HISTÓRIA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: DELEGADOS DE POLÍCIA E PROMOTORES DE JUSTIÇA – ANO DE 2001: LUTA DESIGUAL (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 23/10/2017 | História

 

Dia 2.7.2001, por volta de dez horas e quarenta minutos recebe o Diário Oficial e logo vi na primeira página a publicação da Lei n. 11.759, de 25.06.2001 que criava dezessete cargos comissionados no âmbito do Ministério Público do Estado, nível DASU-2.

Estava na “Assistência Jurídica” da Delegacia-Geral da Polícia Civil (com sede na época localizada na Av. Osmar Cunha – Centro de Florianópolis) e desci até o andar térreo. O ob objetivo era pedir para a policial Raquel do protocolo tirar cópia dessa Lei. Enquanto aguardava a cópia segui em frente alguns passos e percebi a presença do Delegado Wilmar Domingues que estava no seu gabinete.  Mostrei a Lei, comentando: “Veja só isso. Enquanto o Alberton luta pelo Ministério Público aqui ninguém assume nada. Todos tiram o corpo fora. Tá aqui uma forma de se conceder aumento para o Ministério Público, é bem provável que os Procuradores de Justiça vão ser nomeados ou indicarão pessoas para esses cargos (cargos comissionados de assessoramento-assistência), a exemplo do que ocorre com os Coronéis da Polícia Militar que têm cargos comissionados vinculados..., enquanto que por aqui os Delegados Especiais estão à míngua, jogados por aí, que barbaridade. Olha, Wilmar eu acho que vou mandar uma CI para o Lipinski dizendo relatando coisas, mas que dá vontade dá”. Wilmar se entusiasma com minha energia e sugere que eu botasse mesmo no papel. Retornei à  “Assistência Jurídica”  e redigi o documento: “Comunicação Interna n. 121/2001, data: 2.7.2001; DE: Assistência Jurídica Policial; PARA: Dr. João Manoel Lipinski DD. Delegado Geral da Polícia Civil; ASSUNTO: encaminhamento (FAZ); Senhor Delegado Geral -  Para conhecimento, encaminho Lei n. 11.759, de 25 de junho de 2001 (DOE n. 16.690, de 28.6.2001), que cria dezessete cargos de Assessor Jurídico, nível MP-DASU-2, Grupo Direção e Assessoramento Superior, de provimento em comissão no âmbito do Ministério Público do Estado. Felipe Genovez -  Delegado de Polícia EE”.  Coloquei no papel apenas o essencial, mas não deixei de cumprir os desígnios de Wilmar, figura que encarnava o descaso, o abandono, o desprestigiamento da classe, aliás, condição a que estávamos todos relegados, quase todos nós Delegados Especiais que não faziam parte do “jogo político” ou que não se deixavam violentar por seus princípios.

Dia 3.7.2001, por volta de nove horas e trinta minutos, o Delegado Lauro Cesar Radke Braga veio até a “Assistência Jurídica”. Trazendo nas mãos um “protocolo de intenções” protagonizado pelo Ministério Público. O documento tinha como objeto o controle da poluição sonora, bem como as medidas administrativas e policiais que deveriam ser adotadas em caso de abusos.  Braga havia sido “notificado”  a participar de uma  reunião  convocada por “Promotores de Justiça”. Disse que não foi porque achou uma arrogância por parte do Ministério Público notificá-lo para tal evento, “sob pena de condução”.  Braga também disse que mostrou o documento para o jornalista Helio Costa no seu Gabinete que chamou a atenção para o fato de que o documento previa a possibilidade de policiais militares poderão lavrar termos circunstanciados em caso de infração criminal. 

