Helena

Por Maria do Socorro Abrantes Sarmento | 09/05/2014 | Contos

Helena

Apesar da redução da mortalidade infantil no Brasil na década de 1950, muitas crianças ainda morriam antes de completar um ano de idade, no São Diogo. Isso ocorria em decorrência da falta de informação da população, da carência de uma boa alimentação, das más condições de vida, da falta de vacinas, da ausência de água tratada e encanada, da privação de coleta de lixo e da falta de conhecimento de micróbios, entre tantos outros problemas.

Numa casinha bem humilde, próxima á serra, residiam Helena e Joaquim, com seus três filhos pequenos. No passado eram seis, mas morreram três. E agora, um deles estava doente.

Joaquim queria ter muitos filhos para ajudá-lo na roça quando estivessem crescidos e por isso, tinha muito desgosto porque eles adoeciam e morriam antes de completar um ano de vida.

Helena estava grávida novamente, com dois meses, porém, não sabia quanto tempo encontrava-se sua gestação. Era analfabeta. Ela trazia no olhar a tristeza pela morte prematura das suas crianças e para aumentar ainda mais sua dor, seu filho caçula, Chiquinho, de apenas oito meses, estava muito doente, com uma forte bronquite. A pobre mãe vivia com medo que ele também morresse.

_Como está o menino? Perguntou Antônia.

_Ta má. Num sei mais o qui fazê.Disse Helena chorando.

_Aqui estão essas frutas e verduras, faça uma sopa para você e seus filhos.

Antônia era uma mulher muito solidária, que morava naquele sítio, apesar de sua casa ser distante da serra, ela ajudava sempre Helena no que fosse preciso. Levava roupas, comida e prestava assistência às crianças, quando estas estavam doentes. Era ela também quem vestia os filhos daquela mulher, quando morriam ainda criança.

_Deus lhe pagui, dona tonha, eu sempri digu qui a sinhora é nossa luiz.

Antônia aproximou-se da redinha pobre e remendada, onde estava Chiquinho, dormindo.

_Meu Deus, como ele está pálido! Você está lhe dando o chá de flor de sabugo?

_Tô sim.

A criança dormia durante o dia, no entanto, à noite,  passava chorando e sua mãe desesperada com seu estado, já nem sabia o que era dormir.

_Você está grávida Helena, não pode ficar sem dormir. Peça ajuda ao seu marido, ele tem o dever de cuidar do filho.

_ Ele já trabaia o dia interu na roça e de noiti pricisa discansá.

_E você tem que pensar também nesse filho que está na sua barriga.

Depois de aconselhar a amiga, Antônia voltou para sua casa, comovida com o filhinho de Helena.

No dia seguinte, Chiquinho amanheceu muito mal, com uma enorme dificuldade para respirar. A mãe mandou que o marido fosse buscar Antônia. Esta, foi o mais rápido possível, entretanto, ao ver a criança, logo percebeu que não havia mais jeito, no entanto, não disse nada devido a gravidez da amiga. A boa senhora passou o dia inteiro cuidando do pequeno e ajudando a dona da casa. À noite, Chiquinho piorou e morreu.

Mais um filho de Helena tinha virado “anjinho”. Suas lágrimas entristeciam toda a vizinhança, que estava lhe prestando solidariedade, naquele momento. Joaquim também estava extremamente triste.

_Eli já era ispertim, tão sabidim! Lamentava o pobre pai.

Um homem chamado Zezuíto, confeccionou o caixãozinho do pequeno e não cobrou nada, sabia que as condições do casal eram as piores possíveis. O café  servido a todos, foi providenciado por Antônia, que trouxe de sua casa.Joaquim e a mulher eram bastante pobres e passavam muita fome. Talvez, se não fosse a solidariedade de Antônia, eles já teriam morrido.

No dia seguinte, Helena acordou com os dois filhos que lhe restavam, estes, apesar de ter alguns vermes, encontravam-se salvos. Tinham sobrevivido a uma fase ruim. A mãe abraçou fortemente os filhos e pediu para Nossa Senhora continuar protegendo aqueles sobreviventes. Foi neles e na criança que estava esperando, que ela encontrou esperanças para continuar vivendo.

Quando estava no sexto mês de gravidez, Helena descobriu uma anemia. Seus medicamentos foram comprados por Antônia, que também passou a cuidar pessoalmente de sua alimentação. A anêmica sentia muitas dores nas pernas e insônia. Sua gestação foi complicada, e o parto não pôde ser diferente, porém, sua filhinha nasceu, apesar de desnutrida.

A esperança tinha renascido naquela casa, até que quando a menina estava com cinco meses de vida, foi acometida por uma diarréia, não resistiu e morreu. Helena sofreu muito, no entanto, acostumou-se com aquele destino e já não questionava o porquê da morte de suas crianças. Em uma malinha, ela guardou as pouquíssimas roupas da pequena, como lembrança e também para uma próxima filha, que pudesse ter.

O tempo foi passando e Helena não demorou muito para engravidar novamente. Em meio a tanta pobreza e dificuldade, lá estava Helena, grávida mais uma vez. Mas ela não podia sentir outra coisa por aquela criança, senão um imenso amor de mãe, apesar de não se sentir feliz.

Um dia, quando vinha do riacho, com uma lata d’água na cabeça, a mulher de Joaquim tropeçou e caiu. Naquele momento, ela protegeu a barriga o quanto pôde e foi então,  que percebeu o grande amor que já sentia por aquela criança. Ela chorou de emoção.

Os meses passavam, sua barriga crescia, porém, Helena não sabia  quando seria o nascimento. Antônia achava que a amiga estava no sétimo mês. Helena sentia-se muito indisposta e um dia quando estava pisando milho no pilão, para fazer um angu, teve uma tontura. Ela não disse ao marido e continuou trabalhando. Inesperadamente, sentiu as dores do parto e mandou seu filho  de quatro anos, chamar sua amiga para lhe acudir. Joaquim ficou nervoso e brigou com a mulher porque ela vivia cheia de problemas, ele disse que não agüentava mais aquela vida de doenças e mortes.

_A cuipa não é deu. Disse Helena.

Quando Antônia chegou e viu a grávida, pensou em  chamar um médico de Sousa, mas percebeu que não dava mais tempo e resolveu começar a trabalhar em mais um parto daquela pobre infeliz.

_Vamos Helena, seja forte e tenha fé em Deus. Você só está no sétimo mês, isso não era para estar acontecendo, mas o que fazer?

Depois  de ver a amiga quase morrer, Antônia conseguiu tirar a criança morta de sua barriga.

_Era um menino, mas a vida é assim, Joaquim. Disse  a amiga de Helena, que imediatamente providenciou um caldo para a pobre mãe.

Joaquim colocou o filhinho numa caixinha branca e foi enterrá-lo. Todos no São Diogo se comoveram ao vê-lo passar com a caixa no ombro.

Um ano depois, Helena teve uma filha chamada Maria Bethânia. Quando esta estava com sete meses, morreu vítima de uma hepatite.

Mas o Brasil mudou e aos poucos, a mortalidade foi desaparecendo. Helena conseguiu ter dez filhos, que foram criados com muitas dificuldades, porém, com saúde. Eles cresceram ouvindo a história dos irmãos que morreram e de um tempo difícil que a mãe enfrentou.

Maria do socorro Abrantes Sarmento

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