VULTOS DA HISTÓRIA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: DRA LÚCIA (MARIA PERICÓ) STEFANOVICH:

Por Felipe Genovez | 28/01/2019 | História

A história da Delegada Lúcia Maria Pericó começou no ano de 1972. Após realizar o curso de Criminologia realizado pela antiga Escola de Polícia (Acadepol). Nessa ocasião foi nomeada para o cargo de Delegada de Polícia – PF-18, nos termos da Lei n. 4.702 de 30.12.1971, cujo ato foi publicado em data de 08.09.71.

Este foi o resultado do concurso para Delegado de Polícia:

1º Lúcia Maria Pericó – DP de Rio do Sul;

2º Gilson Alcântara Prates – DP de Caçador;

3º Nilson Landmann – DP de Itajaí.

Naquele ano de 1972 (Governo Colombo Salles e gestão do Coronel/Exército Delso Lanter Peret Antunes) o Dr. Heitor Luiz Sché havia sido exonerado do cargo de DRP – (CC-2) de Rio do Sul (Decreto n. 1.935 de 20.04.1972), passando a gozar licença sem remuneração para tratar de interesses particulares que deveria ser por dois anos (Decreto n. 2.231 de 05.05.1972), entretanto, abreviou seu afastamento e assumiu a DPE de Costumes, Jogos e Diversões. Dr. Heitor Sché foi nomeado Diretor de Polícia Judiciária – DPJ em 14.11.1973 (cargo da Superintendência da Polícia Civil - SPC).

Na cidade de Rio do Sul a Dra. Lúcia, desde a sua investidura no cargo de Delegado de Polícia, já estava à frente da Delegacia de Polícia da comarca. Com a exoneração do Dr. Heitor Sché a solução encontrada foi a nomeação da Dra. Lúcia para assumir a Delegacia Regional de Polícia (o cargo estava em vacância), em cuja época a Polícia Civil se encontrava sob direção do Dr. Jucélio  Costa. Para a DPCo de Rio do Sul foi designado o Dr. Alfredo Dobs (Decreto 4.410/SSI de 31.12.1971) que se encontrava prestando serviços na Delegacia da Comarca de Blumenau.

No ano de 1975, com a mudança de governo, Dra. Lúcia Stefanovich (já havia adotado o sobrenome do esposo) foi removida para Florianópolis, vindo a assumir a DRP/Capital (Governo Konder Reis, durante as gestões do Coronel Ari Oliveira – SSI e do Delegado Heitor Luiz Sché - SPC).

No ano de 1978, no Governo Jorge Konder Bornhausen, Dra. Lúcia assumiu o cargo de Diretora de Polícia Científica (gestão do Coronel Ari Oliveira que continuou à frente da SSI), permanecendo até 1982 quando foi  exonerada no início do primeiro Governo Esperidião Amin      (gestão do Dr. Heitor Sché à frente da Secretaria de Segurança Pública – 1982/1985). A seguir o Delegado Dr. Wilson Maes assumiu o seu lugar (sucedido pelo Delegado Jorge Xavier).

A partir daí Dra. Lúcia deixou o governo e foi designada para assumir a direção da 6ª DP/Capital (criação dos Distritos Policiais – reformas policiais da gestão do Delegado-Deputado e Secretário de Segurança Pública Heitor Sché), permanecendo nessa posição operacional até 1989, quando foi convidada a assumir a Superintendência da Polícia Civil (substituiu o Delegado Luiz Bahia Bittencourt na gestão do Secretário de Segurança Pública Álvaro Pille – Juiz de Direito aposentado).   

Em entrevista a este autor o ex-Secretário de Segurança Pública Álvaro Pille fez o seguinte relato sobre a escolha da Dra. Lúcia:

“(...)

