HIERARQUIA ENTRE OS TRATADOS INTERNACIONAIS QUE VERSAM SOBRE DIREITOS HUMANOS E AS NORMAS DO ORDENAMENTO JURIDICO PÁTRIO.
Por Gabriela de Campos Sena | 10/03/2014 | DireitoHIERARQUIA ENTRE OS TRATADOS INTERNACIONAIS QUE VERSAM SOBRE DIREITOS HUMANOS E AS NORMAS DO ORDENAMENTO JURIDICO PÁTRIO.
Gabriela de Campos Sena [1]
O direito internacional Público além de atribuir a responsabilidade internacional aos sujeitos de Direito Internacional Público, em virtude da prática de atos ilícitos, no âmbito do direito externo, também criou mecanismos compostos por: princípios, regras e normas para dirimir conflitos entre fontes, ou seja, divergência entre dispositivos legais dos tratados e convenções internacionais e as normas do Direito Interno dos Estados- signatários.
Antes de abordarmos s questão de hierarquia entre os tratados internacionais que versam sobre Direitos Humanos e as normas do Direito Interno dos Estados- signatários é fundamental discorremos sobre as espécies normativas existentes no ordenamento jurídico pátrio.
A Constituição da República Federativa do Brasil elenca em seu artigo 59, incisos I ao VII sobre as espécies normativas, acompanhe:
Art.59_ O processo legislativo compreende a elaboração de:
I- emendas a constituição; II- leis complementares; III- leis ordinárias; IV- leis delegadas; V- medidas provisórias; VI- decretos legislativos; VII- resoluções.
A primeira espécie normativa que são as emendas a Constituição tem por finalidade alterar, suprimir ou modificar o texto constitucional. Um exemplo clássico das emendas a Constituição é os “tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos são equivalentes as emendas Constitucionais, se aprovados,em cada Casado Congresso Nacional, em dois termos, por três quintos dos votos dos respectivos membros”, conforme o §3°, do artigo 5°, da CRF/88.
É importante esclarecemos que a “Constituição Federal não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sitio”, conforme o art.60, §1° da CRF/88.Preceitua também o art.60, §4°, I ao IV da Constituição de 1988, que:
§ 4°- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I- a forma federativa de Estado; II- o voto direto, secreto, universal e periódico; III- a separação dos Poderes; IV- os direitos e garantias individuas.
Já as leis complementares, a Constituição da República Federativa do Brasil, exigem, no art.69, o voto da maioria absoluta dos membros das duas casas do Congresso Nacional para a aprovação de projeto de lei complementar.
Este quorum especial e qualificado de aprovação da lei complementar revela sua superioridade formal perante a lei ordinária. Assim matérias próprias de leis complementares não podem ser disciplinadas por leis ordinárias. É vedada também as leis ordinárias, tratar sobre matérias de competências exclusivas do Congresso Nacional, e as privativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (CARVALHO, 2008,p.1043).
No que diz respeito as leis delegadas são atos normativos primário, nada obstante a Presidente da República a editá-las. A lei delegada é ato legislativo que deriva imediatamente da Constituição apesar de condicionado (CARVALHO, 2008.p.1043).
As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que devera solicitar a delegação ao Congresso Nacional, conforme o artigo 68, caput, da CRF/88.
Em conformidade ao artigo 68, §1° I ao III, da Carta Política de 1988, preceitua as seguintes vedações com relação as leis delegadas:
Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1°- Não será objeto de delegação o ato de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa das Câmaras dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada a lei complementar, nem a legislação sofre:
I- organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia dos seus membros; II- nacionalidade, cidadania, direitos individuas políticos e eleitorais; III- planos plurianuais, diretrizes e orçamentários e orçamentos.
