HISTÓRIA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: "DELEGADO MÁRIO MARTINS VIVE" - PRESIDENTE DA ADEPOL - SC (entrevista ao Diário Catarinense) (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 13/09/2017 | História

Entrevista do Dr. Mário Cesar Martins (Presidente da Adepol/SC) - 31 de agosto de 1997 (Domingo)

- Diário Catarinense

Digamos que todos nós temos nossos momentos de "mais luz" (parodiando Goethe[1]), que podem ocorrer ao acaso, naqueles flashes instantâneos ao longo de nossas vidas, onde o devido espaço e tempo pode fazer toda a diferença e se eternizar e cristalizar.

No nosso microespaço institucional, considerando a arquitetura do poder hierárquico e a história vista pela ótica dos vencedores, isso pode ocorrer  quando você está "montado no poder"  e lança mão do livre arbítrio não só para fazer alguma diferença dentre seus pares, mas, também, na sua breve e indelével existência humana, pode significar a diferença entre ser ou não ser, o que me parece foi o caso do Delegado Mário Martins no dia 31.08.1997.

Na condição de Presidente da Adpesc/Adepol/SC – Mário Cesar Martins[2] concedeu entrevista ao Diário Catarinense, falando sobre  ingerências políticas e alternância de poder a cada governo/administração no preenchimento de cargos na Polícia Civil, mormente, no que diz respeito às investiduras nos cargos de Delegado Regional de Polícia.

Para demonstrar que  "MÁRIO MARTINS VIVE" e para que possamos pensar melhor sobre nosso passado, presente e futuro,  transcrevo na íntegra as suas considerações tão presentes e dignas de registro histórico:

“DC - Como você avalia a ingerência política na Polícia Civil?

Martins - Vejo sob dois aspectos: primeiro, a ingerência do policial na política. Em segundo lugar, a ingerência da política no policial. Ao mesmo tempo em que é prejudicial à polícia, o policial ocupar um espaço político, também é prejudicial esta ingerência no policial. Com a facilidade que tem o policial de se candidatar a um cargo eletivo, ele passa a adquirir vícios de ordem política. Este policial começa a ter uma preocupação de ordem pessoal com relações de benevolências políticas, não conseguindo fazer um trabalho de polícia porque está ligado a determinado partido. Por isso, eu acho que a Secretaria de Segurança Pública deveria estabelecer critérios ao policial que pretende disputar cargo eletivo.

DC - De que forma seriam estes critérios?

Martins - Ele deveria se desincompabilizar, no mínimo, com três meses de antecedência. Hoje isto não ocorre. Ele continua na atividade policial fazendo política dentro de seu local de trabalho. O resultado social é lastimável. A politização da polícia começa com a indicação de delegados regionais feita por partidos políticos.

DC - Isto não é imoral?

Martins – Um dos vícios da Polícia Civil começa por aí. No momento em que os delegados começam a ocupar cargos de confiança,  eles também passam a criar um problema porque ficam vinculados à dependência político-partidária.  Esta circunstancia deve ser mudada com a Lei Orgânica que estamos elaborando. Esta lei vai determinar que se estabeleça a hierarquia em nível de entrância. Deve-se obedecer a antigüidade do posto policial na ocupação destes cargos comissionados. Hoje nós corremos o risco de perder o cargo de delegado regional. A lei não define que a ocupação tem que ser feita por um policial. O governador poderia indicar qualquer pessoa idônea para ocupar o cargos de delegado regional.

DC – Então porque ele sempre indica um delegado?

Martins – No mínimo há interesse do governador de que estes cargos sejam ocupados por técnicos em segurança pública. Estas pessoas só vão ser encontradas na área policial.

DC – O sucateamento da Polícia Civil e o aumento da criminalidade estariam relacionados com a politização da Segurança Pública?

Martins – Eu não diria que tudo é por conta disso. Mas com a politização da Polícia Civil houve um esquecimento do objetivo afim, que é Segurança Pública. Quando o policial é transferido para uma delegacia de comarca, para uma delegacia regional, para um diretoria, ou ainda para gerenciar um setor, ele fica muito mais próximo da dependência política que existe do que pelo trabalho que vai ter que desenvolver. Se ele não satisfazer os anseios meramente políticos, dependendo da força regional política que possa existir, ele corre o risco de ser transferido dali.

DC – Certo dia um delegado da capital fez o seguinte comentário: ‘Se eu for investigar o paradeiro do engenheiro Miguel Orofino tenho certeza de que vão me mandar para Chapecó’. Como o senhor reage a este comentário?

Martins – Este delegado não conhece a lei que a cada dia vem evoluindo. Hoje qualquer delegado de polícia pode instalar um procedimento investigatório sem o menor problema. Não existe o menor risco. Ele pode até sofrer algum tipo de pressão política. Mas ele usar como argumento que se investigar este caso vai ser transferido para outro município isto não é verdade, porque a lei garante a permanência dele no seu local de trabalho.

DC – Na sua opinião como deveria funcionar a Polícia Civil?

Marfins – Necessariamente a instituição teria que passar por uma Lei Orgânica legalizada. Nós temos uma série de espaços que não usamos pela própria fraqueza do amparo legal a que estamos sujeitos. Quando eu digo isto, eu quero dizer também que a perseguição política sequer seria formalizada no Diário Oficial. Mas para isso, repito, nós precisamos criar a Lei Orgânica que garanta a tranqüilidade e a estabilidade policial.

DC – O que define a Lei Orgânica?

Martins – A atividade policial civil e a atribuição de cada delegado nos cargos em que ele for designado. Um delegado de terceira entrância só pode ocupar uma delegacia de terceira entrância, respeitando a ordem hierárquica do judiciário.

DC – Como funcionam as entrâncias?

Martins – De acordo com o funcionamento do poder judiciário. São qualificações e promoções que se beneficiam o judiciário e delegados de polícia. As entrâncias são classificadas de acordo com o volume dos processos que tramitam no fórum da comarca. Uma Quarta entrância hoje comporta cidades como Joinville, Chapecó, Florianópolis, etc. Quando se cria um município cria-se também uma comarca de primeira entrância (...)”  (DC – Domingo, 31 de agosto de 1997, p. 64).

[1] Johann Wolfgang von Goethe (1749/1832, foi um dos grandes escritores da Alemanha e autor do clássico: "Fausto"): Algumas máximas: "...Todos deveríamos olhar em alguma direção em busca de algo, para um horizonte mais límpido, guiado por nossa luz interior. Temos todos... que buscar 'mais luz, mais luz'...".    "Um louco apaixonado seria capaz de fazer fogos artificiais com o sol, a lua e as estrelas, para divertir a mulher amada. ". "Onde há muita luz, mais forte é a sombra".

[2]O Delegado Mário Martins continua na ativa, apesar de seus mais de quarenta anos de serviços públicos, sendo que atualmente presta serviços na Ouvidoria da Segurança Pública. Foi Presidente da Adepol/SC entre os anos de 1996 a 2001. Pode ser descrito dentre seus mais próximos como uma "estrela apagada".