“Lembro que estava reunido como o Dr. Neri (Secretário Adjunto e posteriormente Prefeito de Araranguá – PMDB), Dr. Aurélio (Cardoso dos Santos (Promotor de Justiça e ex-Delegado de Turvo), Dr. Getúlio (Delegado de Xanxerê) e Dr. Ivo (Otho Klein – Delegado de Timbó), conversando sobre o ponto chave que era a Superintendência da Polícia Civil, quando ouvi pela TV uma notícia sobre o ano internacional da mulher, ocasião em que pedi que fosse feita uma relação das Delegadas de Polícia. Da lista constava o nome da Dra. Lúcia Stefanovich a qual conhecia quando ela passou por Rio do Sul. Conversei com o Governador do Estado que estranhou a escolha, perquirindo sobre a autoridade que exerceria sobre os Delegados. A Dra. Lúcia é uma pessoa que se impõe até pelo porte físico e postura. Além de tudo é boa de braço, fato comprovado numa passagem que ocorreu num campo de futebol em Rio do Sul. Não foi contraindicada ou desabonada. A primeira impressão que causou a escolha de seu nome para todos era de estranheza. A decisão foi única e exclusivamente minha. Não recebi qualquer ingerência política, mesmo porque a Dra. Lúcia não era filiada ao partido (PMDB), apesar de ter ligação. Fui a sua residência para convidá-la. Até ela se surpreendeu. Foi a primeira Superintendente mulher do Brasil (...). A Dra. Lúcia era muito leal, dedicada, policial civil apaixonada, aliás, todos que estavam juntos no governo foram leais. A Dra. Lúcia sempre tinha uma lista, levava reivindicações, vivia Polícia vinte quatro horas por dia.

(...)”.  

Com o início do governo Vilson Kleinubing (1991) a Delegada Lúcia foi exonerada do cargo de Chefe de Polícia - SPC, justamente quando houve a transformação da “Superintendência” na Delegacia-Geral da Polícia Civil (reformas da Lei 8.240/91), tendo que retornar para 6ª DP/Capital. A partir desse momento Dra. Lúcia passou a militar dentro do PMDB, integrando-se principalmente ao Delegado Lourival Mattos (vinculado há anos ao diretório municipal do PMDB de São José), os quais passaram a fazer oposição “interna corporis” ao governo Vilson Kleinubing, especialmente, em razão da decretação do fim da isonomia salarial entre Delegados de Polícia e Promotores de Justiça. Com esse discurso conseguiu ganhar nome no PMDB e assumiu a posição de líder oposicionista dentro da Segurança Pública contra o Governo Vilson Kleinubing, apoiado pelos Senadores Esperidião Amin e Jorge Konder Bornhausen (este o grande responsável pelo fim da isonomia dos Delegados de Polícia, considerando as suas fortes ligações históricas com a cúpula do Ministério Público Estadual naquele governo).

No ano de 1995, com a eleição do Governador Paulo Afonso Vieira a Dra. Lúcia surgiu com força política total para assumir a direção da Pasta da Segurança Pública, permanecendo no cargo até 1999, quando foi substituída pelo Promotor de Justiça Luiz Carlos Schmidt de Carvalho (segundo Governo Esperidião Amin – 1999/2003). Na Polícia Militar o novo Governador Paulo Afonso escolheu seu amigo da faculdade de Direito – Coronel Walmir Lemos para o “Comando-Geral” (aliás, ambos contemporâneos de nosso tempo de curso de Direito/Ufsc).

À frente da SSP Dra. Lúcia procurou manter seu foco na estruturação material da Polícia Civil, como a construção prédios e aquisição de milhares de viaturas. Em que pese essa sua dinâmica, esperava-se que na sua condição de Delegada de Polícia experiente e crítica, especialmente, no que dizia respeito ao fim da isonomia salarial com o Ministério Público, ela poderia ter aproveitado o momento para alavancar também reformas na estrutura e organização da Polícia Civil, especialmente, a partir de uma Lei Orgânica que assegurasse prerrogativas institucionais, valorização dos policiais em termos salariais e de ascensão funcional, independência administrativa e funcional à Polícia Civil, garantias para autoridades policiais, eleição para escolha do Chefe de Polícia (pelo menos por meio de lista tríplice ou, preferencialmente, eleição direta), dentre outras providências de ordem constitucional/legal.

Sobre isso o Dr. Ewaldo Villela (Delegado de Polícia com larga atuação na Polícia Civil ao longo das décadas de sessenta, setenta, oitenta e noventa), em entrevista a este autor (1996), assim se reportou:

“(...)

