História da educação dos surdos e as abordagens educacionais frente às situações cotidianas.

Por Elionai Dias Soares | 07/09/2020 | Educação

Autor: Dr. Elionai Dias Soares

Professor de OMF / Anatomia Humana – Cesmac / AL

Formado em Educação Física

elionaisoares@gmail.com

@soaresbikefit

Considerações Iniciais

Segundo Pedroso, em 2013, a audição é o meio pelo qual o indivíduo tem a oportunidade de entrar em contato com o mundo exterior sonoro e com as estruturas constituintes da língua oral, com possibilidades, dentre outrascoisas, no desenvolvimento da linguagem.

Sendo assim, a audição desempenha diversas funções, à saber: a) localização e identificação: que é a capacidade de reconhecermos de onde vem um som e qual é a fonte sonora que o está produzindo; b) alerta: que se constitui na capacidade de nos atentarmos para todos os estímulos sonoros que nos rodeiam, como, por exemplo, a buzina de um carro vindo em nossa direção; c) socialização: que se define como a capacidade de nos relacionarmos, pois é principalmente pela audição que entramos em contato com as outras pessoas; d) intelectual: pois grande parte das informações nos é transmitida por meio do código oral; e) comunicação: onde constatamos que a fala é o meio de comunicação mais utilizado pelo homem, e é por meio da audição que a linguagem e a fala se desenvolvem.

 

História da educação dos surdos e as abordagens educacionais

Conforme as alegações de Mantelatto, Pedroso e Dias (2000) a maior parte dos surdos profundos não exibem uma fala socialmente capaz de ser compreendida. Além disso, aqueles autores relatam sobre atraso significativo, no desenvolvimento global e dificuldades ligadas a aprendizagem da leitura e escrita, apresentando-se muitas vezes, apenas parcialmente alfabetizados após anos de escolarização.

Dessa forma, a relação existente entre a situação educacional das crianças surdas reveladas por Mantelato, Pedroso e Dias (2000), a história da educação dos surdos e as abordagens educacionais serão elencadas nessa breve reflexão.

A seguir, faremos breve explanação de como a história da educação dos surdos foi marcada pelo autoritarismo dos ouvintes. Justificaremos as explanações correlacionando-as com as abordagens educacionais a serem apresentadas.

 

Situações cotidianas na vida de um surdo

Levando em consideração cada uma das funções da audição elencadas, apresentaremos um exemplo de ações cotidianas na vida de um surdo, comparando com a vida de um ouvinte.

a) Localização e identificação: capacidade de reconhecermos de onde vem um som e qual é a fonte sonora que o está produzindo. Ao realizar uma atividade física de trekking, em trilhas montanhosas, o atleta com deficiência auditiva pode deixar passar desapercebidamente a presença de uma cachoeira, que emite o seu som com a queda dágua, ou ainda a presença de animais típicos da região explorada, que por um acaso emitam algum som característico, como pássaros tipo canários-da-terra. Neste caso, a presença da cachoeira ou desses animais seria notada apenas por seus movimentos realizados. Para o ouvinte, a localização da cachoeira ou pássaro se daria, ainda que não estivesse visualizando-os.

b) Alerta: capacidade de nos atentarmos para todos os estímulos sonoros que nos rodeiam, como, por exemplo, a buzina de um carro vindo em nossa direção. O corpo humano, por meio dos sentidos, tem por propósito equilibrar todos os demais sistemas, de forma ordenada e organizada (homeostasia). Desta forma, a audição está atrelada à visão, nesta função de manter o indivíduo em alerta. Assim, um barulho inesperado, por exemplo, que possa advir de algo perigoso, ao ser percebido pelo indivíduo, será instantaneamente percebido, promovendo a luta ou fuga. Essa integração, do que se ouve com o que se vê, ocorre a nível de sistema nervoso central, mais especificamente em estruturas definidas como colículos superiores (visão) e colículos inferiores (audição). Portanto, para a pessoa com deficiência auditiva, o sistema de alerta, por exemplo, ao atravessar a rua, estará à cargo apenas da visão, se constituindo em maior perigo, devendo ser o sentido da visão aprimorado, nessa circunstância de perigo.

c) Socialização: capacidade de nos relacionarmos, pois é principalmente pela audição que entramos em contato com as outras pessoas. A necessidade de comunicação e socialização é inerente do ser humano, que se desenvolve nas

relações cotidianas. Como exemplo, podemos citar um aluno com deficiência auditiva que acaba de ingressar no ensino superior. Logo nos primeiros dias, haverá a necessidade de se socializar com seus colegas de turma e professores. No entanto, a boa socialização poderá ser comprometida, caso os demais não possuam o conhecimento de LIBRAS. Assim, muito embora a LIBRAS seja reconhecida como segundo idioma oficial do país, há de se haver empenho de seu conhecimento e prática, por parte de todos (ouvintes e surdos). A socialização entre ouvintes é espontânea e natural, com o decorrer dos dias na rotina dos acadêmicos. Mas a realidade pode sim ser bem diferente na vida do aluno surdo, sobretudo, caso não encontre um ambiente inclusivo, pautado no respeito, aceitação e esforço mútuo, entre todos os participantes desse processo de ensino e aprendizagem.

