HISTÓRIA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA: APROVAÇÃO DA LEI N. 7.720 DE 31 DE AGOSTO DE 1989 (instituiu isonomia salarial) (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 12/09/2017 | História

Lei 7.720, de 31 de agosto de 1989

A Lei 7.720, de 31 de agosto de 1989 estabeleceu isonomia salarial entre Delegados de Polícia e Promotores de Justiça.

Como introdução, assim ficou estabelecida a correspondência isonômica entre as duas categorias, já com as inovações trazidas pela Lei 7.720/89, conforme seu anexo:

 

Autoridade Policial

 

 

Classe

 

Promotor de Justiça

Delegado de Polícia Especial                     

(PC-AP-5-E)

Promotor de Justiça de 4a. entrância

Delegado de Polícia de 4a. entrância

(PC-AP-4-D)

Promotor de Justiça de 3a. entrância

Delegado de Polícia de 3a. entrância

(PC-AP-3-C)

Promotor de Justiça de 2a. entrância

Delegado de Polícia de 2a. entrância

(PC-AP-2-B)

Promotor de Justiça de 1a. entrância

Delegado de Polícia de 1a. entrância

(PC-AP-1-A)

Promotor de Justiça substituto

Delegado de Polícia Substituto

           “             

                            “

Antes de mais nada, para se entender como essa relevante legislação foi aprovada (e revogada), vamos a algumas considerações históricas sobre vencimentos de Delegados de Polícia e Promotores de Justiça:

a) O cargo de Delegado Regional de Polícia passou a ser cargo comissionado com a reforma do General Rosinha - Paulo Gonçalves Weber Vieira da Rosa/SSP/SC - Governo Ivo Silveira, por meio da Lei n. 4.265, de 07 de setembro de 1969), quando perderam direito de perceberem custas (na área de trânsito) e , quando se constituíam cargos isolados, sempre perceberão vencimentos superiores aos Promotores Públicos, quase que se igualando a Desembargadores.

b) Antes disso, a realidade era bem diferente, para se mensurar as adversidades nos âmbitos das duas carreiras, vamos nos reportar à época em que os Delegados Regionais de Polícia se constituíam cargos isolados, situados logo acima da carreira de Delegado de Polícia:

1. “Exoneração do Dr. José da Rocha Ferreira Bastos do cargo de Promotor Público da Comarca de Laguna e nomeou-o de acordo com o art. 10, da Lei n. 1.214, de 21.10.1918 para exercerem comissão, o cargo de Delegado da Primeira Região Policial do Estado, criada pela Lei n. 1.174, de 3.10.1917 (Imprensa Oficial do Estado,  n. 47, de 28.11.1918)’;

2. “Ato de exoneração do Dr. Ayrton Marftins Lemos, Delegado de Polícia da Capital e nomeação em seu lugar do Dr. Álvaro Monteiro de Barros, que ficou exonerado do cargo de Promotor Público da Comarca de Mafra. No mesmo ato, foi o primeiro nomeado Promotor Público de Joinville (Imprensa Oficial n. 98, de 30.01.1919)”;

3. “Ato de exoneração do Dr. Álvaro Monteiro de Barros do cargo de Delegado de Polícia da Capital e nomeação do Dr. João de Deus Faustino da Silva (mais tarde nomeado Juiz de Direito, em cujo cargo se aposentou) para o mesmo cargo, tendo sido exonerado por meio da Resolução n. 1.665/1919, do cargo de Promotor Público de São Francisco, sendo que o primeiro foi nomeado por este mesmo ato para o cargo de promotor Público de Tijucas (Resolução n. 1.662, Imprensa Oficial, n. 200, de 7.6.1919)”;

4. “Ato de exoneração do Dr. Felippe Correa de Oliveira Andrade do cargo de Promotor Público da Comarca de Porto União e nomeou-o para exercer o cargo de Delegado de Polícia da Primeira Região Policial (Resolução n. 1.694, Imprensa Oficial, n. 215, de 26.6.1919)”;

5. “Exoneração a pedido dos Srs. Drs. João de Deus Faustino da Silva e Nelson Nunes de Souza Guimarães, respectivamente dos cargos de Chefe de Polícia interino e Promotor Público da Comarca de Porto União e nomeando-os para os cargos de Delegado Auxiliar e da 1ª Região Policial (Resolução n. 1.891).

