HISTÓRIA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE RISCO DE VIDA – INDENIZAÇÃO DE ATIVIDADE POLICIAL (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 20/09/2017 | História

 

I – Introdução:

Sobre a origem da gratificação de risco de vida, vamos nos  reportar a Lei n. 277, de 20 de dezembro de 1956.  Por  meio dessa legislação foi assegurado a aposentadoria com vencimentos integrais, após 25 anos de serviço público efetivo, aos funcionários que integravam a Colônia Santa Tereza, Colônia Santana, Hospital Nereu Ramos, Guarda de Trânsito, Penitenciárias, Guardas Sanitários, Departamento de Saúde Pública, Imprensa Oficial e policiais civis.

Também,  por meio da referida legislação veio conceder aos policiais civis uma gratificação pela execução de trabalho de natureza especial denominado - risco de vida -, cujo percentual seria arbitrado pelo Chefe do Poder Executivo, até o limite máximo de 1/3 (um terço) do vencimento da remuneração mensal, desde que o tempo de exercício nas mencionadas categorias funcionais fosse igual ou superior a 10 (dez) anos (arts. 1°., 2°. e 3°.,  da Lei  277/56 c/c arts. 196,  inciso V, e 202, par. 1°., da Lei 198, de 18 de dezembro de 1954  (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina).

II - Reflexos na aposentadoria especial:

A seguir, a Lei n. 340, de 7 de fevereiro de 1958, alterou a redação do art. 1°., da Lei 277/56, que passou a viger assim:

“Fica assegurado o direito de aposentadoria com vencimentos integrais, após vinte e cinco anos de serviço às seguintes categorias de funcionários: I - (...); VII - ao pessoal lotado na Polícia Civil (Secretaria da Segurança Pública)”.

III - Evolução da Gratificação de Risco de Vida: 

Posteriormente, a gratificação de risco de vida aos policiais civis passou a ser regida por meio da Lei n. 2.796, de 19 de dezembro de 1961 que além de reestruturar cargos públicos, alterar níveis e vencimentos, dispôs sobre a concessão da gratificação de risco de vida e saúde, prevista no art. 196, inciso V, da Lei n. 198/54 (Estatuto dos Servidores Públicos). Mais tarde, foi alterada pela Lei n. 3.407, de 27 de dezembro de 1963.

A Lei n. 4.142, de 8 de fevereiro de 1968, em seu art. 3°., parágrafo 2°., determinou a incorporação aos vencimentos dos servidores, da gratificação de risco de vida e saúde, nos seguintes termos: 

"Parágrafo 2°.  Em razão do disposto neste artigo, ressalvada a hipótese do parágrafo anterior, é vetada a percepção da gratificação de risco de vida e saúde pelos servidores civis, uma vez que o benefício, mesmo concedido anteriormente, passou a integrar o valor fixado como vencimento do cargo ou salário da função".

III - Estabilização (congelamento) e revogação da Gratificação de Risco de Vida

A Lei n. 3.889, de 21 de setembro de 1966, fez com que a referida vantagem ficasse estabilizada (Gov. Ivo Silveira), para depois ser incorporada por meio da Lei n. 4.142, de 8 de fevereiro de 1968 (art. 3°. ‘O valor do vencimento base ou salário fixado nas tabelas integrantes desta lei e correspondente ao nível ajustado para cada cargo ou função pressupõe, globalmente, todos os aspectos remuneratórios da categoria funcional, inclusive os que dizem respeito à periculosidade do trabalho, seja em razão das condições específicas da profissão ou das que resultam do local de exercício. Par. 1°. (...); Par. 2°. Em razão do dispositivo neste artigo, ressalvada a hipótese do parágrafo anterior, é vedada a percepção da gratificação do risco de vida e saúde pelos servidores civis uma vez que o benefício, mesmo concedido anteriormente, passou a integrar o valor fixado com vencimento do cargo ou salário da função’.

Dessa feita, a Lei n. 4.142, de 8 de fevereiro de 1968 revogou a disposição que instituiu a gratificação de risco de vida e saúde, prevista na Lei n. 2.976, de 19 de dezembro de 1961 e que por sua vez havia revogado  disposições idênticas previstas, primeiramente, na  Lei n. 340, de 7 de fevereiro de 1958 e, depois, na Lei n. 277, de 20 de dezembro de 1956. 