No que tange as medidas provisórias da Constituição Brasileira pressupõe nos casos de relevância e de urgência, seno vedada sua edição para regular sobre algumas matérias, conforme o artigo 62,§ 1°, I ao IV da CRF:
Art.62. Ema caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§1° É vedada a edição de medidas provisória sobre matéria:
I- relativa a: nacionalidade, cidadania, direito políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b)direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Publico, a carreira e a garantia dos seus membros; d) planos de plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art.167, § 3°. II- que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III- reservada a lei complementar; IV- já disciplinada em projeto de leis provado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
No Brasil, a edição das medidas provisórias é de competência privativa do Presidente da República, como preceitua o artigo 84, inciso XXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
As medidas provisórias têm como característica: a denominação do ato legislativo, a força de lei, a apresentação imediata, a convocação extraordinária em caso de recesso, a reunião no prazo de cinco dias, a perda da eficácia, desde o inicio ou da edição, a conversão em lei, em prazo a contar da publicação, a regulamentação das relações jurídicas decorrentes da medida não convertida, conforme preceitua o artigo 62, regular sobre algumas matérias, conforme o artigo 62, §§ 2° ao 12°, da CRF/88.
As outras espécies normativas são dos decretos legislativos que correspondem os atos destinados a regular matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional que tenham efeitos externos a ele, independente de sanção e de veto, estamos disciplinados no artigo 49, da CRF (CARVALHO, 2008, p.1051)
Art.49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; II autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneça Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; IV- aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizarem o estado de sitio, ou suspender qualquer umas dessas medidas; V- sustar os atos normativos do Poder Executivo que sua sede; VII- fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os artigos 37, XI , 39 , § 4°, 150 , III , e 153 , § 2°, I; VIII- fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os art.37,XI,39,§4°,150,II,153,III e 153,§2°,I;IX- julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;X- fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;XI- zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;XII_ apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão;XIII- escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; XIV- aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; XV- autorizar referendo e convocar plebiscito; XVI- autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;XVII- aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras púbicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.
E por fim diferentemente dos decretos legislativos, as resoluções, com eficácia de lei ordinária, disciplinas matérias de competência privada da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, porém com efeitos internos.
No que se referem aos tratados internacionais, estes são submetidos ao procedimento legislativo próprio pra inserirem no ordenamento jurídico pátrio.
Sendo que, incorporados ao ordenamento jurídico nacional, tem hierarquia de lei ordinária, estando, sujeitos ao controle de constitucionalidade.
O Brasil adotou duas teorias para dirimir os conflitos entre fontes, a primeira denominada monista e a segunda dualista.
A teoria monista é difundida por Hans Kelsen e tem como seguidores: Verdrosa, Nirkine, Guerzévitch, Lauterpacht, Jimenez de Arechaga, Migia deLa Muelae Martta Rangel.
A corrente monista defende a idéia que o Direito Internacional e o Direito interno compõem um único sistema jurídico e, na superveniência de divergência, uma norma prevalecerá sobre a outra.
Devido a complexidade da teoria monista, houve a necessidade de ramificar tal teoria, como ensina o doutrinador Jean Michel Arrigeu citado por Sérgio Mourão Correa Lima:
O Direito Internacional está subordinado ao Direito Interno, teríamos então o monismo com primazia do Direito Interno; o Direito Interno e o Direito Internacional estariam incluídos em uma ordem superior o direito natural. O Direito Interno esta subordinado ao Direito Internacional, teríamos o monismo com primazia do Direito Internacional (LIMA, 1998, p.172).
Já a teoria dualista é difundida por Heinrich Triepel e tem como seguidores: Anzielotti, Strup, Vallz, Oppenhem, Diena, Perassi, Balladore Palieti, Liszt e Amílcar de Castro, no Brasil.
A corrente dualista, difunde a idéia que o Direito Internacional e o Direito Interno compõem ordem jurídicas distintas, constituídas por fatores jurídicos diferentes direcionados a sujeitos distintos, não podendo existir divergência entre ambas, pelo fato do direito interno regular relações entre indivíduos no âmbito Interno do Estado, enquanto o Direito Internacional disciplina relações entre Estados, gerando obrigações entre eles. Além disso, o Direito Internacional só terá eficácia no âmbito interno estatal, após ser modificado pela lei vigente interna.