Outros dois exemplos não menos emblemáticos que posso citar foram primeiramente o caso do Dr. Otton Gama D'Eça que foi exonerado do cargo de Juiz de Direito de Campos Novos (1926) para ser nomeado Delegado Auxiliar da Polícia Civil (na época também era cargo isolado e equivalente ao nosso Delegado-Geral). Depois foi nomeado Chefe de Polícia/1927 (cargo similar ao de Secretário de Segurança Pública). O segundo exemplo foi do genitor deste que vos escreve (José Ghizzo Genovez) que no ano de 1963 foi convidado pelo Governador Celso Ramos a ingressar no Ministério Público (as nomeações eram também sem concurso público), como Promotor de Xanxerê, não tendo aceito a nomeação porque no cargo de Delegado Regional de Polícia de Tubarão percebia vencimentos muito superiores.

Parte II

(Lei 7.720, de 31 de agosto de 1989)

A referida legislação se traduziu uma consequência da CF/88, que em seu art. 241 (revogado pela EC 19/1998 - governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e por pressão de governadores) dispôs sobre isonomia salarial à carreira de Delegado de Polícia e àquelas previstas no art. 135, da mesma Carta. A partir daí, criou-se uma grande expectativa por mudanças em todas as unidades federativas (umas mais adiantadas e outras mais claudicantes na concessão desse direito aos seus Delegados), o que dependeria, forçosamente, de mobilização dos interessados para fins de se fixar os novos paradigmas salariais, eis que o legislador constituinte não especificou com qual carreira jurídica se estabeleceria o tratamento isonômico.

No âmbito do nosso Estado, no transcorrer do ano de 1989, durante o governo Pedro Ivo Campos,  a Direção da Polícia Civil, por meio do então Secretário Rivaldo Macari e Aurélio Cardoso dos Santos (ambos integrantes do Ministério Público Estadual), do ex-Superintendente Delegado Antonio Abelardo Bado, contando com o apoio do Procurador-Geral de Justiça Hipólito Piazza (irmão do Deputado Aluízio Piazza/PMDB), dentre outros e, ainda, com as pressões intransigentes exercidas pela Associação dos Delegados de Policia - representada pelo Delegado Alberto Freitas (e deste autor, na época Presidente da Federação Catarinense dos Policiais Civis) conseguiu-se mobilizar pela primeira vez na história os policiais civis a apoiar a causa dos Delegados de Polícia, concorrendo para que Chefe do Poder Executivo (simpático a nossa causa) não tivesse outra alternativa a não ser estabelecer tratamento isonômico aos Delegados de Polícia com os Promotores de Justiça.

Registre-se de passagem que o Governador Pedro Ivo, a partir das negociações efetivadas por meio de seu irmão - Emanoel Campos - Secretário de Estado da Administração, concordou em remeter projeto de lei à Assembléia Legislativa que, após as devidas discussões,  recebeu a chancela dos parlamentares e foi sancionado.

Devo esclarecer que Lei n. 7.720/89, em seu art. 7°., estabeleceu a revogação do art. 11, da Lei n. 1.115/88 (inicialmente havíamos conseguido isonomia com a magistratura, no entanto, por pressões da Associação dos Magistrados o Governador Pedro Ivo se viu obrigado a renegociar e estabelecer um parâmetro salarial alternativo com os Promotores de Justiça), fixando o adicional de representação no percentual de 50% (cinquenta por cento) sobre o vencimento básico além de  dispor acerca da isonomia com os Promotores de Justiça, consoante normas que estavam previstas na Lei Complementar n°. 17, de 5 de julho de 1982 [antiga Lei Orgânica do Ministério Público/SC (a Lei n. 8.625, de 12.02.93, havia instituído a Lei Orgânica do Ministério Público no âmbito Federal)].