IV - O Primeiro Estatuto da Polícia Civil: 

Com o advento do primeiro Estatuto da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (Lei n. 5.267, de 21.10.1976) os policiais civis passaram a fazer jus à gratificação de atividade policial (art. 158) decorrente dos riscos decorrentes do exercício das funções. O valor da vantagem prevista nesse diploma não podia ultrapassar em "até 20% (vinte) por cento".  A Lei n. 6.143, de 20 de setembro de 1982, regulamentada pelo Decreto n. 23.432, de 27.09.84, durante o Governo Jorge K. Bornhausen, deu nova redação ao dispositivo que passou a viger com a seguinte redação:

"Fica acrescentado ao art. 158, da Lei 5.267, de 21 de outubro de 1976, o inciso VIII (De atividade Policial)".

O art. 2°., da nova Lei, determinou que:

"A gratificação de atividade policial será concedida aos integrantes do Grupo: Polícia Civil do quadro de pessoal civil da Administração Direta, em razão da natureza especial da atividade de segurança e dos riscos dela decorrentes e corresponderá a 20% (vinte por cento) do vencimento do cargo efetivo ocupado pelo policial civil".

O art. 3°., daquela Lei, estabeleceu, ainda, que a gratificação incidiria sobre o vencimento de setembro daquele ano de 1982. Esse dispositivo teve nova redação prevista pela Lei n. 6.238, de 31 de maio de 1983,  dispondo que a referida gratificação incidiria sobre o vencimento básico do policial civil. O benefício logo a seguir foi majorado para 70% (setenta por cento) e incorporado (diluído) aos vencimentos dos policiais civis, por meio da Lei n. 6.772, de 12.7.1986.

V - O Segundo Estatuto da Polícia Civil - Indenização de Atividade Polícial - e demais legislações extravagantes: 

Com a aprovação da Lei n. 6.843/1986 (Estatuto da Polícia Civil-SC),  o art. 189, passou a dispor sobre a vantagem, conforme se constata pela sua redação e alterações que foram implementadas ao longo dos últimos anos. Antes da derradeira revogação, a redação original sofreu mudanças por meio da Lei Complementar 69, de 11 de novembro de 1992 reduziu a vantagem para 60% (sessenta) por cento (art. 2°.).

Também, é bom lembrar que antes disso, a Lei n. 7.373/88, em seu art. 35, já havia fixado a primeira alteração ao referido dispositivo. Pela modificação provocada por esta última Lei, verifica-se que a vantagem era concedida originalmente sobre a totalidade dos vencimentos. Com a nova redação, resultado de acordo firmado entre a direção da Federação Catarinense dos Policiais Civis (Fecapoc) e o Governo Pedro Ivo, com a intermediação do Secretário Rivaldo Macari (Promotor de Justiça) e do Superintendente Antônio Abelardo Bado, passou o percentual a incidir somente sobre o vencimento base.

A redação do atual dispositivo foi estabelecida pela Lei Complementar 55/92 (art. 12). No entanto, a Lei Complementar n. 61, de 4.9.92 (art. 2°.), estabeleceu que o percentual de indenização de atividade policial prevista no art. 189, da Lei n. 6.843/86, com a redação dada pelo art. 12, da Lei Complementar LC 55/92, ficasse transformado para 60% (sessenta por cento), a ser pago aos agentes e auxiliares da Autoridade Policial. O que se verificou então foi a pretensão do governo de reduzir o valor da indenização de 100% (cem por cento) previsto na Lei Complementar n. LC 55/92 para o percentual de 60% (sessenta por cento). Há que se observar que as legislações posteriores, aplicáveis em termos de percentuais, a nosso ver não alteraram a redação do dispositivo em questão,  fato que não teve o condão de obstar a aplicabilidade do presente dispositivo.

Entretanto, esse não é um entendimento pacífico, pois a  LC 80/93, de 10 de março de 1993, em seu art. 8°., dispôs que: 

"Ficam transformados em gratificação de atividade no serviço público, as gratificações e/ou vantagens constantes do Anexo V, desta Lei Complementar".