Não sei qual o caminho para se lutar por melhorias de vencimentos, não sei, já fizemos de tudo, inclusive o atual governador ((Paulo Afonso Vieira – 1995/1999) prometeu mundos e fundos, nos recepcionou completamente... A atual Secretária de Segurança se acomodou, tá totalmente acomodada, podes, inclusive pegar essa gravação e mostrar para ela, não tenho receio de coisa nenhuma. Enfim, todo mundo se acomodou, mas eu cito a Lúcia porque ela era a maior batalhadora nos outros tempos, comandava, liderava greve, tudo, e hoje se acomodou de uma tal forma que não deu nem o prazer de sua presença no encontro dos delegados. É decepcionante a atitude dela. Daqui a pouco ela vai voltar para o cargo e vai ganhar o que todo mundo tá ganhando  hoje. Mas eu acho que nós não devemos parar de lutar, devemos continuar lutando para melhorar o salário, dignificar a carreira,. Meu genro que é Promotor em Mafra, que foi reprovado no exame psicotécnico do concurso para Delegado de Polícia, depois ganhou na Justiça, mas não quis mais o cargo,  ganha mais do que eu, quando o substituto ganhava mais...O Governador Paulo Afonso assumiu publicamente o compromisso de repor a isonomia dos Delegados com os Promotores. Foi justamente o governo do PMDB que nos deu a isonomia.

(...)”.

Durante sua gestão à frente da “SSP”. Dra. Lúcia chegou a ser entrevistada no programa “Jô Soares” (SBT) como a primeira mulher a chefiar a Pasta da Segurança Pública no Brasil, cujo fato lhe mereceu notoriedade nacional.

Depois que foi exonerada do cargo de Secretária de Segurança Pública (1999) Dra. Lúcia assumiu a 5ª DP de Florianópolis (Bairro Trindade), cujo prédio foi construído na sua gestão (SSP, permanecendo em plena a atividade até o seu falecimento ocorrido no dia 07.11.2017. Também, essa sua nova etapa marcou o fim da atividade oposicionista aos governos na defesa de interesses classistas, como foi o caso do fim da isonomia salarial com os Procuradores de Estado decretada, de forma silenciosa e paulatina, logo no início do segundo governo Esperidião Amin.

NOTAS:

