HISTÓRIA DA LOUCURA

Por ANGELICA PIOVESAN | 13/10/2010 | Psicologia

Angelica Piovesan
Adriana Nunes
Max Silva

Na antiguidade grega, antes do século V a.C., o homem ainda não conhece a si mesmo, a loucura definia-se como "sem razão" e insensatez então, essas distorções ou aberrações dessa "natureza" são atribuídas às forças e entidades conhecidas. Isso é retratado nos textos de Homero e Hesíodo. Tudo o que acontecia na vida do homem era definido pela vontade dos deuses, eram "capricho dos deuses". A loucura seria, então, um recurso da divindade para que seus projetos ou caprichos não sejam contrastados pela vontade dos homens. (PESSOTTI,1994), qualquer descontrole mental é produto de alguma interferência sobrenatural, das Erínias ou dos deuses.
Para Homero não havia desastres, tudo era determinado por Zeus. A loucura era obra de Zeus, de outros deuses ou de entidades subalternas na mitologia. Segundo Pessotti, a loucura pode levar à agressão, ao homicídio, à perda da vida, à transgressão das normas sociais, ao delírio, e nesse último caso se encaixa na definição, pós-homérica, obviamente, de mania, embora o menos homérico lembre, de perto, os impulsos e as forças inesperadas da mania. (mene).
Em Ésquilo ainda falava-se da loucura causada pelos deuses e que era um castigo, tida como sofrimento. Eurípides fala da loucura como um produto de conflitos internos. Não acredita que toda e qualquer loucura seja capricho ou ciúmes dos deuses. Para ele está relacionada aos conflitos entre paixão X normas sociais; razão X instinto; desejo X vergonha; amores conflitantes X ódios e afetos. Nos textos de Eurípides ele também retrata melancolia, mania e paranóia, como também retrata um perfeito surto psicótico. È principalmente nas obras de Eurípides que a loucura se psicologiza, tanto na etiologia como nos quadros clínicos, na sintomatologia e nos efeitos sobre as emoções e a vida dos homens. (PESSOTTI, 1994).
Hipócrates foi a primeira pessoa a ver a loucura de uma forma orgânica. Para ele, a loucura deriva do desequilíbrio entre os quatro humores (bílis amarela, verde, potuita e sangue). Foi o primeiro a descrever que a loucura vinha do cérebro. Ele representa o marco final da explicação da loucura pela mitologia e teologia.
A Não-Razão do século XVI constituía uma espécie de ameaça aberta cujos perigos podiam sempre, pelo menos de direito, comprometer as relações da subjetividade e da verdade. O percurso da dúvida cartesiana parece testemunhar que no século XVII esse perigo no qual o sujeito detém seus direitos à verdade: domínio este que, para o pensamento clássico, é a própria razão. Doravante, a loucura está exilada. Se o homem pode sempre ser louco, o pensamento, como exercício de soberania de um sujeito que se atribui o dever de perceber o verdadeiro, não pode ser insensato. Traça-se uma linha divisória que tornará impossível a experiência, tão familiar à Renascença, de uma Razão irrazoável, de um razoável Desatino (FOUCAULT, 1978).
No século XVII criou-se vastas casas de internamentos e a partir da metade do século XVII, a loucura esteve ligada a essa terra de internamentos, e ao gesto que lhe designava essa terra como seu local natural.
Em 1656, é fundado em Paris o Hospital Geral, servia de abrigo aos pobres, sejam válidos ou inválidos, doentes ou não. Eram recolhidos das ruas por espontânea vontade, alojados e alimentados e também encaminhados pelas autoridades judiciárias. Segundo Foucault ( 1978), o Hospital Geral não é um estabelecimento médico, é antes uma estrutura semijurídica, uma espécie de entidade administrativa que, ao lado dos poderes já constituídos, e além dos tribunais, decide, julga e executa. Era considerado o terceiro poder que o rei estabelecia ente a polícia e a justiça.
A igreja reforma suas instituições hospitalares e passa a utilizá-las com a mesma finalidade dos Hospitais Gerais. Criam-se outras instituições e são reabertos os leprosários, não com o sentido médico que havia antigamente, mas com a intenção de se tornarem internatos.
