HISTÓRIA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: "DELEGADOS DE POLÍCIA: QUEM SÃO AUTORIDADES POLICIAIS?" (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 14/09/2017 | DireitoA utilização legal do termo “autoridades policiais” para designar "Delegados de Polícia"ocorreu por conta da Lei n. 261/1841 que logo em seu art. 1°., assim estabeleceu:
“Haverá no município da Corte, e em cada Província um Chefe de Polícia, com os Delegados e Subdelegados necessários, os quaes, sobre proposta, serão nomeados pelo Imperador, ou pelos Presidentes. Todas as Autoridades Policiaes são subordinadas ao Chefe da Polícia”.
Posteriormente, a Lei Imperial n. 2.033, de 20.9.1871, regulamentada pelo Decreto n. 4.824, de 22.11.71, também trouxe esse mesmo tratamento para denominar como "autoridades policiais" os Delegados de Polícia, até porque no período anterior estavam investidos de funções jurisdicionais. A referida legislação trouxe inúmeras inovações no que diz respeito as funções desenvolvidas pelos Judiciário, Ministério Público e Polícia Judiciária (mais tarde chamada de "Polícia Civil"). Inicialmente, prescreveu disposições acerca da Organização Judiciária que se estendia a todo o Império e serviram de base para as reformas implementadas mais tarde por Gustavo Richard no Estado de Santa Catarina (por ocasião da Lei n. 104, de 19.8.1891 que criou o Superior Tribunal de Justiça e também dispôs sobre o Ministério Público - art. 95). Dentre outras inovações, prescreveu atribuições jurisdicionais e de polícia judiciária para as autoridades policiais, conforme segue:
a) Art. 10, do sobredito Decreto Imperial especificou quais eram as reduções (procurou separar as funções de polícia e Justiça);
b) Art. 11, estabeleceu que compete aos Delegados de Polícia: 1°. - Preparar os processos dos crimes do art. 12, par. 7°., do citado Código; procedendo ex-officio quanto aos crimes policiaes” (previsto também no art. 4°., da Lei n. 2.033/71). “2°.- Proceder ao inquérito policial e a todas as diligencias para o descobrimento dos factos criminosos e suas circunstâncias, inclusive o corpo de delicto. 3°. - Conceder fiança provisória”; no mesmo sentido;
c) Art. 13, fixou como competência exclusiva dos juízes de direito as funções jurisdicionais anteriormente exercidas por autoridades policiais e previstas no par. 7°., do art. 12, do Código de Processo Penal;
d) Art. 38, também reiterava as funções investigatórias da polícia e que estavam previstas naquela legislação regulamentada: “Os Chefes, Delegados Subdelegados de Polícia, logo que por qualquer meio lhes chegue a notícia de se ter praticado algum crime comum, procederão em seus districtos às diligencias necessárias para descobrimento de todas as suas circunstâncias e dos delinquentes”;
e) Art. 39, as diligências a que se refere o artigo antecedente comprehendem: 1°. - o corpo de delito directo, 2° - Exames e buscas para apprehensão dos instrumentos e documentos. 3°. - Inquirição de testemunhas que houverem presenciado o facto criminoso ou tenham razão de sabêl-o 4°. - Perguntas ao reo e ao offendido”.
No âmbito do Estado de Santa Catarina - ainda no Século XIX -, a primeira legislação que cuidou do termo "Autoridades Policiais" foi a Lei Provincial n. 12, de 5 de maio de 1835, sancionada pelo Presidente Feliciano Nunes Pires que criou a "Força Policial" com a finalidade de substituir as Guardas Municipais, a começar pela cidade de Desterro, conforme orientação da Capital do Império, e que veio a se transformar no que hoje conhecemos como Polícia Militar (denominação adotada a partir da Constituição de 1946). Nos termos do art. 5º, dessa legislação: "Nas Villas da Laguna, Lages, São Francisco, S. José, S. Miguel, e Porto Bello, o serviço policial será feito por pessoas alistadas pelo Juiz de Paz da cabeça do Termo (leia-se: autoridade policial depois transformada em Delegado de Polícia, com as reformas de 1841/1842 ao Código de Processo Criminal de 1832, tendo este atribuído inicialmente aos "Juízes de Paz" as funções de polícia judiciária e administrativa. No art. 8º, da legislação provincial, constava ainda a seguinte prescrição:
“A Força Policial dos municípios mencionados no art. 5°, hé immediatamente subordinada ao Juiz de Paz da Cabeça do Termo que a prestará o serviço as Authoridades Policiaes, que a requisitarem, e que poderá demitir os alistados quando não cumprirem com as suas obrigações”.