  1. Depois que a Dra. Lúcia deixou o comando da SSP, com a eleição de Esperidião Amin, para um segundo mandato de governador do Estado (1999-2003), acabou sendo vítima da sua omissão quanto a modernização da legislação arcaica que regia a Polícia Civil (manteve o sistema de ingerências políticas no preenchimento de cargos comissionados), tendo que se contentar em assumir a 5ª DP/Capital (Bairro Trindade). Numa conversa que tivemos com o Senador Esperidião Amin (final de 1997), já em campanha para o governo do Estado, na presença do Delegado Jorge Xavier e do Deputado Gilmar Knaesel, pudemos ouvir em alto e bom som qual era a sua opinião sobre a “super Secretária de Segurança Pública do Governo Paulo Afonso” contendo críticas acirradas e adjetivações..., dando para intuir o que ela poderia esperar caso viesse a governar o Estado. Lamentei em silêncio, porque a cada governo se repetia a mesma cena com relação ao preenchimento de cargos na Segurança Pública, especialmente, na Polícia Civil:  a “nova” e a “velha” política.
  2. Dra. Lúcia ocupou cargos comissionados durante os governos militares (DRP de Rio do Sul, DRP de Florianópolis e Diretora de Polícia Científica, entre 1972 a 1982). Segundo uma vez me relatou, nunca perdoou o Dr. Heitor Sché por não tê-la prestigiado durante a sua gestão à frente da SSP, colocando-a na 6ª DP/Capital (Av. Mauro Ramos, próximo ao “banco redondo”, já que até então ocupava cargos comissionados).
  3. Dra. Lúcia só veio a se filiar no PMDB na década de noventa, quando passou a fazer oposição ao Governo Vilson Kleinubing (1991-1994), também, em razão de ter sido exonerada do cargo de Superintente da Polícia Civil e ter que retornar a uma Delegacia de Polícia, sendo substituída por seu compadre, o Dr. Jorge Cesar Xavier. Também, não se pode esquecer que assumiu o discurso oposicionista calcado nas críticas contra o fim da isonomia salarial entre Delegados e Promotores de Justiça, cujo momento foi bastante conturbado e serviu de vitrine para que lideranças ganhassem espaços políticos (na verdade a grande liderança oposicionista era liderada pela direção da Adpesc (Adepol-SC).
  4. Na década de oitenta Dra. Lúcia e seu esposo (Ivo Stefanovich) costumavam frequentar a residência do Dr. Jorge (e Leninha), em cuja época o tratamento entre si era de “compadres”, especialmente, em momentos de festividades (e vice-versa).  Na residência da Dra. Lúcia eram realizadas “festividades ciganas” (seguindo as tradições iugoslavas, considerando a descendência do seu esposo; participei apenas uma vez desses encontros, porém, foi na residência do Dr. Jorge Xavier).
  5. Dra. Lúcia, nunca perdoou o seu ex-compadre por ter assumido a direção da Polícia Civil no início do novo governo Vilson Kleinubing. Talvez isso tenha ocorrido por que não a prestigiou em algum cargo político? Teria sido em razão da decretação do fim da isonomia salarial e nisso, como o Dr. Jorge Xavier era o Delegado que mais encarnava o “novo” governo, seria um discurso na medida para obter notoriedade junto aos Delegados e assim se arrumar um “bode expiatório” para execração? Será que Dra Lúcia e os demais não sabiam que a isonomia havia sido urdida pelo Ministério Público na calada da noite (a LC 36/91 já estava pronta antes mesmo do governo se iniciar), envolvendo a cúpula do MP e o Senador JKB? Também, não sabiam que a inflação era de cerca de quarenta por cento ao mês e eram o Ministério Público que tinha que volver mensalmente esforços extremos para reposição dessas perdas salariais para seus membros (beneficiando os Delegados que assistiam de camarote?).
  6. A gestão da Dra. Lúcia como Secretária de Segurança (1995-1999) foi uma época de grandes realizações, mas, começou como um momento de “revanchismos” (diferente do período Heitor Sché que se iniciou e se protraiu como de “autoritarismo” e “centralismo político”, considerando seu projeto político pessoal). Mas a revanche da Dra. Lúcia (e seus seguidores) foi específica contra Vilson Kleinubing, Coronel Sidney Pacheco e alguns “Delegados” que ocuparam posições políticas nesse governo. Obviamente que a grande maioria dos “Delegados” remanescentes dos anos de 1991/1994 foi blindada, especialmente, àqueles que tinham “vinculação maçônica”, DNA de governos anteriores (inclusive do próprio governo Amin) ou interesses comuns ou poderiam servir a causa.  Durante a “caça as bruxas” (este autor acabou tendo que se mudar para Pasta da Justiça e Cidadania, diferente de Jorge Xavier que se aposentou...). Alguns colegas Delegados, tidos como grandes “amigos”, mudaram da noite para o dia ou da água para o vinho, viraram a cara e assumiram um novo comportamento. Cito o caso dos Delegados Drs. Luiz Bahia, José Guaianaz de Lima, Ademar Rezende, Lauro Cesar Radke Braga, dentre outros. O discurso inicial que permeou a gestão da Dra. Lúcia (1995/1999) foi o de culpar colegas pela revogação da isonomia salarial entre Delegados e o MP, tratados como “traidores” da classe. Há que se rememorar que no governo “JKB” (1978-1982) a Dra. Lúcia foi prestigiada com a nomeação para o cargo de Diretora de Polícia Científica (gestão do Secretário de Segurança Cel. Ari Oliveira e do Delegado Luiz Darci da Rocha à frente da SPC). Anteriormente, foi Delegada Regional de Polícia nos Governos Colombo Salles e Konder Reis (dos quais emergiram “JKB”, Esperidião Amin e Vilson Kleibubing).  