VI - Transformação da vantagem pecuniária e extinção: 

Do referido anexo constata-se que a indenização de atividade policial ficou transformada em indenização de atividade no serviço público, a ser integralizada a todos os servidores públicos, conforme consta do art. 34 da LC 81/93. Entendemos, também,  que  se deva ressaltar o equivoco em  que incorreu o Governo à época com a adoção da referida medida, eis que, num primeiro  momento,  arrochou os salários dos servidores  públicos de maneira geral, principalmente,  nos dois primeiros anos de administração e,  mais a seguir,  transformou todas as suas vantagens  pecuniárias em um  mesmo percentual de 120% (cento e vinte por cento), sob um único  nome genérico de ‘indenização de atividade no serviço público’, em total afronta à realidade inerente a cada função pública, sem atentar, principalmente,  para as características de cada carreira, à consolidação de direitos decorrentes das habilitações profissionais que envolvem os diversos cargos públicos, à natureza das atividades desenvolvidas pelos profissionais, levando-se em conta também cada área de atuação e as especificidades dos  locais de trabalho. Há, também, que se frisar que na LC 61/92 (art. 2°.) houve uma redução do valor da vantagem anteriormente estabelecida na LC 55/92. Outro fato importante  a se dar relevo é que se de um lado o governo transformava a indenização de atividade policial em questão, de outro, legitimava a gratificação de penosidade, insalubridade e risco de vida prevista no art. 85, inciso VII, da Lei n. 6.745/85 (ESP/SC), conforme disposições previstas no art. 36, da LC 81/93.

Sem dúvida que todas as alterações produzidas ao art. 189, evidenciam certa instabilidade do direito dos policiais civis, tendo como principal reflexo mais a transitoriedade dos governos e as diversas políticas vencimentais adotadas para os servidores públicos.

Assim, mais a seguir, por meio do  art. 2°., da LC 99/93, instituiu-se uma nova indenização policial civil que, segundo me consta,  nada tem haver com aquela que vinha prevista nesse dispositivo, eis que esta última não traz em seu conteúdo normativo previsão de qual seria o seu fato gerador, enquanto que aquela que  constava desse art. 189, trazia em seu bojo,  detalhadamente, as circunstâncias que a justificariam. Aliás, pode-se dizer que a indenização policial civil tem o mesmo fato gerador da indenização no serviço público, ou seja, uma retribuição pecuniária ao policial como forma de reposição de perdas salariais durante os últimos anos. Pelo que expus,  anteriormente, é meu entendimento que a atual redação do caput do art. 189 não estaria revogada, concorrendo para esse entendimento os seguintes fatos:

a) a LC 61/92 não fixou alteração expressa ao art. 189, cujo dispositivo está inserido em legislação especial (Lei n. 6.843/86), não se admitindo, segundo a melhor doutrina, a alteração de disposição ínsita em Lei Especial por meio de inserção normativa em legislação genérica. Nesse sentido, pode-se dizer que essa tinha sido uma prática do governo Vilson Kleinubing, conforme exsurge das revogações ao Estatuto da Polícia Civil de Santa Catarina, "verbi gratia",  irrogadas pela LC 36/91 e 98/93; 

b) ao tentar mitigar o  "quantum satis" do percentual relativo à indenização, o legislador, sem qualquer justificativa  diminuiu o seu percentual de 100% (cem por cento)  para 60% (sessenta por cento), afrontando direito adquirido dos policiais civis que já vinham percebendo o benefício, mormente, considerando que a referida vantagem encontra supedâneo constitucional (arts. 7°., inciso XXIII, c/c 39, par. 2°., CF e 27, inciso XVII, CE, no intuito de evitar reposições advindas de perdas salariais em termos de vencimento básico. 

