não me deixam sair, fiz concurso no Paraná (Delegado de Polícia) e acertei setenta e cinco por cento das provas, já sei que passei, não aguento mais entrar na Delegacia. Será que não cabe tutela antecipada contra o Estado? Quero me desligar.”. Depois que o policial Brasil fez sua narrativa eloquente procurei dar alguns conselhos, não sei se bons ou maus: “Eu acho que tu não deves querer demonstrar que queres largar tudo e fugir. Acho que deves enfrentar, provar a tua inocência, assim como eu confiei em ti, tive coragem de dar um parecer contra a comissão a quem respeito, também acho que existem outras pessoas que poderão confiar na tua inocência, que tudo isso é uma grande armação, uma grande injustiça. Só não entendo por que o Paulo Matte, o Hilton e o Garcez não enxergaram isso. Acho que tu deves procurar o Lipinski, mas deves ir sozinho, sabes que aqui existem facções, não vai com o doutor Maurício, vai sozinho e tenta falar com ele. É ele quem pode resolver tudo, basta um despacho dizendo que concorda com a minha informação e mandar arquivar, agora se ele mandar para cima fica tudo incerto, a comissão dizendo uma coisa e eu dizendo outra, e o trabalho da comissão é bastante decisivo porque são três delegados e eles é que estiveram dirigindo os trabalhos. Essa é uma opção que tu tens, de ir lá em cima e tentar falar com o Lipinski, assim tu já terás uma noção de como a coisa está, se vai terminar por aqui ou se vai prosseguir. Deves deixar a emoção de lado, esse negócio de querer pedir exoneração soa mal para ti, estais numa prova de fogo e eu já passei por isso na direção da Penitenciária, quando combatia a entrada de drogas, o desvio de material por servidores, e também me prepararam a cama com uma rebelião. E, acabou a imprensa entrando no jogo, sendo que os meus superiores não me defenderam, muito pelo contrario. A essa altura minhas dores de cabeça já haviam voltado e só queria ir embora, não podia aceitar tamanha injustiça, a agonia de alguém que não quis se corromper, que não se acomodou, que quis mudar as coisas, combater o mal e o que me foi reservado? (...)”. Depois de concluir meu desabafo e conselhos ao meu interlocutor, argumentei que em caso de persistir uma decisão desfavorável somente uma comissão externa, com pessoas isentas, é que se poderia rever seu caso (processo revisional) e, assim, dimensionar a injustiça que estava sendo cometida contra o referido visitante. Depois que o policial Brasil deixou a “Assistência Jurídica” Jô Guedes soltou uma única frase bem ao seu estilo: “Meu Deus, estou morrendo de pena desse rapaz, que injustiça”. Fiquei contente porque já não estava sozinho, especialmente, por minha "secretária" tinha peso, era inteligente e procurava se inteirar de tudo, com seu olhar profundo.
Mais tarde Jô Guedes retornou do quarto andar (pedi para que ela fosse substituir a Informação no processo disciplinar de Brasil porque ao rever o parecer encontrei alguns problemas elementares de ordem ortográfica e não poderia deixar que o documento ficasse daquele jeito...) e deu a noticia que Brasil estava sozinho aguardando para falar com o Delegado-Geral Lipinski. Brinquei com Jô Guedes com tom provocativo: “Tá, não chamasse ele num canto para advertir que tomasse cuidado com...?” Jô Guedes respondeu prontamente: “E precisava, todo mundo sabe disso”.