Segundo a orientação do Supremo Tribunal Federal - STF, que em caso de conflito entre fontes prevalecerá a norma de edição mais recente, o Brasil adotou a corrente monista moderna que considera os tratados e convenções internacionais promulgados pelo ordenamento jurídico pátrio no mesmo patamar hierárquico que as leis ordinárias do âmbito interno.
Ilustra o doutrinador André Ramos Tavares, que:
Os tratados internacionais são incorporados ao Direito Interno em nível de igualdade com a legislação ordinária inexistindo entre o tratado e a lei relação de hierarquia se sujeita eles a regra geral de que a norma posterior prevalece sobre a anterior. A derrogação do tratado pela lei não exclui eventual responsabilidade Internacional do Estado, se este não se valer do meio institucional próprio de extinção de um tratado que é a denuncia (TAVARES, 2003, p.33).
O preceito legal contido no art.5°,§3°, da CRF/88, menciona dois requisitos essenciais para os tratados e convenções internacionais equivalerem-se como emendas constitucionais: primeiro versa sobre Direitos Humanos e segundo receberem aprovação do Congresso Nacional em dois turnos pelo quorum de três quintos dos votos dos respectivos membros de cada casa.
O questionamento pertinente é com relação aos tratados e convenções internacionais referentes aos Direitos Humanos, promulgados anteriormente a Emenda a Constituição n°45/2004, se possuem força de emenda Constitucional automaticamente ou precisam submeter-se estes ao quorum de aprovação do Congresso Nacional.
O exemplo clássico é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como o Pacto de São José da Costa Rica, aprovada pelo Brasil por meio de Decreto Legislativo n°.27 de 25 de setembro de 1992 e promulgada pelo Decreto n°678 de 6 de novembro de 1992, que proíbe em seu artigo 7°, item VII a prisão civil por dívida, ressalvando apenas no caso do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.
Este preceito atinge diretamente o art.5°,LXVII, da CRF, que preceitua:”não haverá prisão civil por dívida, salvo a responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”
Neste mesmo compasso a doutrinadora Flávia Piovesan, tem a seguinte opinião sobre o assunto: ’’ora, se o Brasil ratificou este instrumento sem qualquer reserva no que tange a matéria, é de se questionar a possibilidade jurídica da prisão civil do depositário infiel” (PIOVESAN, 1997, p.125).
Já o doutrinador Fernando Capez entende que:
Se não for submetidas a nenhum quorum qualificado em sua aprovação que o erigisse de norma equivalente as emendas constitucionais sua posição é subalterna no ordenamento jurídico, de modo que não pode prevalecer sobre normas constitucionais expressas, permanecendo a possibilidade de prisão do depositário infiel.(CAPEZ,2008,p.248)
É de fundamental importância esclarecer que em conformidade ao disposto no art.60, § 4°, IV da CF/88 as “normas que tratam de Direitos Individuais não podem ser suprimidas, nem reduzidas, nem mesmo por emenda a constituição, sendo protegidas pelas cláusulas pétreas”. Este dispositivo legal abrange tanto os tratados e convenções internacionais que versa sobre Direitos Humanos posteriores, como também os que antecedem a Emenda a Constituição n°45/2004.
Havendo conflitos entre leis e tratados, utiliza-se, em primeiro lugar, como solução, o critério da especialidade, pelo qual normas de natureza especial têm prevalência sobre as normas gerais, incluídas aquelas que lhe são posteriores. Caso o conflito não passa ser solucionado pelo critério da especialidade, observa-se o critério temporal, garantindo-se a prevalência da ultima manifestação do legislador nacional, levando em consideração a data da vigência da lei e do tratado (CARVALHO, 2008, p.1052).
[1] Mestranda em Direito pela UFMG.