d) Intelectual: grande parte das informações nos é transmitida por meio do código oral. A aquisição de conhecimentos e desenvolvimento intelectual pode sim ser atrelados, boa parte das vezes, aos sinais sonoros. Seja esses sinais advindos de uma comunicação formal, ou ainda de situações diversas do dia-a-dia (músicas, sons da natureza, fenômenos naturais etc). Portanto, há de se considerar que as informações que se manifestam no mundo do ouvinte, pelos sons, são bem distintas, quando temos o surdo como sujeito. A limitação deverá ser compensada por outros meios, por exemplo, por supercompensação de outros sentidos (por exemplo visão e tato). No entanto, conforme entendimento de pressupostos da inclusão, não devemos considerar essas limitações como barreiras intransponíveis, sobretudo, quando configuradas em um ambiente carregado de preconceito. Assim, se por um lado existe a limitação, por outro, há o envolvimento de todos – indivíduo com surdez e demais integrantes da sociedade ouvinte.

e) Comunicação: a fala é o meio de comunicação mais utilizado pelo homem, e é por meio da audição que a linguagem e a fala se desenvolvem. Como exemplo, citamos a rotina de um aluno ouvinte, onde boa parte do tempo em aula, não tem a necessidade primeira de olhar para o professor, podendo, até mesmo, realizar outras ações (como consultar o celular), enquanto se ouve. Para o aluno com deficiência auditiva, essa realizada é diferente. O aluno deverá sim estar atento ao professor, seja por conseguir visualizar os gestos (LIBRAS), seja por leitura labial. Assim, caso o professor tenha um posicionamento não favorável, como se posicionar de costas para o aluno, a comunicação poderá ser interrompida ou dificultada entre emissor e receptor.

 

Formas de abordagens educacionais

A reflexão sobre a relação existente entre a situação educacional das crianças surdas, a história e as abordagens educacionais é ampla, mas necessária. É bem verdade que em relação aos alunos surdos, há de se destacar a necessária reestruturação das escolas, como a viabilização do aprendizado por meio da LIBRAS; a garantia de práticas pedagógicas adequadas aos alunos com deficiências auditivas; uma melhor interlocução entre professores e alunos, assim como entre os alunos ouvintes e surdos; a participação de um professor surdo no time envolvido no processo de ensino e aprendizagem, entre outros fatores não menos importantes a serem considerados.

Deste modo, em conformidade com as alegações de Mantelato, Pedroso e Dias (2000), podemos afirmar que a tentativa de comunicação com o surdo, sem a devida utilização da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, é parcial e precária, valendo relembrar as formas de abordagens utilizadas:

a) Oralismo - que perdurou por muito tempo, não demonstrando resultados satisfatórios, e sendo ainda mais grave na medida em que os surdos eram proibidos de se comunicaram por sinais, como forma de estimular a emissão dos sons. Nessa abordagem, o tratamento do surdo se valia na integração dela à sociedade dos ouvintes, procurando imitá-los;

b) Comunicação Total - com alguma vantagem em relação à abordagem anterior, mas ainda com o aspecto negativo na medida em que tratava o surdo como alguém que deveria aprender a língua portuguesa sinalizada, sendo a surdez tratada em segundo plano;

c) Bilinguismo - sendo a abordagem atual mais alinhada com a inclusão, onde o surdo é entendido como sujeito de sua cultura, com identidade própria, não devendo imitar a sociedade ouvinte nem se adaptar a ela (integração). Assim, no bilinguismo, o surdo irá ter sua formação na primeira língua (LIBRAS), logo em sua alfabetização (até 5 anos de idade), aprendendo o Português mais adiante, desenvolvendo-se de maneira bilíngue.

 

Considerações Finais

Desta forma, há de se destacar a importante aquisição da LIBRAS, como primeira língua, do aluno surdo (5 anos de idade), sendo a Língua Portuguesa ensinada a posteriori, constituindo assim o bilinguismo. Por outro lado, é bem verdade que o

desafio é grande, ao considerar toda a equipe necessária para que isso ocorra. Soma- se a isto toda a complexidade envolvida na política pública, ao longo dos anos de segregação do tema abordado, envoltos pelo preconceito e exclusão social, ainda presente nos dias atuais. No entanto, mesmo com o bilinguismo, ainda estamos longe da realidade de estabelecermos uma condição de igualdade entre os surdos e ouvintes.

Finalmente, nossa história foi marcada pelo controle do ouvinte sobre o indivíduo com deficiência auditiva. O autoritarismo presente em diversas áreas tem sido destacado principalmente durante a formação educacional da criança surda, onde o controlador decidia pela vida do surdo, condenando à exclusão social e mundo do trabalho produtivista, sendo mais vítima que agente social. Portanto, ao considerar o aluno com deficiência auditiva, precisamos desfazer com esse modelo, que significa trilhar novas direções e decisões que dizem à sua formação como cidadão com identidade própria, com respeito à sua vida, bem além das políticas públicas, ainda quase sempre precárias entre o que se deve fazer e o que de fato é realizado.

 

Referências

NASCIMENTO, R. Acessibilidade. Parte 4. Santa Cruz do Sul – RS. UNISC TC. Jun/Jul 2008. Disponível em: Acesso em 09 jul. 2020.

PEDROSO, C. C. A.; ROCHA, J. C. M. Língua Brasileira de Sinais. Batatais: Claretiano, 2013. Unidades 4, 5 e 6.

YOUTUBE. Em tese a Surdez. Vídeo. Disponível em: Acesso em 10 jul. 2020.

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