Considerando os documentos existentes no Arquivo Público, a mencionada locução remonta ainda à época da Província e demonstra também que as reformas previstas nas legislações no âmbito do Império (Lei 261/41 e Regulamento 120/42) tiveram quase que imediata aplicação, senão vejamos:
“DO: Chefe de Polícia interino – Joaquim Almeida Coelho (Juiz de Direito).
AO: Marechal Antero Joze Ferreira de Brito – Presidente da província.
ASSUNTO: Informa sobre o paradeiro de um imigrante alemão (Sadler) e que teria falecido durante a viagem.”
“Recebendo às ordens de V. Exa que me forão expedidas em data de 21 de Março proximo passado, ordenei as Authoridades Policiaes da Provincia, que procedendo as mais inescropulozas indagações me informassem, para ser presente a V. Exa., quanto podessem obter acerca de Luiz Sadler, vindo da Alemanha para o Brazil em 1826 em o Navio = La Crisle = Capitão (?); estando já recebido participação de algumas das mesmas Authoridades, afirmando que nos seus respectivos districtos não existe, e nem nelles constava ter falecido o sobredito Sadler, recebo agora do Juiz de Direito interino da Villa de Laguna o officio incluso, acompanhado do Juiz de Paz da Freguezia de Imaruhy, informando que no lugar de Garatingaba reside, e se acha casado o referido Sadler; e ainda que se nota alguma alteração no apelido de = Sadler, achando-se escripto no Officio do Juiz de Paz = Sadler = parece que isto procede de erro d’escripta, pois que o Juiz de Direito da Laguna está (?) ser este indivíduo o proprio Sadler por quem se procura, e as confissões deste assim o confirma-o: avistado que V. Exa. resolverá o que for servido. Deos Guarde a V. Exa. Desterro 13 de abril de 1842.”
Com a restauração dos cargos de Delegados de Polícia (as reformas de 1841/1842 fizeram cessar a competência dos Juízes de Paz para assuntos policiais) os códigos de posturas previstos na Constituição de 1824 passaram a mencionar o termo “autoridade policial”, seguindo a orientação contida nas legislações imperial e provincial vigentes. Nesse sentido, a Lei n. 1.238, de 22.10.1888 que havia aprovado o Código de Posturas de Desterro - Capital da Província de Santa Catarina (Florianópolis), em seu art. 196 - sobre a fiscalização de armas e munições, já preceituava que:
“É prohibido sem licença das autoridades policiaes, o uso das seguintes armas offensivas: espingardas, clavinoto ou clavina, pistola, rewolver, espada, florete, punhal, facão, faca de ponta, canivete grande ou de mola, bengala ou capéo de sol com estoque ou punhal, e cacete”.
A primeira vez que se utilizou no Estado de Santa Catarina a designação “auxiliares da autoridade policial” foi por ocasião da Lei n. 856, de 19 de outubro de 1910 que em seu art. 7°., estabelecia que:
“As autoridades policiaes terão como auxiliares: a) um médico legista; b) os empregados da Secretaria de Polícia; c) os escrivães dos juizes de paz; d) os officiaes de justiça; e) os carcereiros e seus ajudantes; f) o corpo de segurança do Estado (atual Polícia Militar)”.
No governo Hercílio Luz foram implementadas reformas na Polícia Civil, por meio da Lei n. 1.297, de 16.9.1919 (terceira lei de organização policial do Estado) e que em seu art. 1°., inciso V, estendeu a outras categorias a designação de autoridades policias, conforme segue:
“Serão autoridades policiais: 1°. O Chefe de Polícia; 2°. Um Delegado Auxiliar, com jurisdição em todo o Estado; 3°. Os Delegados Regionais com jurisdição nos municípios, constitutivos da região; 4°. Os Delegados de Polícia, com jurisdição nos territórios dos respectivos municípios; 5°. Os Delegados Especiais; 6°. Os Sub-Delegados, com jurisdição nos territórios dos respectivos districtos; 7°. Três Comissários de Polícia na Capital do Estado; 8°. Os Inspetores de Quarteirão”.
