Herança Vacante

Por Carolina Becker Lamounier | 21/03/2011 | Direito

I ? INTRODUÇÃO O Direito das Sucessões é o ramo do Direito que cuida da transmissão de bens, direitos e obrigações em decorrência da morte. A palavra ?sucessão' tem sentido restrito, pois serve para designar somente a transferência da herança ou legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei ou em virtude de testamento. Ou seja, de forma genérica, o termo ?sucessão', significa o ato jurídico pelo qual uma pessoa substitui outra em seus direitos e obrigações, podendo ser consequência tanto de uma relação entre pessoas vivas quanto da morte de alguém. No Brasil, as normas concernentes ao Direito das Sucessões estão estabelecidas no artigo 5º da Constituição Federal, incisos XXX e XXXI; nos artigos 1784 a 2027 do Código Civil; e na Lei n. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Ademais, ?herança' é o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, em virtude da morte, a uma pessoa ou várias pessoas que sobreviveram ao falecido. É a parte que cabe ao herdeiro dentro do acervo hereditário, do espólio. Portanto, a sucessão visa a transferência do patrimônio de uma pessoa para outra. O patrimônio a ser transmitido é constituído da totalidade dos bens pertencentes ao de cujus. Podem ser imóveis ou móveis, direitos, ações, títulos, dinheiro, jóias, etc. Porém, as dívidas também são transmissíveis, ou seja, o ativo e o passivo se transferem. Entretanto, os herdeiros só estarão obrigados às dívidas até o limite das forças da herança. A parte do patrimônio que será transferida às pessoas referidas na lei (ascendentes e descendentes), mesmo que essa não seja a vontade do falecido, é denominada de ?legítima'. Já a porção ?disponível' é a parte do acervo da qual o indivíduo poderá livremente dispor, contemplando parentes ou estranhos, pessoas físicas ou jurídicas, fundações ou instituições de caridade. Portanto, na porção ?legítima' domina a vontade da lei, enquanto na porção ?disponível' impera a liberdade volitiva. Considera-se aberta a sucessão no instante da morte ou no instante presumido da morte de alguém. Nasce o direito hereditário e ocorre a substituição do falecido pelos seus sucessores nas relações jurídicas em que o falecido figurava. A fórmula que regula essa transmissão é chamada "droit de saisine", segundo a qual a morte e a transmissão legal coincidem em termos cronológicos, presumindo a lei que o próprio de cujus investiu seus herdeiros no domínio e na posse indireta de seu patrimônio. O patrimônio mencionado é a herança, composta pelos bens, direitos e obrigações do de cujus. No Brasil, a herança também terá a sua abertura com o fenomeno da "saisine", isto é, o fenomêno que se dá logo tenha ocorrido a morte do autor da herança. Logo, uma pessoa pode vir a falecer, deixando patrimônio sem que se conheçam os herdeiros ou sem mesmo possuí-los. Nesse caso, o Estado promove a arrecadação dos bens e toma iniciativas. Uma delas é a realização de um processo denominado ?inventário'. Assim, nesse momento de expectativa da existência e habilitação de herdeiros, a herança é denominada de ?jacente'. Porém, um ano após a conclusão do inventário, em não aparecendo herdeiros e esgotadas as diligências, a herança será declarada ?vacante'. Decorridos cinco anos da abertura da sucessão, a herança vacante reverterá ao domínio do Poder Público. Portanto, o que é a herança vacante? Quais suas características e particularidades? Como ela se opera no âmbito do Direito Sucessório? II ? HERANÇA JACENTE (BREVE EXPLANAÇÃO) Para que se entenda a herança vacante, é necessário que se saiba o que é a herança jacente. A herança jacente é aquela cujos herdeiros ainda não são conhecidos, ou, se conhecidos, renunciaram à herança, não havendo outros. Assim, Carlos Roberto Gonçalves, explicita que a herança jacente: "(...) consiste, em bem verdade, em um acervo de bens, administrado por um curador, sob fiscalização da autoridade judiciária, até que se habilitem os herdeiros, incertos ou desconhecidos, ou se declare por sentença a respectiva vacância". É importante destacar que a herança jacente, apesar de não possuir personalidade jurídica, tem reconhecida a legitimação ativa e passiva para comparecer em juízo. Gozando, assim, indubitavelmente, de legitimidade ativa e passiva para acionar e ser acionada em juízo, quando se fizer necessário. Maria Helena Diniz também preleciona que a herança jacente não goza de personalidade jurídica, por ser uma massa de bens identificada como núcleo unitário. Senão vejamos: "Massa de bens, identificável como unidade, não se personifica, por lhe faltarem os pressupostos necessários à subjetivação, tais como objetivo social, caráter permanente, reconhecimento pelo Estado, e por não precisar de personalidade, já que pode agir por outro processo técnico que, embora não lhe outorgue a mesma homogeneidade, lhe possibilita a ação sem quaisquer dificuldades". Enfim, a lei não confere personalidade jurídica ao espólio, à herança jacente ou vacante. Mas a doutrina e a jurisprudência têm admitido a legitimidade de tais ?patrimônios' para atuar em juízo, embora desprovidos de personalidade. Portanto, a herança jacente espera e procura herdeiros. Trata-se, pois, de um estado provisório que tem início e fim. Essa herança tem uma função processual e transitória, pois espera surgir os herdeiros ou a transforma em herança vacante. A herança que não tem quem a reclame irá se transformar com a qualificadora da jacência ? a herança está procurando, esperando herdeiros. Como é temporária, tem um fim previsto, que pode ser: com o surgimento de herdeiro(s) ou com o não surgimento de herdeiro(s). A procura e espera de herdeiros da herança jacente é feita pelo Poder Judiciário. O artigo 1.819 do Código Civil prevê: "Art. 1.819 - Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância". A herança jacente possui duas fases distintas, quais sejam: arrecadação dos bens e apuração judicial. Se nesse ínterim o juiz descobrir algum possível herdeiro, ele deve expedir um Mandado de