  7. Como já foi dito anteriormente, o fim da isonomia salarial foi mantido em absoluto segredo entre os anos de 1990/1991, cujos fatos somente vieram à tona quando a LC 36/91 foi votada e sancionada às pressas. Esse processo surpreendeu a cúpula da Polícia Civil e a direção da Adpesc (Adepol), cujas lideranças não tiveram tempo sequer de esboçar qualquer reação em contrário. No meu caso eu tinha uma relação até familiar com a Dra. Lúcia (sua irmã é casada com meu primo irmão e ainda residem em Araranguá). Lembro que fui a sua posse no cargo de  Superintendente da Polícia Civil (1989), quando ocupava o cargo de “Procurador Policial” e nesse dia ela veio pessoalmente agradecer por me fazer presente no evento, afirmando que ficou muito feliz quando percebeu a minha presença no auditório. Argumentei que ela poderia sempre contar comigo.
  8. Passaram os anos e logo após a Dra. Lúcia assumir a SSP (1995), depois que foi avisada que eu havia sido nomeado Diretor da Penitenciária de Florianópolis, numa reunião no seu gabinete, segundo relato do falecido Delegado Carlos Andretti, bateu o telefone e vaticinou com raiva: “O Genovez nos escapou!”. Andretti não sabia de nada e me perguntou o porquê daquela reação da Secretária de Segurança. Tive que fazer uma relato desde um bate-boca que tive com ela sobre meus projetos que resultaram nas LC 55/92 e LC 98/93, no Decreto 4.196/94 (isso na presença do Delegado Lourival Mattos, seu principal aliado naqueles tempos e meu opositor desde os tempos dos Governos Pedro Ivo Campos/Cacildo Maldaner  – 1987-1991) ela me censurou,  de forma áspera e veemente, afirmando que eu não deveria ter feito nada para ajudar o governo Kleinubing que traiu os Delegados com a revogação da nossa isonomia. Argumentei com energia que ela estava errada, que os governos passam, mas a Polícia Civil e que quem está ocupando cargos políticos têm que ir à luta..., porém, acho que ela não quis entender porque naquele momento tinha seus objetivos políticos (justamente eu que era apenas o “Assistente Jurídico” da DGPC, cargo de terceiro nível, diferente de outros Delegados que continuaram integrando a cúpula, mesmo após a mudança de governo, na sua gestão...). Cito o exemplo do Delegado Lauro César Radke Braga que no ano de 1991 teve seu nome indicado por este autor e pelo Delegado Gentil João Ramos para ocupar o cargo de Diretor de Polícia Metropolitana, o que acabou ocorrendo. No ano de 1995, quando a Dra. Lúcia assumiu a SSP o mesmo Dr. Lauro foi guindado ao cargo de Diretor de Polícia do Litoral (resultado da transformação do cargo de Diretor de Polícia Metropolitana). Lembro que no mês de janeiro/1995 me apresentei ao Dr. Lauro  e ele parecia transformado, sério, sisudo, de poucas palavras, apenas me comunicou que a ordem era que eu me apresentasse na 2ª DP/Capital e que não teria direito a férias e licenças-prêmio. Tentei argumentar com meu “amigo”, mas ele se mostrou irredutível e econômico nas palavras (passado alguns anos, quando o Dr. Braga estava desprestigiado, isso na “Era Lipinski” tentei relembrar esse fato, mas ele disse que não se lembrava de nada...). Como esquecer aquela cena, diferentemente do Delegado Ewaldo Moretto, Diretor de Polícia do Interior no Governo Vilson Kleibubing/Sidney Pacheco (guindado ao cargo de Delegado-Geral na gestão Lúcia Stefanovich) e Ademar Rezende – ex-Delegado-Geral no Governo Vilson Kleinubing/Konder Reis (passou a ocupar meu cargo de “Assistente Jurídico” da DGPC), que apenas me avisaram sem cerimônia  e com “ares de normalidade” que se tratava de mudança de governo e que eu teria que retornar para uma Delegacia de Polícia.
  9. Quando o Governador Esperidião Amin assumiu seu segundo mandato (1999-2003) a Dra. Lúcia (e o Dr. Lourival – seu ex-Secretário Adjunto da SSP) se recolheram às suas vidas simples, sem que houvesse uma única manifestação oposicionista contra o novo governo, especialmente, eles que comandaram uma das principais Pastas do Governo do PMDB e mantiveram uma relação muito próxima com o Governador Paulo Afonso, bastante execrado pelo Governador Esperidião Amin em razão dos atrasos salariais dos servidores públicos do Poder Executivo.