Durante o governo Adolpho Konder (1926 /1930) registraram-se grandes avanços institucionais na Polícia Militar protagonizadas pelo ponta-grossense Coronel Lopes Vieira (Comandante-Geral da PMSC e que foi padrinho do incipiente Sargento Antonio Lara Ribas, grande expressão da Polícia catarinense), como a reformulação de legislação, reformas de prédios, aumento de efetivo, criação do curso de Preparação para Oficiais, dentre outros avanços) e, também, maior prestígio pessoal (era do Partido Republicano e candidato à sucessão ao governo do Estado), passando a influir cada vez mais na nomeação de Oficiais/PM para cargos de Delegados de Polícia, passando a serem investidos das funções de "autoridades policiais" (art. 1°., inciso V, da Lei n. 1.297, de 16.1919), auferindo a correspondente gratificação pelo exercício das funções, como ocorreu com Lara Ribas nas funções de Delegado de Polícia da Capital, Delegado Regional de Porto União e Canoinhas e, finalmente, Delegado do DOPS (inciso XII, desse mesmo artigo). A partir daí, praticamente esses oficiais vieram a ocupar grande número de Delegacias Regionais e Especiais, passando à condição também de "autoridades policiais". O Coronel Lopes Vieira, muito ligado às oligarquias que comandavam o cenário político na década de vinte, acabou fazendo essas inovações se refletirem até o início da década de noventa (muitos militares continuaram a exercer funções de autoridades policiais até a vigência da Lei Complementar n. 55 de 29 de maio de 1992), apesar do crepúsculo daquele dirigente militar/político pego de surpresa pela "Revolução de Trinta".
A Lei n. 4.898, de 09 de dezembro de 1965 regulou o direto de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal nos casos de abuso de autoridade. Logo no seu art. 1º consta:
"O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei". (sublinhei)
Para os efeitos dessa legislação "autoridade" aplicada ao poder público "é um gênero ou uma simples fonte de poder. É a base de qualquer tipo de organização hierarquizada, sobretudo no sistema político. é tudo aquilo que tem autoridade sobre você, policiais, diretoras, professoras e outros..." (ver "Wikepédia").
O direito positivo tem enfocado da seguinte maneira quem seja "autoridade" para efeitos desse legislação:
“(...) 3. O fato de o ato de demissão conter menção a dispositivos legais reveladores de transgressões diversas e para as quais são previstas penas mais brancas não o vicia. Suficiente é que dele conste a alusão àquele que conduz a pena de demissão. O procedimento do servidor pode ensejar a variedade de enfoques, como ocorre relativamente ao Policial Federal quando o ato praticado provoque escândalo e comprometa a função (VIII), revele descumprimento de leis e regulamentos (XX), negligência (XXIV), atentado, com abuso de autoridade ou, valendo-se desta, a inviolabilidade de domicílio (LVIII) e, ao fim, que o agente se prevaleceu abusivamente, da condição de funcionário público, aspecto a atrair, ao contrário das demais figuras, a pena mais drástica, que é a de demissão (XLVIII) – incisos do artigo 364 do Decreto n. 59.310/66” (STF, Tribunal Pleno, MS n. 21.297, DF, data da dec.: 28.02.92). (sublinhei)
"TRF da 1ª Região – Apel. Crim. N. 01000141823 – “Penal. Abuso de autoridade. Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965, art. 4º, ‘h’, Fiscal da Receita Federal. Constitui abuso de autoridade a prática de ato lesivo da honra do cidadão. Na hipótese, o acusado exorbitou do poder. Ciente e consciente de que a vítima nada tinha trazido do exterior, pois provara que procedia do Estado de São Paulo, mesmo assim o obrigou abrir a mala, vistoriou-a, e não satisfeito, apreendeu um barbeador elétrico usado e um telefone celular, já habilitado. O cúmulo do abuso de poder. Manifesto, por conseguinte, o propósito de humilhar, amesquinhar”. (sublinhei)
O primeiro Estatuto da Polícia Civil catarinense (Lei n. 5.267/1976) manteve a tradição histórica ao prever em seu art. 8°: "São Autoridades Policiais: I - Os Delegados de Polícia".