Citação. Assim, para se habilitar , o credor ou interessado pela herança tem como prazo o trânsito em julgado da sentença de vacância. III ? HERANÇA VACANTE O novo Código Civil, em vigor a partir de 11 de janeiro de 2003, sobre a herança jacente e a herança vacante, estabelece o seguinte: "Art. 1.819 - Falecendo alguém, sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou a declaração de sua vacância". Em seguida, vejamos: "Art. 1.820 - Praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual, e, decorrido 1 (um) ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado, ou penda habilitação, será a herança declarada vacante". Ademais: "Art. 1.822 - A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal". Ainda: "Art. 1.823 - Quando todos os chamados a suceder (cônjuge, descendentes, ascendentes ou colaterais) renunciarem à herança, será esta, desde logo, declarada vacante". Em outras palavras, os colaterais ficarão excluídos da sucessão se não se habilitarem até a declaração de vacância. Tem-se, pois, como razoável considerar-se jacente a herança, num período transitório, enquanto não se apresentarem herdeiros legítimos, consoante a previsão dos artigos 1.829 a 1.843 e 1.790 do novo Código Civil, ou testamentários, conforme o disposto nos artigos 1.798 a 1.803 do mesmo código, em que os bens serão arrecadados e administrados por um curador, sob a superintendência do juiz, até a sua entrega ao sucessor habilitado, em atendimento aos editais, ou a declaração judicial de vacância, após o decurso de um ano a partir da primeira publicação dos editais, sem o aparecimento de herdeiros ou com a renúncia dós que se apresentarem. Assim, herança vacante é a declarada por sentença quando: a) após um ano da primeira publicação dos editais conclamando os herdeiros a se apresentar, não tenha havido nem penda qualquer habilitação; b) todos os chamados a suceder renunciarem à herança. Da declaração de vacância, explendem os seguintes efeitos: primeiro exclui e afasta os colaterais da sucessão; segundo, fixa o prazo de cinco anos, a partir da abertura da sucessão, para a passagem do domínio aos entes públicos, dos bens situados nas respectivas circunscrições; em seguida, incorpora os bens vagos ao domínio do Município, do Distrito Federal ou da União, onde forem aqueles situados, após o decurso de cinco anos. Resta claro que, ao contrário da herança jacente, a herança vacante não está esperando ou procurando herdeiros, tendo em vista que a sua função é de devolver o acervo hereditário ao Poder Público ("bona vacantia"). Portanto, a sua função é de transmissibilidade da herança. A herança jacente passa a ser herança vacante quando, depois de praticadas todas as diligências, ainda não surgirem interessados. Via de regra, isto acontece no prazo de um ano depois de concluído o inventário, conforme o artigo 1.820 do Código Civil. De acordo com o artigo 1.823 do Código Civil, a herança é arrecadada jacente e permanece assim até o decurso de um ano e dia, contados da publicação do primeiro edital. Não havendo habilitado depois de 1 ano, o juiz declara a herança vacante por sentença. Essa sentença gera uma presunção de que todos os atos necessários para se achar os herdeiros foram praticados. O termo ?devolver' é utilizado porque a propriedade pertencia ao Estado antes de ser do particular. Logo, o Poder Público não ganha ou adquire o bem, mas o recebe a título de devolução. Assim, o município onde o bem se localiza irá recebê-lo de volta em caso de vacância, está disposto no artigo 1.822 do Código Civil. Assim, de acordo com a legislação vigente, os colaterais só podem se habilitar até a declaração de vacância ter transitado em julgado. Logo, declarada a vacância, contam-se cinco anos da abertura da sucessão para que os bens se incorporem definitivamente ao patrimônio do Município, ao do Distrito Federal ou ao da União. Entretanto, a partir de 1990, os bens passaram a ser devolvidos somente ao Município onde estão localizados. Sendo assim, o Município está obrigado a destinar o dinheiro da herança para fundações destinadas ao desenvolvimento do ensino universitário, sob a fiscalização do Ministério Público. No entanto, há três correntes a respeito da destinação do dinheiro. A primeira defende que o Município deve alterar seu plano diretor e criar uma universidade na cidade. Já a segunda corrrente, denominada de ?moderadora' e que tem o maior número de adeptos, defende que, se o Município não tem universidade, deve aplicar o dinheiro na educação de base. Por fim, a terceira corrente defende que, se o Município não tem universidade, deve aplicar o dinheiro como bem entender. IV ? CONSIDERACÕES FINAIS Em suma, a jacência é transitória por natureza. Sílvio de Salvo Venosa esclarece que "o estado de jacência é simplesmente uma passagem fática, transitória". Assim, os bens dessa herança serão entregues aos herdeiros que se habilitarem, ou então será declarada a herança vacante. Portanto, a vacância é o estado definitivo da herança que já foi jacente. A sentença que declara vaga a herança põe fim à imprecisão que caracteriza a situação de jacência, estabelecendo a certeza jurídica de que o patrimônio hereditário não tem titular até o momento da delação ao ente público, quando o curador é obrigado a entregar a herança ao Poder Público. REFERÊNCIAS DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões vol. 6. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. DIREITONET. . Acessado em 16 mar. 2011. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2007. JUS NAVEGANDI. . Acessado em 16 mar. 2011. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 7ª ed. São Paulo: Manole, 2008. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil vol. 6. Rio de Janeiro:Forense, 2005. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2005. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Sucessões vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2005. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões vol. 7. 3ª ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2003.