Depois foram criadas as workhouses administradas pelo juiz de paz de cada jurisdição, seu sucesso se deu no sentido de que não eram hospitais e então foram expulsos os doentes contagiosos que se encontravam internados. Esses internatos abrigavam condenados, jovens que perturbavam seus familiares, vagabundos e insanos, isso fez com que se perdesse o sentido dos internatos.
Muitos anos mais tarde surgem os hospícios, local onde os miseráveis podem ser recolhidos e voltar a ter sentido suas vidas. São miseráveis não só no sentido de pobreza sem dinheiro, mas aqueles que não têm mais condição de trabalhar, problemas de saúde ou psíquico.
A partir daí a loucura é dividida em bem ou mal, segundo a submissão ou não da pobreza. Então, os pobres satisfeitos, submissos com o que lhes é oferecido agradecem e os que se queixam os não submissos são classificados como os pobres do demônio. O internamento passa a ser justificado como um beneficio ou punição conforme o tipo de pobre que o utiliza. Essa divisão também é utilizada na loucura.
No decorrer da história proíbe-se que mendigos circulem pelas ruas, são escorraçados da cidade. Passam a cuidá-los nos hospitais Gerais dando alimentação, mas eles devem aceitar a coação física e moral do internamento. Depois passam a se preocupar com o desemprego, então em épocas de alta, dão emprego com mão de obra barata e em época de desemprego reabsorvem-nos. A criação do Hospital Geral está mais relacionada ao combate à mendicância do que à ocupação dos internos.
Segundo Foucault, a internação é uma criação institucional própria ao século XVII. Ela assumiu, desde o inicio, uma amplitude que não lhe permite uma comparação com a prisão tal como esta era praticada na Idade Média. Como medida econômica e precaução social, ela tem valor de invenção. Mas na história do desatino, ela designa um evento decisivo: o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo: o momento em que começa a inserir-se no contexto dos problemas da cidade.
Durante toda a era clássica, após a invenção do internamento, os loucos tiveram a mesma sorte de todos os libertinos. Porém, na segunda metade do século XVIII, começam a surgir protestos contra esta situação. Protestos são dirigidos contra a mistura feita entre os loucos e os não-loucos e não contra a relação entre loucos e o internamento.
A teoria da assistência desse final do século XVIII faz do espaço natural da cura não o hospital, mas a família do doente. Aos poucos, o ideal da criação de casas reservadas apenas aos insensatos vai se configurando. A sociedade burguesa reconhece sua responsabilidade para com a loucura.
Aquilo que o internamento clássico escondia, porque a sociedade dele sentia vergonha, nesse final do século XVIIII é mostrado como tal, transformado em coisa pública e familiar. Se agora há vergonha, ela deverá ser vivida pelos culpados.. Surge, então uma psicologia, um conhecimento da interioridade psicológica do homem.
Fim do século XVIII: quanto mais o louco é corporalmente coagido, mais a imaginação se degrada. Internamento torna-se lugar de cura, não com função de repressão, mas como meio que organiza a liberdade. A casa de internamento vai transformar-se em asilo. E neste, a medicina vai encontrar um lugar que lhe garantirá a possibilidade de apropriação da loucura como seu objeto de conhecimento. O internamento ganha valor terapêutico: torna-se asilo. A loucura torna-se objeto médico: ganha o valor de doença.
Ligados ao surgimento dos asilos figuram os nomes de S. Tuke, Na Inglaterra, e de Pinel, na França. Tuke e Pinel, ao contrário do que se costuma dizer quando se faz a história da Psiquiatria, não romperam com as práticas de internamento.
No Asilo proposto por Tuke, louco é submetido por um controle social e moral. Na França, são semelhantes as técnicas empregadas por Pinel, que construiu em torno dos loucos um círculo invisível de julgamentos morais. A grande tarefa dos asilos era homogeneizar todas as diferenças, extinguir as irregularidades e denunciar tudo aquilo que se opõe às virtudes da sociedade. Com a prática da segregação social, o asilo garante à racionalidade burguesa uma universalidade de fato.
Louco toma consciência de seu ser de "doente".