A Lei n. 7.720, de 31 de agosto de 1989 (instituiu a isonomia salarial entre Delegados de Polícia e Promotores de Justiça no Estado de Santa Catarina), veio a desentranhar as Autoridades Policiais do Subgrupo ANS (carreiras de "Atividades de Nível Superior"), as quais passaram a compor isoladamente um terceiro subgrupo.
A Lei Complementar n. 55, de 29 de maio de 1992 recepcionou o "Subgrupo: Autoridade Policial" e introduziu o sistema de entrâncias, assegurando prerrogativas aos Delegados de Polícia similar às carreiras da magistratura (autoridades judiciais) e Ministério Público.
A mesma situação encontra-se hoje recepcionada pelo atual Estatuto da Polícia Civil (Lei n. 6.843/86, art. 9º, I) que manteve o "Subgrupo: Autoridade Policial".
A Lei Complementar nº 453, de 05 de agosto de 2009 manteve o subgrupo, conforme dicção do art. 1º que dispôs:
"Fica instituído, nos termos desta Lei Complementar, o Plano de Carreira dos Servidores do Grupo Segurança Pública - Polícia Civil, Subgrupo Autoridade Policial e Subgrupo Agente da Autoridade Policial, ativos, inativos e pensionistas, destinado a organizar os cargos de provimento efetivo permitindo a evolução funcional do policial...".
Por meio do Provimento n. 04/98, da Corregedoria-Geral da Justiça (DJ 10.137, de 21.01.99),subscrito pelo Desembargador Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho (CGJ), objetivando esclarecer o art. 69, da Lei n. 9.099/95 (instituiu os termos circunstanciados), em seu art. 1°, dispôs que autoridade:
"... é o agente do Poder Público com possibilidade de interferir na vida da pessoa natural, enquanto o qualificativo policial é utilizado para designar o servidor encarregado do policiamento preventivo ou repressivo".
No art. 2°, do referido Provimento, o magistrado procurou resguardar os Delegados de Polícia, preconizando que ‘ressalvando o parágrafo único do art. 4° do Código de Processo Penal, a atividade investigatória de outras autoridades administrativas, ex vi do art. 144, parágrafo 5°, da Constituição da República, nada obsta, sob o ângulo correicional, que os Exmos. Srs. Drs. Juízes de Direito ou Substitutos conheçam de ‘termos circunstanciados’ realizados, cujo trabalho tem também caráter preventivo, visando assegurar a ordem pública e impedir a prática de ilícitos penais’.
Em seus considerandos, consta, ainda, do referido Provimento as seguintes especificações preliminares:
"... que a imprecisão acerca do conceito de autoridade policial pode prejudicar a investigação de um fato punível, embaraçando o funcionamento de parte da Justiça Criminal (CDOJESC, art. 383, IX)’; ‘... que todo policial, inclusive de rua, é autoridade policial (2a Conclusão da Reunião de Presidentes de Tribunais de Justiça, Vitória/ES, 20/10.95); ... que autoridade policial compreende todas as autoridades reconhecidas por lei (9a Conclusão da Comissão Nacional de Interpretação da Lei n. 9.099/95, da Escola Nacional da Magistratura, Brasília, 10/95); ... que ‘A expressão ‘autoridade policial’, prevista no art. 69 da Lei n. 9.099/95 abrange qualquer autoridade pública que tome conhecimento da infração penal no exercício do poder de polícia” (1a Conclusão da Confederação Nacional do Ministério Público, Júlio Fabrini Mirabete, ‘Juizados Especiais Criminais’, 2a ed., Ed. Saraiva, pág. 60); ...que, embora peça híbrida entre o boletim de ocorrência e o relatório do Inquérito Policial (Joel Dias Figueira Júnior e Maurício Antonio Ribeiro Lopes, ‘Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais’, ed. RT., 2a ed., pág. 472), nada impede que a autoridade policial responsável pela lavratura do termo circunstanciado ‘seja militar’ (Damásio E. de Jesus, ‘Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada’, 2a ed. Editora Saraiva, pág. 53)”.
"Mutatis mutandis", quanto a citação do ilustre jurista Julio Fabbrini Mirabete, tão somente, para efeito de afastar qualquer dúvida sobre o seu entendimento, colhe-se de seus ensinamentos:
"As autoridades policiais são as que exercem a polícia judiciária que tem o fim de apuração das infrações penais e da sua autoria (art. 4o do CPP)".
