Hábeas Corpus E Trancamento Da Ação Penal
Por Juliana Santiago de Oliveira | 21/04/2007 | Direito1. HABEAS CORPUS
1.1 DEFINIÇÃO:
É remédio constitucional que garante o direito individual de locomoção contra ameaça, efetiva violência ou coação exercida de forma ilegal ou com abuso de poder.
Entende grande parte da doutrina, que o hábeas corpus, somente se dirige contra ato atentatório da liberdade de locomoção (ou seja, o direito de ir e vir). Por outro lado, existem opiniões no sentido de que o hábeas corpus não se limita unicamente ao direito de ir e vir, tendo também aplicação preventiva de atos que atentem contra à saúde, e o direito à vida (exemplo, para proteger o preso do carcereiro que atenta contra a saúde do preso).
1.2 NATUREZA JURÍDICA: RECURSO OU AÇÃO?
Entende Pacelli que o hábeas corpus é uma ação autônoma, cuja tramitação pode ocorrer antes mesmo do início da ação penal propriamente dita (a condenatória). E o só fato de se tratar de ação e não de recurso já nos permite uma conclusão de extrema relevância: o habeas corpus pode ser impetrado tanto antes quanto depois do trânsito em julgado da decisão restritiva de direitos. E, mais. Pode ser usado como substitutivo do recurso cabível, ou mesmo ser impetrado cumulativamente a ele.
Também tem aqueles que admitem ser o habeas corpus um recurso, na medida em que, se presta a provocar o reexame e a reforma da decisão, como, por exemplo, quando ataca o despacho de recebimento da denúncia ou a decisão que indefere o protesto por novo Júri 1.
A corrente acima citada, também entende que o habeas corpus pode tomar forma de simples providência, quando não há provocação da parte. É o que ocorre quando a ordem é concedida de ofício pelo juiz.
1.3 CABIMENTO:
Contra ato atentatório a liberdade de locomoção, e para sua configuração não é necessário que já se tenha uma ordem de prisão ou que seu titular já esteja preso. Pode a ameaça ser real, como também potencial.
Deve-se ter grande atenção as súmulas 693, 694 e 695 do STF que excluem do cabimento do habeas corpus a decisão que condena a pena de multa ou processo em curso por infração penal o que a pena pecuniária seja a única cominada ( Súmula 693 do STF); a imposição de pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública ( Súmula 694 do STF); e quando já extinta a pena privativa de liberdade (Súmula 695 do STF).
Enumera o art. 648 do CPP, quais são as coações ilegais que devem ser enfrentadas com o remédio jurídico-constitucional do habeas corpus.
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I - quando não houver justa causa;
II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;
VI - quando o processo for manifestamente nulo;
VII - quando extinta a punibilidade.
É cabível o habeas corpus contra ato ilegal de autoridade, e também, em casos excepcionais contra ato de particular (constrangimento ilegal ou cárcere privado).
1.4 COMPETÊNCIA:
Deve ser impetrado perante a autoridade judiciária superior àquela de quem parte a coação.
1.5 FORMAS:
1.5.1 Preventivo (art. 660, §4º do CPP): se dá quando o paciente sofre somente ameaça. Será preventivo, com a expedição de salvo-conduto.
1.5.2 Liberatório: quando já estiver ocorrendo a violência ou coação. Será liberatório, com a expedição de alvará de soltura, ou outra providência adequada.
1.5.3 De ofício (art. 654, §2º do CPP): quando o juiz ou tribunal verificar a ilegalidade no curso do processo.
1.6 APLICAÇÃO:
1.6.1 Cessação da prisão ou ameaça de prisão o que falte ou tenha passado a faltar determinado requisito legal.
1.6.2 Trancamento ou correção do inquérito ou de ação penal despidas de justa causa, ou com atos defeituosos que clamem por interferência imediata.
2. HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL
2.1 CABIMENTO:
O hábeas corpus para trancamento da ação penal é cabível quando há atipicidade manifesta do fato ou da presença de qualquer causa extintiva de punibilidade, como a prescrição, como demonstram os seguinte julgados:
HABEAS CORPUS - DENÚNCIA INEPTA - CONCESSÃO DA ORDEM PARA ANULAR O PROCESSO A QUE SUBMETIDO O PACIENTE, A PARTIR DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, INCLUSIVE - Tem-se dado ênfase, para validade da denúncia, a necessária descrição de fato concreto, localizado no tempo e no espaço, de modo a possibilitar a defesa e poder-se avaliar eventual ocorrência de prescrição ou outra causa extintiva da punibilidade. (TJRS - HC 699329504 - RS - 1ª C.Crim. - Rel. Des. Ranolfo Vieira - J. 16.06.1999)
HABEAS CORPUS - Denúncia imputando o crime de falsidade ideológica a despachante, que se limitou a encaminhar requerimento, formulado por clientes, à delegacia de trânsito - Descrição de fato atípico - Denúncia inepta - Ausência de dolo - Falta de justa causa - Trancamento da ação penal determinado - Ordem concedida. (TJSP - HC 291.229-3 - Mirassol - 4ª C.Crim. - Rel. Des. Passos de Freitas - J. 31.08.1999 - v.u.)
Além disso, como foi ressaltado anteriormente na aplicação do hábeas corpus, o cabimento também se verifica quando existe uma ação penal despida de justa causa, ou com atos defeituosos que clamem por interferência imediata, como se verifica nos seguintes julgados:
HABEAS CORPUS - RECEBIMENTO DE DENÚNCIA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA - FALTA DE JUSTA CAUSA - NECESSIDADE DE INDAGAÇÃO PROBATÓRIA - INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO HABEAS CORPUS - INÉPCIA DA DENÚNCIA - CRIMES DE QUADRILHA E DE PECULATO - GRAVES DEFEITOS FORMAIS DA DENÚNCIA - PEÇA ACUSATÓRIA INEPTA - INVALIDAÇÃO FORMAL DO PROCESSO DESDE O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA, INCLUSIVE - PEDIDO DEFERIDO - O ato judicial que formaliza o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público não se qualifica e nem se equipara, para os fins a que se refere o art. 93, IX, da Constituição de 1988, a ato de caráter decisório. O juízo positivo de admissibilidade da acusação penal não reclama, em conseqüência, qualquer fundamentação. Precedentes. A imputação penal não pode ser o resultado da vontade pessoal e arbitrária do acusador. O Ministério Público, para validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave dever poder não se transforme em um instrumento de injusta persecução estatal. O ajuizamento da ação penal condenatória supõe a existência de justa causa, que se tem por inocorrente quando o comportamento atribuído ao réu nem mesmo em tese constitui crime, ou quando, configurando uma infração penal, resulta de pura criação mental da acusação (RF 150/393, rel. Min. Orozimbo Nonato). O abuso de poder no oferecimento da denúncia, desde que inexista qualquer incerteza objetiva em torno dos fatos subjacentes a instauração da persecução penal, revela-se suscetível de controle Jurisdicional pela via do habeas corpus. A constatação da justa causa, no entanto, subtrair-se-a ao âmbito estreito do habeas corpus, sempre que a apreciação jurisdicional de sua alegada ausência implicar indagação probatória, análise aprofundada ou exame valorativo dos elementos de fato em que se apóia a peça de acusação penal. Precedentes. Necessidade, no caso, de perquirição exaustiva dos elementos probatórios de convicção. Inviabilidade do writ. O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas a garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado a ampla defesa. A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta. A denúncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria rés in judicio deducta. A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso e denúncia inepta (RTJ 57/389). (STF - HC 70.763 - DF - 1ª T. - Rel. Min. Celso de Mello - DJU 23.09.1994)
HABEAS CORPUS - AÇÃO PENAL - CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO (LEI Nº 8.137, ART. 5º, II) - DENÚNCIA INEPTA - TRANCAMENTO - A denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias (CPP, art. 41), com adequada indicação da conduta ilícita imputada ao réu, de modo a propiciar-lhe o pleno exercício do direito de defesa, uma das mais importantes franquias constitucionais. Contém a mácula da inépcia a denúncia que formula acusação genérica de prática de crime contra as relações de consumo, sem apontar de modo circunstanciado a participação dos réus no fato delituoso. A mera qualidade de sócio ou diretor de uma empresa, na qual se constatou a ocorrência de crime no processo de venda, não autoriza que contra o mesmo diretor seja formulada uma acusação penal em Juízo. Recurso ordinário provido. Habeas corpus concedido. (STJ - RHC 8.320 - SP - 6ª T. - Rel. Min. Vicente Leal - DJU 11.10.1999 - p. 87)
2.2 AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA:
2.2.1 Definições possíveis:
Ao tratar de justa causa, ou melhor, da sua ausência em uma ação penal discute-se qual a sua definição, e de que forma se pode delimitar sua interpretação para que assim não haja abuso ou extrapolação do seu uso em hábeas corpus para trancamento de uma ação penal.