c) Também, a LC 99/93 não revogou expressamente o art. 189, do EPC/SC e tampouco fez qualquer remissão ao art. 12, da LC 55/92. Quanto à indenização policial civil prevista no art. 2°., da LC 99/93, a meu ver, trata-se de vantagem  diversa da prevista nesse artigo.  "In casu" para reforçar mais ainda meu entendimento, vale dizer que o valor da indenização policial civil deverá ser fixado por Decreto do Chefe do Executivo, enquanto que a indenização prevista nesse artigo é fixada por lei. Na verdade, a vantagem pecuniária prevista na LC 99/93 teve mais por pretensão estabelecer um pseudo parâmetro isonômico aos integrantes da carreira de Delegados de Polícia, com reflexos em todas as categorias que integram a corporação e, ainda, na Polícia Militar, tendo em vista os movimentos reivindicatórios protagonizados principalmente pela ADPESC. Pode-se dizer, pelo momento em que foi originada, que teve como base o combate aos crime relativos à sonegação fiscal, bem como a realização de outras atividades de auxílio aos Procuradores e Fiscais na área fazendária, objetivando fixar correlação com a RCV (retribuição complementar variável, prevista no inciso VII, do art. 2°, da LC 43/92, revogado pelo art. 16, da LC 100/93) (a LC 100/93 sofreu alterações por parte da LC 150/96). 

Nesse sentido, a Federação Catarinense dos Policiais Civis - FECAPOC,  por meio do MS n. 442/09/93 - TP-GS, postulou a gratificação por risco de vida prevista no art. 85, inciso VIII, da Lei n. 6.745/85 (ESP/SC), à razão de 40% (quarenta por cento), ex  vi  do Decreto n. 1.773, de 12 de março de 1987, que seria aplicável aos impetrantes por força do art. 274, EPC/SC, acumulativamente com a gratificação de atividade no serviço público, instituída pela LC 80/93. Há que se salientar, ainda, que a indenização policial civil foi regulamentada inicialmente pelo Decreto n. 4.337, de 9. 03.94, revogado posteriormente pelo Decreto n. 65, de 23.03.95.

VII - Jurisprudência Catarinense:

Indenização de ativ. de Pol. - transformação - policiais civis:

"(...) que a Lei Compl. LC 55/92, deu nova redação ao referido art. 189, elevando o percentual para 100% (cem por cento). Ainda, que a Lei Compl. n. 69/92 reduziu o percentual de 100% (cem por cento) para 60% (sessenta por cento). Finalmente, que a Lei Compl. n.  80/93, em seu art. 8° e Anexo V, extinguiu a indenização por atividade policial, transformando-o em gratificação de atividade no serviço público no valor correspondente a 120% (cento e vinte por cento)..." Concluiu seu despacho, citando o jurista Celso Agrícola Barbi, dizendo: 'Ora, a transformação de uma vantagem por outra, inclusive com percentual maior, acarreta a impossibilidade jurídica do pedido, e ausência de interesse processual, que é a necessidade do uso da via judicial ou a utilidade que disto advém' (Comentários, V.1, T.I, Forense, n.  24,  p. 50). Indefiro a inicial (art. 8°., da Lei n. 1.533/51), em conseqüência, por falta de condições da ação" (Rel. Des. Francisco de Oliveira Filho, DJ 8.831, de 21.09.93, p. 1).

“Administrativo. Servidores Públicos Estaduais. Policiais Civis. Indenização de atividade Policial (Lei n. 6.843/86, art. 189). Início da incidência da vantagem, em face da edição superveniente da Lei 7.373/88. Acumulação. Inocorrência. Recurso e remessa desprovidos. Não se pode considerar, à luz da legislação estadual vigente, a indenização da atividade policial. É que a primeira só veio a ser instituída após a incorporação desta outra ao vencimento do policial civil. Diante de tal circunstância, a gratificação de atividade policial desapareceu por força do art. 16, parágrafo único, da lei n. 6.843/86 (sic). E a indenização de atividade policial passa a ser considerada uma nova vantagem (MS n. 1.777, da Capital, rel. Des. Napoleão Amarante)’ (Juiz Pro: Dr. Volnei Carlin; Adv. Dr. Luiz Darci da Rocha; Apdos.: Acácio Sardá e outros)  (Apel. Civil n. 96.005870-2, Capital, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, DJ n. 10.077, de 19.10.98, pág. 10).