HERMENÊUTICA E DIREITO PENAL – O DIREITO DE PUNIR DO ESTADO E À (IN)EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Por Patrícia Fernanda Santos Velozo | 21/06/2018 | Direito

SINOPSE DO CASE: HERMENÊUTICA E DIREITO PENAL – O DIREITO DE PUNIR DO ESTADO E À (IN)EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1
Patrícia Fernanda Santos Velozo²
1. DESCRIÇÃO DO CASO
A Defensoria Pública entrou com uma apelação para o caso de José Vargas da Rosa, que teria sido condenado a seis meses de reclusão em regime semiaberto mais dez dias-multa pelo incurso nos artigos 155 e 14, I, do CP, pois teria tentado extrair, para si, através de rompimento de obstáculo, bens de uma residência. A Defensoria pediu pela aplicação do “princípio da bagatela” ou pela insuficiência probatória para que pudesse ocorrer a fixação de regime menos gravoso. A Procuradoria de Justiça, então, pelo Dr. Lenio Luiz Streck, manifestou-se pelo parcial provimento do apelo para, mantida a condenação do réu, seja redimensionada a pena que foi imposta. Foi registrado que o réu não possui mandado de prisão por este processo.
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO 2.1 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS A análise do caso descrito não deve ocorrer somente de forma “mecanizada” onde se tem em mente que o Direito Penal serve para tutelar os bens jurídicos de mais importância para a população. Tal fato pede por uma verificação mais abrangente no que tange o Direito Penal em si, observando seus princípios e abordando, por exemplo, a relação entre a restrição da liberdade individual e a efetivação de direitos fundamentais. 2.2 ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO
1 Case apresentado à disciplina Hermenêutica, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.
² Aluna do 4º período, do Curso de Direito, da UNDB.
O Direito Penal visa dar proteção aos bens jurídicos mais importantes e necessários para a sociedade. Rogério Greco, procurador de justiça, afirma que a pena é simplesmente o instrumento de coerção de que se vale o Direito Penal para a proteção dos bens, valores e interesses mais significativos da sociedade. De acordo ainda com o mesmo procurador, o Direito Penal pode ser “classificado” como objetivo e subjetivo, sendo este a possibilidade que tem o Estado de criar e fazer cumprir suas normas e, aquele, o conjunto de normas editadas pelo Estado, definindo crimes e contravenções, ou seja, impondo ou proibindo determinadas condutas que, no caso em estudo, seria o furto. De acordo com Amilton Carvalho, o garantismo penal busca estabelecer critérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniqueísta que coloca a “defesa social” acima dos direitos e garantias individuais. A garantia desses direitos corresponde a pré-condições de convivência. “Percebido dessa forma, o modelo garantista permite a criação de um instrumental prático-teórico idôneo à tutela dos direitos contra a irracionalidade dos poderes, sejam públicos ou privados. Os direitos fundamentais adquirem, pois, status de intangibilidade, estabelecendo o que Elias Diaz e Ferrajoli denominam de esfera do não-decidível, núcleo sobre o qual sequer a totalidade pode decidir. Em realidade, conforma uma esfera do inegociável, cujo sacrifício não pode ser legitimado sequer sob a justificativa da manutenção do ‘bem comum'. Os direitos fundamentais - direitos humanes constitucionalizados - adquirem, portanto, a função de estabelecer o objeto e os limites do direito penal nas sociedades democráticas.” (CARVALHO, 2000). O estudo do princípio da insignificância encontra-se voltado à tipicidade chamada conglobante, ou seja, na tipicidade material. “Além da necessidade de existirum modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequação, isto é, para que a condita do agente se amolde com perfeição ao tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção. Quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o patrimônio-, não quis abarcar toda e qualquer lesão corporal sofrida pela vitima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando seu valor.” (GRECO, p.67, 2014)
Analisando o pedido realizado pela Defensoria Pública, através do principio da insignificância, poderia afirmar que não existindo a tipicidade material, não haveria a conglobante, e assim não existiria a penal, logo, o fato não iria ser considerado típico. De acordo com Francisco Muñoz Conde, o poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo principio da intervenção mínima, ou seja, o Direito Penal deve interferir nos casos de ataques muitos graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves da ordem jurídica são objetos de outros ramos do Direito. Apesar do Direito Penal ser o garantidor da “justiça” social, é possível perceber que o Direito não se direciona igualmente a todos. Tal questão pode ser percebida no livro de Amilton Carvalho, quando ele justifica a opinião do autor Zaffaroni, o qual afirma que reprovar com a mesma intensidade pessoas que ocupam situações de privilégio e outras que se encontram em situações de extrema pobreza é uma clara violação do principio da igualdade corretamente entendido, que não significa tratar todos igualmente, mas tratar com isonomia quem se encontra em igual situação. “Tomando a afirmação como base, somente poderíamos estabelecer juízos paritários (isonômicos) de reprovabilidade individual pelo ato delitivo se, na análise do autor socialmente referido, constatássemos que existiu, por parte do Estado, satisfação mínima de seus direitos fundamentais (direitos de liberdade e direitos sociais, econômicos e culturais). Do contrário, estaria estabelecida uma desigualdade material, visto o tratamento ‘igualitário de desiguais', ou seja, apesar de gerar uma situação de ‘igualdade formal’, substancialmente estaria descaracterizado o princípio da isonomia.” (CARVALHO, p. 74, 2000) Não se deve incumbir o ato somente na tipificação dele em si. É necessário perceber tudo que rodeia o sujeito, o âmbito social em que ele está inserido. De acordo com Amilton Carvalho, esse âmbito deve ser levado em consideração na aplicação da pena, desde que, no caso concreto, o magistrado identifique uma relação razoável entre a omissão estatal em disponibilizar ao indivíduo mecanismos de potencializar suas capacidades e o fato danoso por ele cometido. Deve-se levar em conta ainda que, como se encontra tipificado no Código Penal, em seu artigo 66, a pena poderá ser atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. 2.3 DESCRIÇÃO

DOS CRITÉRIOS E VALORES CONTIDOS EM CADA DECISÃO POSSÍVEL
Através do Princípio da Insignificância deve-se considerar que os bens os quais José foi acusado de furtar, não detinham de um alto valor pecuniário. Além de que considerando o principio da intervenção mínima, o direito penal só deve interferir nos casos de ataques muitos graves aos bens jurídicos. A Defensoria Pública ao fazer a apelação para que a pena pudesse ser revisada, buscou garantir os direitos que o réu detém. Haja vista que o princípio da co-culpabilidade também poderá ser percebido nesse caso, deve ser considerado que as condições socioeconômicas do agente são de tal modo adversas que o juiz, ao proceder à individualização da pena, não pode ignorá-las, devendo lhe atenuar o castigo por isso, desde que haja relação casual entre tais condições e o delito cometido, motivo pelo qual a sua aplicação ocorrerá principalmente nos crimes patrimoniais. (QUEIROZ, Paulo).

REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Penal. 17. ed. São Paulo. 2014
CARVALHO, Amilton. Aplicação da pena e garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. CONDE, Francisco. Derecho Penal parte general. 4.ed.Valencia, 2000. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014.
QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal. Disponível em: <http://pauloqueiroz.net/co-culpabilidade/>. Acesso: 24.mar.2015

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