No dia seguinte, na parte da tarde, o Delegado Braga retornou na “Assistência Jurídica”, e pude observar que havia deixado em cima de minha mesa a comunicação interna endereçada ao Delegado-Geral João Manoel Lipinski, cujo documento havia ajudado a redigir: “URGENTE - CI n. 106/2001 – DATA: 03.07.01 – DE: Responsável pela Fiscalização de Jogos e Diversões  PARA: Delgado Geral da Polícia Civil – João Manoel Lipinski – ASSUNTO: Encaminhamento – Encaminho cópia do PROTOCOLO DE INTENÇÕES  - PROGRAMA SOM CIDADÃO,  colocando alguns absurdos que constatei na mencionada proposta: 1 – Quanto ao item III ( DA POLÍCIA MILITAR): ‘Efetivar Termo Circunstanciado quando constatado abuso na utilização e encaminhamento ao juizado Especial Criminal’: a) Ora, esta me parece uma velha discussão: ‘pode policiai militares lavrarem termos circunstanciados?’ Paulo Lúcio Nogueira, tecendo comentários  acerca do art. 69, da Lei n. 9.099/95, ensina que ‘Autoridade policial  referida na lei  só ode ser o Delegado de Polícia ....’  (in Curso Completo de Processo Penal, Saraiva, 11a ed., 2000, SP, pág. 41). B) Tal entendimento, se coaduna com o melhor posicionamento acerca da matéria, conforme se observa das conclusões extraídas do IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado  nos dias 29 e 30 de Agosto/97, em São Paulo, SP, onde através do Comunicado de n. 20, de 16.10/97, na Resolução de  Matéria Criminal, em seu item 7, por maioria  daquele encontro resolveram: ‘A Autoridade Policial a que se refere à Lei n. 9.099/95, é o Delegado de Polícia (...)’. 2. A fiscalização de jogos e diversões públicas é da competência constitucional da Polícia Civil (art. 106, inciso VI, CE/89). 3. A par disso, entendo como irremediável a omissão do nome do Delgado-Geral da Polícia Civil como um dos principais subscritores do referido documento, especialmente, porque a corporação que comanda está calçada nos princípios da hierarquia e disciplina (art. 60, da L. 6.843/86 – Estatuto da Polícia Civil) e a sua violação constitui infração disciplinar prevista nos arts. 208, XVI e 209, II, do mesmo diploma estatutário. 4. Salto aos olhos constatar que no documento também consta (itens II e III, Segurança Pública) atribuições que já são executadas  por esta Gerência/DGPC. Por último, entendo que a assinatura do Titular da Pasta, a quem compete o comando político e administrativo superior da Polícia Civil, por si só já é o suficiente para tornar prescindível a assinatura deste subscritor ao referido documento. Atenciosamente, LAURO CEZAR RADTKE BRAGA – Delegado de Polícia Especial – Responsável pela GFJD”.

A pergunta que ficou no ar foi a seguinte:  “por quê o Delegado-Geral não quis assinar o documento protagonizado principalmente pelo MP/SC (José Galvani Alberton), por Antenor Chinato Ribeiro - Titular da Pasta/SSP, João Omar Macagnan - Secretário Estadual de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Ângela Regina Heinzen Amin Helou - Prefeita Municipal,  Walmor Backes/PM, Celito Cordioli/DPTC, dentre outras autoridades? Tinha dito para Braga que ele era apenas “responsável” pela Gerência, uma espécie de “quebra-galho”.

Dia 5.7.2001, por volta de dez horas e trinta minutos o Delegado Braga apareceu novamente na “Assistência Jurídica”. Mostrei alguns erros na comunicação interna que o mesmo havia endereçado ao Delegado-Geral João Lipinski. Depois de algumas conversas iniciais mostrei o Diário da Justiça que estava nas minhas mãos naquele exato momento (DJ 10.735/2001), onde na primeira página constava um mandado de segurança (liminar indeferida) em que os policiais militares lutam para receber a gratificação de operação veraneio: “(...)Os impetrantes, policiais militares da reserva, investem, com base no Decreto n. 3.525/98, na LC n. 137/95 e Lei n. 5.645/79, contra ato que taxam de ilegal das ilustres autoridades indigitadas coatoras, que suprimiram de seus proventos o percentual referente à gratificação  da operação veraneio, embora os respectivos valores tenham sido incorporados aos vencimentos dos policiais da ativa, a título de reajuste salarial (...)”.

Depois de ler a decisão, comentei com Braga: “eu não entendo, nós estamos nessa luta pela tal ‘isonomia’, gastando tempo, dinheiro, preocupação,  esperando uma decisão dos ‘velhinhos’ do Supremo, enquanto que os militares não precisaram de nada disso, foram lá e acertaram com o governador e estão ganhando igual a nós”. Braga deu de ombros e afirmou: “Mas o que tu queres?  Queres que o Mário vá lutar por nós, que o Lipinski tome alguma iniciativa? Não adianta, ninguém vai fazer alguma coisa, vão deixar tudo assim”.    Pedi desculpas a Braga pelo desabafo e completei: “Braga, veja os policiais militares estavam vendo adiante, lutaram para melhorar os salários  e nós? Vamos ficar aguardando o quê? Temos alguma visão para depois?” Braga respondeu que nós não estávamos vislumbrando nada,  estávamos apenas tentando sobreviver com o que tínhamos, esperando uma decisão da Justiça (sobre isonomia salarial com o MP). Aproveitei para argumentar: “Mas não era hora do Lipinski, do Mário procurarem o Heitor Sché (Delegado e Deputado Estadual), o João Rosa (ex-Delegado e Deputado Estadual), o Júlio Teixeira (Delegado e ex-Deputado Estadual) para ver se acertam essa isonomia com os Procuradores e, aí sim, podemos então lutar por algo mais, como o auxílio-moradia?” Braga concordou, mas insistiu que ninguém viesse tomar a dianteira, completando: “Olha, se o Lipinski sair quem é que vai assumir essa ‘massa falida’? O Mauro com aquela moleza dele, é muito educado, ou o Peixoto que está lá no gabinete e é gentil? Eu já estou torcendo para que o Lipinski não saia”.