Paulo Lúcio Nogueira, tecendo comentários acerca do art. 69, da Lei n. 9.099/95, ensina que: "Autoridade policial referida na lei só pode ser o Delegado de Polícia..." (in Curso Completo de Processo Penal, Saraiva, 11a ed., 2000, SP, pág. 41).
Entretanto, tem-se afirmado que, no que diz respeito às infrações penais de menor potencial ofensivo, qualquer agente público que se encontre investido da função policial, ou seja, de poder de polícia, pode lavrar o termo circunstanciado ao tomar conhecimento do fato que, em tese, possa configurar infração penal, incluindo-se aqui não só as polícias federal e civil, com função institucional de polícia judiciária da União e dos Estados, respectivamente (art. 144, par. 1o, inc. IV, e d par. 4o da CF), como à polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal e policiais militares ( art. 144, II,III e V, da CF).
Embora estas últimas não tenham atribuições para a lavratura do auto de prisão em flagrante de competência das polícias civil e federal, há entendimento de que a lei se refere a todos os órgãos encarregados pela Constituição Federal da defesa da segurança pública, para que exerçam plenamente sua função de restabelecer a ordem e garantir a boa execução da administração, bem como do mandamento constitucional de preservação da ordem pública ( art. 5º, §5º da CF).
Assim, todo agente público regularmente investido na função de policiamento preventivo ou de polícia judiciária poderia conduzir o autor do fato à presença da autoridade policial civil ou do próprio Juizado para a lavratura do termo circunstanciado, conforme disponham as legislações estaduais. Não nos parece procedente tal interpretação. O conceito de "autoridade policial" tem seus limites fixados no léxico e na própria legislação processual. "Autoridade" significa poder, comando, direito e jurisdição, sendo largamente aplicada na terminologia jurídica a expressão como o "poder de comando de uma pessoa", o "poder de jurisdição", ou " o direito que se assegura a outrem para praticar determinados atos relativos a pessoas, coisas ou atos". É o servidor que exerce em nome próprio o poder do Estado, tomando decisões, impondo regras, dando ordens, restringindo bens jurídicos e direitos individuais, tudo nos limites da lei. Não têm esse poder, portanto, os agentes públicos que são investigadores, escrivães, policiais militares, subordinados que são às autoridades respectivas.
No sentido legal e constitucional, as polícias civis são dirigidas por " delegados de polícia de carreira" ( art. 144,§4º, da CF). O Delegado de Polícia é a autoridade competente para a instauração e presidência do inquérito policial ( embora por lei possa ser atribuída a outras, expressamente, essa função - art. 4º e seu parágrafo único, do CPP) e para a lavratura do auto de prisão em flagrante ( art. 304 do CPP).
A expressão "autoridade policial", aliás, é citada em outros dispositivos da lei processual comum ( arts. 5º,§§3º e 5º, 6º,7º 9º,10,§§1º a 3º, 13 a 17, 20 e parágrafo único; 21, parágrafo único, 22 e 23, 39,§§ 1º,3º e 4º, 46, 241, 301, 307, 308, 311, 325, 326, 332, etc), sempre com única referência ao delegado de polícia. A distinção da figura da autoridade policial e dos demais agentes policiais é registrada no Código de Processo Penal, que se refere "às autoridades ou funcionários" ( art. 47 do CPP), ou a autoridades e "seus agentes" ( art. 301). Na legislação processual comum, aliás, só são conhecidas duas espécies de "autoridades": a autoridade policial, que é o Delegado de Polícia, e a autoridade judiciária, que é o juiz de Direito.
Somente o Delegado de Polícia e não qualquer agente público investido de função preventiva ou repressiva tem, em tese, formação técnica profissional para classificar infrações penais, condição indispensável para que seja o ilícito praticado incluído ou não como infração penal de menor potencial ofensivo. Somente o Delegado de Polícia pode dispensar a autuação em flagrante delito, nos casos em que se pode evitar tal providência, ou determinar a autuação quando o autor do fato não se comprometer ao comparecimento em Juízo, arbitrando fiança quando for o caso. Somente ele poderá determinar as diligências imprescindíveis à instauração da ação penal quando as provas da infração penal não foram colhidas por ocasião da prisão em flagrante delito.