  10. Outro fato que chamou a atenção foi que a isonomia salarial entre Delegados e Procuradores do Estado que passou a vigorar a partir de 1998, na gestão da Dra. Lúcia (os Delegados tiveram que pagar uma cotas descontada em três parcelas de seus salários, para a campanha da Secretária de Administração Hebe Nogara a Deputado Estadual). Entretanto, essa isonomia acabou sendo revogada silenciosamente a partir de 1999, com a concessão de vantagens pecuniárias somente aos Procuradores de Estado, sob o olhar complacente de nossas lideranças. A Dra. Lúcia e o Dr. Lourival (além de outros colegas que se diziam peemedebistas e estavam em cargos comissionados) permaneceram em completo e absoluto silêncio, sem qualquer reação contra o novo governo Amin, diferentemente da época do Governo Vilson Kleibubing.
  11. Entre os anos de 1997/1988, quando residia ainda no Bairro Pantanal (Florianópolis), costumava caminhar de manhã cedo na Beira Mar. Num certo dia, quando passei em frente à antiga “Santa Fé Veículos” – revendedora autorizada da “Chevrolet”  (onde hoje se localiza o “Iguatemi Shoping” – Bairro Santa Mônica - Florianópolis), percebi centenas (ou mais de mil) viaturas policiais civis prontas para serem entregues que estavam há dias para serem entregues. Durante alguns dias aquelas viaturas inundavam o pátio interno e externo da agência o que chamava muito a atenção, até que resolvi dar uma inspecionada no local (eu era cliente do estabelecimento e conhecia o pessoal). Caminhando pelo interior da agência, em especial, me chamou a atenção uma “Chevrolet Blazer branca” completa (descaracterizada)  misturada com as viaturas. Imediatamente fui até onde estava esse veículo e observei que no painel havia uma espécie de formulário (cartaz pequeno) com o nome: “Dra. Lúcia”. Logo fiquei imaginando: “Será que se trata de uma viatura exclusiva para uso da Secretária,  como seu cargo oficial?  E me perguntei: “Mas por que apenas esse veículo descaracterizado leva o nome da Secretária, os demais eram viaturas caracterizadas e não traziam identificação alguma?” Também, pensei: “Bom, é possível que a Dra. Lúcia tenha adquirido esse veículo só que por engano colocaram no meio das viaturas por ela ser a SSP”. Passado alguns anos, quando fui designado para atuar na Corregedoria da Polícia Civil (já em 2007/2008...), conheci o Agente Administrativo Dilson Pacheco (à disposição da Polícia Civil e designado para prestar serviços na Corregedoria da Polícia Civil) que numa das viagens que fizemos me relatou que durante a época da Dra. Lúcia (SSP) estava a sua disposição como seu motorista particular e que dirigia um veículo “Chevrolet Blazer branca” que era de sua propriedade particular e foi adquirido na agência “Santa Fé”. Logo intui que só poderia ser aquele mesmo veículo que vi no pátio de estacionamento da referida empresa. Fiquei mais tranquilo porque só poderia se tratar de um veículo particular e não de uma viatura, menos mal. Dilson relatou que depois de passados alguns anos a Dra. Lúcia, quando deixou a Pasta da SSP,  vendeu o referido veículo.
  12. Também, durante aquelas minhas idas e vindas na "Santa Fé" veículos, lembro que havia uma Chevrolet Tracker diesel verde musgo para venda. Esse veículo passou alguns meses exposto, porém, diferentemente da "Blazer" branca, estava junto com outros carros comuns "zero km". Cheguei a sentar no seu interior só para experimentá-lo, isso enquanto aguardava o término de serviços de revisão num dos meus carros ou em razão de visitas a um amigo que era vendedor. Tempos depois encontrei um Delegado que trabalhava no setor de compras da gestão Lúcia Stefanovich dirigindo um Chevrolet Tracker verde... e deduzi que só poderia ser o mesmo veículo que vi naquela agência, já que era um veículo diferenciado. Diante de mais esse fato fiquei pensando: "Será que o pessoal da 'Santa Fé' é afeito a agrados para determinados Delegados ou seria pura coincidência os casos da "Blazer" e da "Tracker"?" Na verdade lembrei da década de oitenta, quando o Delegado Heitor Sché - Secretário de Segurança Pública pediu a exoneração do Coronel Sidney Pacheco - Comandante-Geral da PM. Claro que o Governador Esperidião Amin fez a opção por Heitor Sché e o Coronel Pacheco acabou sendo exonerado. Comenta-se que um dos motivos desses embates entre o SSP e Comandante-Geral teria sido a questão de "compras de viaturas", já que o Coronel Pacheco teria  determinado que as licitações para aquisição de milhares de viaturas fossem dirigidas para beneficiar a empresa  Phipasa (Florianópolis), sem que isso passasse pela SSP. Heitor Sché teria reclamado da insubordinação do Coronel Pacheco... Se é verdade ou não o fato é que depois de exonerado o Coronel Pacheco foi "comandar" a empresa Phipasa na Avenida Ivo Silveira - Florianópolis, claro que talvez isso possa ter ocorrido em razão de amizades, gratidões... Aliás, nas décadas de cinquenta e sessenta os partidos políticos que se alternavam no poder (PSD e UDN), tinham suas preferências quanto as aquisições de veículos oficiais. O PSD e seus próceres só comprovam carros da marca Ford. Já o pessoal da UDN só adquiria veículos da marca Chevrolet. 