MOVIMENTO ANTIMANICOMIAL

De acordo com o site de Psicologia Online (www.pol.org.br), no mês de dezembro de 1987, na cidade de Bauru, São Paulo, 250 manifestantes, dentre usuários e trabalhadores de saúde mental, foram para as ruas, de faixas em punho e palavras de ordem, gritando por uma sociedade sem manicômios.
Para os autores Maia e Fernandes (2002), a discussão acerca da necessidade de humanização do tratamento do doente mental teve seu início na década de 1970, onde diversos setores da sociedade brasileira se voltaram para a redemocratização do país. Firmino (1982) apud Maia e Fernandes (2002), fala que a Associação Brasileira de Psiquiatria/ABP, em ações políticas para defender médicos que haviam sido presos e torturados, revitalizou, no cotidiano profissional, discussões éticas acerca dos direitos humanos e da necessidade de ampliação dos direitos individuais no país. Foram feitos apelos para que "ninguém fosse submetido à tortura, a tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante" e nem "arbitrariamente preso, detido ou exilado" foram estendidos para a condição de opressão do doente mental nos manicômios e sua humilhação moral na sociedade em geral. A discussão acerca da violência, dos maus tratos e da tortura praticada nos asilos brasileiros produziu, em grande parte, a insatisfação que alimentou o Movimento Antimanicomial.
Novas idéias para o tratamento da loucura, como nos aponta Maia e Fernandes (2002) a chamada anti-psiquiatria, ganhava, então, espaço no país. Representantes famosos dessa corrente na Europa, como Franco Baságlia, Michel Foucault e Robert Castel, participaram de congressos sobre terapêuticas antimanicomais realizados no Brasil, na década de 1980. Uma base organizacional, em termos de associações profissionais, começou a se formar também nesse período. O Sindicato dos Psicólogos, o Sindicato de Enfermeiros e o Sindicato dos Assistentes Sociais criaram, em 1986, o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, onde suas principais reivindicações eram a conquista por melhores condições de trabalho nos manicômios, a ampliação do quadro de funcionários e o aumento dos investimentos do setor público na área da saúde mental. No segundo encontro desse movimento, em 1987, o Movimento Antimanicomial foi fundado sob o lema: "Por uma sociedade sem manicômios". O movimento organizou sua estrutura administrativa como fórum nacional e passou a englobar várias entidades, como ONGs e Conselhos de familiares de doentes mentais.
O Movimento Antimanicomial luta para rever os critérios de distinção dos cidadãos e conseguir qualificar o doente mental entre eles, legalmente. Até o ano de 2001, a estrutura da lei referente ao doente mental fazia parte do código civil brasileiro de 1919. "Alguns artigos da lei determinam para o doente mental uma cidadania tutelada e assistida, como afirma Maia e Fernandes (2002)." Trata-se de uma cidadania tutelada porque nega a competência e a autonomia dos doentes mentais na determinação das condições de suas próprias vidas. O "louco" é impedido de usufruir de prerrogativas da vida civil (liberdade individual, direito à palavra, direito de ir e vir, de assinar cheques, comprar, vender, casar-se, separar-se etc.), da vida política (votar e ser votado) e da vida social (sujeito à reclusão em instituições especiais)". (MAIA & FERNANDES, 2002). Dallari (1987) apud Maia e Fernandes(2002), ressalta duas questões particularmente problemáticas em tal lei. A primeira diz respeito ao significado de louco, uma vez que há grande controvérsia entre médicos e especialistas sobre a definição de doença mental e das suas formas de manifestação. A segunda questão refere-se ao atrelamento da loucura, implícito na lei, ao modo pelo qual uma pessoa gerencia seu dinheiro. Pródigas, nesse caso, são as pessoas que gastam muito, sem controle financeiro, o que também engloba uma parcela significativa dos cidadãos ditos "normais".
O Movimento Antimanicomial, tem como objetivo a conquista de uma cidadania plena, emancipada. Trata-se de uma cidadania que se alcança com competência tanto para tematizar a impropriedade das formas de exclusão do louco, quanto para decidir sobre questões que afetam a sua vida. A reivindicação de direitos tem como base a idéia de que todos os membros da sociedade devem ser moralmente responsáveis, a fim de que possam desenvolver uma relação de igualdade, assumindo direitos e deveres que a cidadania exige. Qualificar legalmente o doente mental entre os cidadãos significa uma apropriação crítica da tradição e um processo de argumentação pública, no decorrer do quais concepções concorrentes de identidade e legitimidade política são articuladas, contestadas e refinadas (Minow, 1997; Habermas, 1974, p. 102) apud Maia e Fernandes (2002).