O ex-Delegado-Geral da Polícia Civil – Pedro Benedeck Bardio, em entrevista concedida a este autor na data de 03.10.95 (participaram também do evento os  Delegados Mário Osteto e Valério Brito, cujos trabalhos foram secretariados pelo Escrivão Osnelito Souza), fez seu registro sobre o assunto afirmando que a Lei n. 1.115/89 veio primeiramente a conceder o benefício isonômico aos Delegados de Polícia em razão do Secretário de Administração – Emanoel Campos (irmão do então Governador do Estado – Pedro Ivo), ter entrado em atrito com os Juízes de Direito e, como resposta àquela categoria, resolveram reconhecer primeiramente (por meio da 1.115/89), a nossa isonomia salarial com essa categoria nos termos do art. 241, CF/88. Esclareceu que desses entendimentos com aquele secretário de Estado – homem forte do governo , tiveram participação importante nas negociações  o presidente da ADPESC – Alberto Freitas,  além do entrevistado (presidente/Fecapoc), dentre outros pessoas (como o Delegado-Geral Antonio Abelardo Bado).

Lamentavelmente, acreditávamos que depois do advento da Lei 7.720/89 os Delegados de Polícia trabalhariam redobradamente para fazer jus a essa histórica conquista e, assim,  legitimar esse estado de direito. Ledo engano, o que se viu foi o contrário, pois a impressão que permeou os ambientes das repartições policiais foi que permanecia tudo "dantes no quartel de abrantes". Enquanto Procuradores e Promotores de Justiça tinham que se desdobrar e pedalar para "brigar" com o governo para repor as perdas salariais mensais de mais de quarenta por cento (época de hiper inflação), os Delegados de Polícia assistiam a tudo de camarote (esse foi um dos grandes motivos para que o MP se articulasse silenciosamente pelos bastidores do Governo Vilson Kleinubing  e, na contramão, as acomodadas autoridades policiais assistiam a tudo em estado morfético dando a impressão que acreditavam "na eternidade das neves do Kilimanjaro".

A bem da verdade,  os Promotores de Justiça, ao primeiro sinal do binômio: oportunidade abertura política, contando com apoios tradicionais imiscuídos no novo governo, trataram de reverter silenciosamente esse quadro deletério. Lembro que na época fiquei numa saia justa porque tinha prometido para os policiais civis (1989/1990) que tão logo se conquistasse a isonomia entre Delegados e Promotores, em troca do apoio de da confiança depositada com base na minha credibilidade/palavra, iniciaríamos uma mobilização para estabelecermos um escalonamento vertical de salários justos, o que não veio a ocorrer, ou seja, a Adepol/SC não demonstrou o devido interesse em apoiar nossa causa e, assim, retribuir o gesto dos policiais civis ( o que somente foi possível mais tarde com a LC 55/92, porém quando a isonomia já não mais existia, haja vista a entrada em vigor da LC 36/91, art. 9°., inciso VI, que revogou expressamente o art. 2°., da Lei n. 7.720/89.   

Frise-se que na época a Lei n. 7.720/89, veio a desentranhar as Autoridades  Policiais do Subgrupo ANS, as quais passaram a compor isoladamente um terceiro Subgrupo. Mais tarde, a Lei Complementar n. 43, de 20 de janeiro de 1992, em seu art. 7°, assim veio a dispor o seguinte:

"O Poder Executivo encaminhará à Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da publicação da presente Lei, os planos de carreira, incluindo ativos e inativos, e respectivas tabelas de vencimentos, observando o limite máximo estabelecido no art. 1° desta Lei Complementar, dos servidores que exerçam funções típicas do Estado".

Este autor, na qualidade de dirigente classista, juntamente com o então presidente Alberto Freitas, da Associação dos Delegados de Polícia — ADPSC, vinham desenvolvendo estudos com vistas à efetivação de um plano de carreira para os policiais civis, isso na metade do ano de 1990. Vale salientar que foi constituída uma comissão pelo ex-Secretário de Segurança Pública e ex-Deputado Rivaldo Macari, com a finalidade de tratar do assunto. A comissão era presidida pela Dr.ª Lúcia Stefanovich que depois foi nomeada Superintendente da Polícia Civil  (atual DGPC) e integrada por todos os representantes de entidades de classe representativas de policiais civis. A comissão chegou a se reunir  uma única vez,  sem apresentar quaisquer resultados práticos.