Assim, numa interpretação literal, lógica e mesmo legal, somente o delegado de polícia poderia determinar a lavratura do termo circunstanciado a que se refere o art. 69... Em suma, a Lei que trata dos Juizados Especiais em nenhum de seus dispositivos, mesmo remotamente, se refere a outros agentes públicos que não a autoridade policial. Conclui-se, portanto, que, à luz da Constituição Federal e da sistemática jurídica brasileira, autoridade policial é apenas o delegado de polícia, e só ele pode elaborar o termo circunstanciado referido no art. 69. Dessa forma os agentes públicos que efetuarem prisão em flagrante devem encaminhar imediatamente as partes à autoridade policial da Delegacia de Polícia da respectiva circunscrição". ( in Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 60/1).
A OAB/SC, por meio de seu Presidente – Jefferson Luiz Kravchychyn -, impetrou Mandado de Segurança em data de 21.05.99 contra o Desembargador Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho – Corregedor-Geral da Justiça/SC, aduzindo:
"(...) 1.14 – Outrossim, é de se destacar que inexiste lei que faculte o deslocamento de função policial judiciária civil para a polícia militar. Como também não há lei que autorize o ato atacado, de dilatar o conceito de ‘autoridade policial’ para abranger o policial militar de modo que esse venha a praticar atos de polícia judiciária civil na apuração de crimes comuns de menor potencial ofensivo, objeto do termo circunstanciado, previsto na Lei Federal n. 9.099/95 (...). 2.14. Assim, a Autoridade Policial, mencionada no Código de Processo Penal Brasileiro, ordenamento legal para instrução do Processo Penal, fase inquisitória e contraditória, de há muito, é o Delegado de Polícia. A Lei n. 9099/95, veio agilizar este, nos delitos de menor insignificância penal ou potencial, como queira, não cabendo nenhuma dúvida, de quem seria responsável pelo Termo Circunstanciado, pois se nos atermos ao in fine do Artigo 69, da mencionada Lei, verificaremos que só a Autoridade Policial (Delegado de Polícia), membro do Ministério Público (Promotor de Justiça) e Membro do Poder Judiciário (Juiz de Direito), é que podem, em termos de CPP, requisitar exames periciais. Portanto a Autoridade Policial ali mencionada é o Delegado de Polícia, mais ninguém, nem seus agentes e auxiliares, quiçá qualquer membro da Polícia Militar, que até poderá requisitar perícia, mas o fará dentro das previsões do CPPM e não do CPP, apurando infração penal militar e, como Oficial Encarregado de IPM, mas nunca como apenas um membro da Polícia Militar e em delito de natureza comum. 2.15. Tal entendimento, se coaduna com o melhor posicionamento acerca da matéria, conforme se observa das conclusões extraídas do IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado nos dias 29 e 30 de Ago 97, em São Paulo, SP, onde através do Comunicado de n. 20, de 16 Out 97, na Resolução de Matéria Criminal, em seu item 7, por maioria daquele encontro resolveram: ‘A Autoridade Policial a que se refere à Lei n. 9099/95, é o Delegado de Polícia (...). E como pedido final: I – concessão de liminar objetivando a suspensão dos efeitos e aplicação do Provimento 04/99; II – Concedida a liminar e executada esta, seja processado o mandamus, com a ouvida do Ministério Público e, ao final, deferida a Segurança com vistas a anulação do ato administrativo por desvio de poder e ofensa à Carta Magna’. O mandado também veio assinado pelo advogado Luiz Fernando Molleri".
O Delegado João Lipinski – Corregedor-Geral da Polícia Civil, em reunião do Conselho Superior da Polícia Civil realizada em data de 25.05.99, expôs que a entrada da OAB/SC se deveu em razão da necessidade de se ter uma entidade de peso à frente da discussão da matéria, especialmente, porque a Adepol/SC não teria tanto cacife para bancar essa ação e obter sucesso no seu deslinde.
Conclui-se que o Provimento no 14/1999 constitui-se ato administrativo não normativo editada no âmbito do Poder Judiciário, portanto, não poderia ser imposto ao Poder Executivo não só porque não se trata de legislação infraconstitucional, mas de forma preponderante, porque fere a simples autonomia entre os Poderes da República já que se trata de procedimento. Estreme de dúvida, somente a União pode legislar sobre matéria processual penal, em especial, em se tratando de deformar competências como o exercício das funções de polícia judiciária por Delegados de Polícia (art. 22, CF/88).
Por último e para completar essas assertivas: "São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento" (Súmula 722, STF).