CRIME E LOUCURA

Após a reforma psiquiátrica instalada pela Lei 10.216, de 2001, a sociedade passou a repensar o destino dado aos cidadãos ditos "loucos". Intensos debates são postos em questão a respeito da melhor forma de tratamento, se com internações e o uso de psicofármacos de um lado ou a proposta de recuperação a partir da integração do portador na comunidade.
Antes disso, o doente mental estava fadado a passar o resto da sua vida confinado em manicômios judiciários, sem que este pudesse entrar em contato com o delito que cometeu e a partir daí, construir um saber sobre tal ato, além de ser encaminhado para tratamento.
A contra-reforma argumenta que a loucura é orgânica e deve ser tratada via medicação, eletro choque, psicocirurgia, entre outros. Na concepção biologicista se o paciente não responde bem à medicação a tendência é aumentar a sua dose, o que na maioria das vezes implica numa situação ainda pior, onde o "louco" tem o seu sofrimento agravado com as reações adversas das drogas. A cidadania e a liberdade são ingredientes chave para melhora do sofrimento mental.
Segundo Dias (2009) o doente mental precisa pagar pelo crime que cometeu, este fato em si, constitui-se numa forma terapêutica de restabelecer o laço social. Vale ressaltar, que o sofrimento mental sem tratamento é violento, se a angústia não encontra formas de se resolver, sua expressão tende a ser a violência destinada tanto ao próprio sujeito quanto para as pessoas que estão a sua volta. O que não convém fazer uma vinculação quase que imediata entre a loucura e a violência.
Cada caso em específico exige um tratamento diferente, isto é, feito de forma individualizada. O diálogo ainda é o princípio da relação entre o paciente e profissional, embora a contenção física possa ser usada em casos extremos que coloquem em risco a vida do sujeito ou daqueles que são responsáveis pelos seus cuidados.

O TRATAMENTO LEGISLATIVO DO ASSUNTO

Após o laudo psicológico, cabe ao juiz a decisão entre duas opções:

? Aplicação de pena
? Aplicação de medida de segurança

O fundamento da aplicação da pena é a culpabilidade, a medida de segurança fundamenta-se exclusivamente na periculosidade. Esta última vige por tempo indeterminado, até que cesse a periculosidade, constatada através de perícia médica, o tempo mínimo é de 1 a 3 anos.
Fazer com que o doente mental fique apenas confinado não constitui um tratamento eficaz, o confinamento por si só, acaba por excluir o indivíduo do meio social, componente indispensável para todos nós, seres sociais, incluindo aqueles que são portadores de algum sofrimento mental.


REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

FOUCAULT, M. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo, SP. Editora Perspectiva. 1978.

FOUCAULT, M. Doença mental e psicologia. 6.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.

MAIA, Rousiley C. M.; FERNANDES, Adélia B.. O movimento antimanicomial como agente discursivo na esfera pública política. O movimento antimanicomial como agente discursivo na esfera pública política. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 17, n. 48, Feb. 2002 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092002000100010&lng=en&nrm=iso>. access on 22 Nov. 2009. doi: 10.1590/S0102-69092002000100010.

PEREIRA, J.F. O que é loucura. 6.ed. Coleção primeiros passos. São Paulo: Brasiliense, 1986.

PESSOTTI, Isaias. A loucura e as Épocas. Editora 34. 1994

http://www2.pol.org.br/lutaantimanicomial/index.cfm?pagina=apresentacao. Acesso em: 21/11/09, às 15:51
www.ufsm.br/revistadireto/eds/v2n3/a10.pdf
http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/clipping/junho-2009/loucura-nao-e-crime