  13. Na minha visão, talvez o fato que mais marcou os anos da Dra. Lúcia na SSP foi o caso envolvendo o Delegado “Alcino Silva” que respondeu a um processo disciplinar presidido pelo Delegado Evaldo Vieira. Dr. Alcino possuía quase trinta anos de serviços dedicados à Polícia Civil (começou como Escrivão de Polícia na década de sessenta), portanto, estava próximo de fechar seu tempo de aposentadoria (ingressou na carreira de Delegado de Polícia por meio de mandado de segurança já que não foi aprovado no exame psicotécnico). A acusação era de improbidade administrativa porque teria se apropriado de uma quantia em dinheiro que tinha recebido (DPCo de Santo Amaro da Imperatriz) e que deveria ter sido recolhida em estabelecimento bancário. Segundo soube, uma determinada pessoa esteve na repartição policial para retirar documentos de trânsito, só que como era final da tarde o Dr. Alcino, segundo consta, ficou com o dinheiro se comprometendo a recolher as taxas no dia seguinte, só que isso acabou não ocorrendo, muito provavelmente por esquecimento ou desleixo já que os valores ficaram certo tempo numa gaveta e depois desapareceram. Registre-se que era público e notório que o Dr. Alcino há tempos estava apresentando sérios distúrbios de saúde. Chegou a ser realizada perícia nos autos, porém, o “expert” concluiu que ele estava bem. No meu entender deveria ter sido solicitada uma nova perícia, inclusive, soube que o presidente da comissão processante era favorável a essa diligência, porém, isso não veio a ocorrer e os autos foram concluídos com proposta de aplicação de pena de demissão (consta que foi por ter se apropriado de cerca de trezentos reais...). O processo disciplinar permaneceu concluso no Gabinete da Secretária Lúcia durante bom tempo, sem que houvesse uma decisão. Segundo informações, a demora de uma decisão fez com que o Dr. Alcino procurasse o seu amigo, Presidente da OAB-SC (Dr. Jefferson Kravchychyn), colega de faculdade (Univali/Itajaí) para que interviesse no seu caso e exigisse uma decisão derradeira no seu caso. Segundo relato, quando a Dra. Lúcia recebeu a correspondência do Presidente da OAB-SC solicitando explicações acabou tendo um acesso de fúria (resultado: imediatamente acatou a decisão dos membros da comissão processante, pela demissão que foi publicada “a jato”), apesar de não existir demanda criminal e de não ter sido oportunizada a realização de uma nova perícia médico-psiquiátrica. Já noutra situação parecida que ocorreu nessa  mesma época o tratamento foi bem diferente. Estou falando do caso envolvendo o Delegado “G.V” que teve repercussão nacional, com  condenação final da Justiça transitada em julgado em processo criminal por improbidade administrativa, com perda da função. Lembro que o Dr. Lauro Braga (Diretor de Polícia do Litoral) me ligou na Penitenciária de Florianópolis dizendo que a Dra. Lúcia estava solicitando que fosse providenciada uma cela especial para que seu “compadre” (Delegado  “G.V”.), a fim de que pudesse cumprir sua pena. Rapidamente providenciei o local e fiquei aguardando a chegada do mais novo “hóspede”. Estranhei o fato, pois passaram alguns dias e nada, até que fui me informar e soube que a Dra. Lúcia havia acertado com o Governador Paulo Afonso, com a Justiça e com o Comandante-Geral da PM (Coronel Walmir Lemos) para que o Delegado  “G.V cumprisse sua pena no 4º Batalhão/Florianópolis. Mais, ainda, conseguiu que fosse publicado o ato de aposentadoria do referido Delegado com data retroativa (anterior à decisão do STJ). Por fim, como o Delegado G.V. precisava de um trabalho para justificar o “regime aberto”, foi convocado para exercer a função gratificada de “Delegado Distrital” (aposentados poderiam exercer essa função), segundo soube, de quebra o referido Delegado foi designado para prestar serviços na Diretoria de Polícia Técnico-Científica. Assim, o Delegado “G.V.”  teve um final muito feliz. Já o Dr. Alcino Silva, depois de alguns anos, foi visto por colegas com uma bíblia debaixo do braço, travestido de “Charles Chaplin”, numa praça de Itajaí, fazendo sermões messiânicos para ganhar trocados... Num determinado dia encontrei o Dr. Evaldo Vieira na Corregedoria da Polícia Civil (nessa época ele prestava serviços como voluntário) e relatei esse fato. Imediatamente ele comentou que sabia que o Dr. Alcino sofria de problemas de saúde e que também não concordou com o resultado da perícia...