Num primeiro momento a revogação da Lei 7.720/89 não poderia ter ocorrido, considerando a vigência o princípio constitucional que estava previsto nos art. 241 da CF/88 e art. 196 da CE/89, cujos preceptivos eram autoaplicáveis por meio da legislação infraconstitucional regulatória vigente, especialmente, considerando-se o instituto do direito adquirido dos integrantes da carreira de Delegado de Polícia que chegaram a perceber o benefício isonômico durante quase dois anos. Nesse caso, o entendimento na época era que o Judiciário, uma vez instigado a apreciar uma demanda da Adepol que questionasse essa revogação (lei infraconstitucional que regulava normas constitucionais), não deveria deixar de respaldar o princípio do direito adquirido. Também, para fins de registro, em razão desse questionamento que envolvia o tema isonomia vencimental, no ano de 1997 ajuizei ação ordinária de reconhecimento de direito (que tramitou na 1a Vara da Fazenda Pública da Capital), no sentido de restabelecer os efeitos da Lei 7.720/89, sob o fundamento do instituto do ‘direito adquirido violado”. A ação primeiramente esteve com o Juiz Volnei Ivo Carlin, sendo que até junho de 2000 ainda não havia sido decidida, mas já estava pulverizada em razão da EC 19/1998 que revogou o art. 241 CF/88).

Muitos criticaram o ex-Secretário de Segurança Pública - Cel Sidney Pacheco como o grande responsável pela revogação da Lei 7.720/89.  A bem da verdade, o Cel. Sidney Pacheco (que sempre teve muito apreço à Polícia Civil e foi Delegado de Polícia durante vários anos) quando foi entrevistado por este autor deixou patente que só soube do que foi urdido nos bastidores quando já tinha assumido a SSP/1991 (inclusive já havia dado posse à cúpula da Polícia Civil), quando no mês de março a LC 36/91 apareceu em cena. Diante daquele cenário o Cel. Pacheco entendeu que não poderia mais voltar atrás e que deveria permanecer no cargo e lutar por seu sonho de negociar uma isonomia salarial entre Oficiais/PM com Delegados de Polícia (o que foi aceito como moeda de troca).

Segundo nossa maneira de julgar os fatos (participando ativamente dos acontecimentos e entrevistando vários dos seus principais protagonistas: Pacheco/Alberto Freitas/Bado/Jorge Xavier/Heitor Sché/Pedro B. Bardio, dentre outros personagens daquele momento), o grande "erro" do Secretário Sidney Pacheco foi não ter exigido que o Governador Vilson Kleinubing voltasse atrás na questão da isonomia salarial dos Delegados com Promotores de Justiça (LC 36/91), exigindo a reposição desse direito constitucional, sob pena de todos pedirem exoneração em caráter revogável (todos conhecem esse velho filme...). 

Aliás, sobre esse assunto, em conversa que mantive no mês de junho de 1997 (interior do Shopping Center Itaguaçu) com o Coronel da Reserva Guido Cardoso Zimermann - ex-Comandante-Geral da PM e ex-Secretário Adjunto/SSP (falecido em 1999 e casado com uma policial civil), também um dos principais assessores do Cel Sidney Pacheco na SSP/SC, numa rodada de whisky, ao fazermos um balanço sobre aquela época, concordamos que sobre esse erro crasso do Titular da Pasta, pois deveria ter sido mais institucional (e menos político e alinhado ao governador), defendendo o direito dos Delegados, sendo favorável à isonomia destes com os Promotores de Justiça e, também, ter exigido com o passar do tempo o mesmo benefício para os Oficiais Superiores/PM e, mais a seguir, de forma progressiva, para todos os policiais. o Cel Pacheco optou pelo caminho mais fácil em termos de agradar o governo (e possível naquele momento), preferindo o confronto e assumindo os desgastes, num primeiro momento, com aos cerca de 300 (trezentos) Delegados. Entretanto, no transcorrer daquele governo, acabou descontentando todos os policiais civis e militares que no final do governo ficaram com seus vencimentos defasados (acabou pagando um alto preço: não se reelegeu Deputado Estadual e caiu no ostracismo. Guido Zimermann ponderou ainda que isso se deveu em razão da "teimosia" do Cel Sidney Pacheco, sendo essa uma característica forte de sua personalidade e que comprometeu até a sua reeleição  à Assembleia Legislativa. Essas avaliações também foram as mesmas do digno e respeitável Cel Freitas (ex-Comandante-Geral/PM, ligado ao Cel Sidney Pacheco).