  14. O caso “Dra. Sandra Andreatta” também marcou época. Quando estava em campanha para a Adepol em 2011, lancei um “jornalzinho” e numa das edições que veiculei na “rede” interna a foto da Dra. Lúcia figurou  ao lado de Sandra. Pura coincidência, mas os antigos sabiam das rusgas que existiam entre essas duas Delegadas. A Dra. Sandra aparecia “chorando” na foto (um episódio que ocorreu no passado e que teve repercussão midiática, levando-a a uma situação de quase desespero em razão da tamanha injustiça...). Alguns colegas passaram a hostilizá-la, como foi o caso do Delegado Renato Hendges, Presidente da Adepol-SC, já que ela integrava a nossa chapa e ele não a perdoava ou não queria aceitar que tudo teria sido uma “armação” da imprensa visando exploração de imagem, com “excessos” na repercussão dos fatos contra nossa amiga. A Dra. Lúcia foi uma das que defendia medidas drásticas contra a Dra. Sandra (já tinham desavenças antigas), mas nós da Corregedoria (inclusive o Delegado Nilton Andrade) ficamos completamente do seu lado, mantendo-a normalmente nas comissões de processos disciplinares (inclusive, designando-a para outros), sem que respondesse a qualquer procedimento correicional por aqueles fatos. Lembro que quando o nosso “jornal” eletrônico foi veiculado a Dra. Lúcia me ligou no celular (estava em Itapema) e ela foi logo falando com aspereza em sem dar “bom dia”: “Genovez, que negócio é esse de tu colocares a minha foto ao lado daquela... Um absurdo, como é que tu fosses fazer uma coisa dessas comigo?”. Imediatamente argumentei que seu entendimento estava errado, coloquei as fotos delas juntamente com mais outras Delegadas, isso como forma de demonstrar nossos valores femininos, nossas lutas diárias frente a Delegacias da Mulher..., os desgastes, os riscos..., sem qualquer outro objetivo. Dra. Lúcia ainda argumentou: “Eu não sei mexer em computador, quem me mostrou esse teu ‘jornalizinho’ foi a Giovana, ela que veio me mostrar...”. Depois de me ouvir a Dra. Lúcia agradeceu as explicações e eu argumentei que nosso objetivo era a união de todos... O engraçado foi que na sequência também a Delegada Sandra Andreatta  conversou comigo protestando sobre a publicação daquela sua foto (estava nos jornais da época e na internet), argumentando que remetia a um momento muito difícil que passou na sua vida. Respondi que estava numa saia justa porque a Dra. Lúcia também reclamou... Disse para Dra. Sandra que tudo aquilo tinha que ser superado e que nosso objetivo era a união de todos, a superação das nossas diferenças internas e a necessidade de se buscar o fortalecimento da instituição e mudar a nossa história.
  15. Depois, quando fui atuar na Corregedoria (2004 – 2016) senti que a Dra. Lúcia voltou a ser doce comigo, especialmente, em se tratando de procedimentos disciplinares relativos à 5ª DP/Capital que estava sob sua responsabilidade.
  16. Sempre que Dra. Lúcia era intimada a vir até a Corregedoria eu perguntava se ela não iria se aposentar, pois já havia passado da compulsória. Ela respondia com um misto de orgulho e convicção que trabalharia até os setenta e cinco anos. Eu, brincando, retrucava, sim, mas vais viver ainda quantas vidas?” Numa certa ocasião, havia separado uma foto de formatura dela em 1971, que remontava, ainda, à antiga Escola de Polícia. Somente eu tinha essa foto e ela nem se lembrava do fato (a solenidade foi realizada na UFSC). Perguntei: “Lúcia, vê se tu reconheces essa moça loira, ainda uma ‘Pericó’ recebendo o diploma?” Ela ao se reconhecer ficou  emocionada, pediu para olhar mais e ficou durante bom tempo folheando o “caderno”...
  17. Quando a Dra. Lúcia estava hospitalizada em razão de um “AVC”, isso durante o tempo que permaneceu na “UTI”, uma policial civil esteve algumas vezes lhe visitando (“Hospital Baia Sul”), numa dessas suas visitas, ao vê-la sem poder falar, apenas ouvir, percebeu que ela estava derramando lágrimas, enquanto a Agente (Edilene) aproveitou para rememorar fatos vivenciados por ambas na 6ª DP/Capital, sem contar palavras de conforto apropriadas para a ocasião. Doutora Lúcia sempre se revelou uma fortaleza, mas na sua condição certamente que teve muito tempo para pensar na sua existência, nas pessoas... Chequei a pensar em lhe fazer uma visita, mas desisti e em silêncio desejei o seu melhor destino e que encontre a paz.