Assim destacamos um pensamento de grande importância:
Para romper o princípio da inocência, sem que haja violações a direitos (intimidade, honra, segurança jurídica e dignidade) de quem é investigado, é necessário uma "justa causa".
Essa é a medida básica de segurança jurídica, para que não haja um retrocesso do Poder Público com denuncismos irresponsáveis, lembrando-se a época da ditadura militar, onde a existência de um fato punível era o mero juízo de valor negativo, desatrelado de prova ou de evidências. Bastava haver uma delatação, pouco importando a sua consistência, que da noite para o dia o cidadão cumpridor do seu dever jurídico passaria a ser um subversivo2.
Portanto, conclui alguns doutrinadores que a justa causa é a medida essencial de um Estado Democrático de Direito, que preserva os direitos e garantias fundamentais do seu cidadão. Faltando a justa causa não há justificativa para que o Poder Público continue a persecução criminal.
É de suma importância ressaltar, que a compreensão do que seja justa causa possui uma grande amplitude incidência, comportando por parte dos aplicadores do direito abusos e pedidos teratológicos. Assim, o que se conclui por justa causa, ou sua ausência, estará sempre vinculado à casuística, sendo indissociável dos fatos apurados3.
3. CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi estudado neste trabalho podemos perceber a grande importância que o hábeas corpus tem para preservação dos direitos fundamentais elencados na nossa Constituição Federal. E o hábeas corpus para trancamento da ação penal em especial, demonstra sua importância, na medida em que, faz com que se interrompa um processo injusto (até que se prove o contrário) a que um cidadão esteja sendo submetido.
Tal instituto (do hábeas corpus), em um país como o Brasil, onde o Judiciário a todo tempo comete injustiças e submete tanto culpados quanto inocentes a um procedimento doloroso e na maior parte das vezes tortuoso, tem a função de controle de que atrocidades não venham a acontecer.
REFERÊNCIAS
AYDOS, Marco Aurélio Dutra. O remédio abortivo da ação penal: reflexões sobre o abuso da ação constitucional de hábeas corpus. Disponível em: http://www. Anpr.org.br/boletim26/remédio.htm. acesso em: 27 mai 2006.
FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo e FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo de Processo Penal. Editora Malheiros. 13º ed. São Paulo, 2001.
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Ilegalidade e abuso de poder na investigação policial e administrativa, na denúncia e no ajuizamento de ação de improbidade administrativa. Ausência de justa causa. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 657, 25 abr. 2005. Disponível em: . Acesso em:
29 mai. 2006.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
Sites:
www.jusnavigandi.com.br
www.planalto.gov.br
www.anpr.org.br
www.dpe.rs.gov.br
www.central jurídica.com.br
1 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo e FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo de Processo Penal. Editora Malheiros. 13º ed. São Paulo, 2001.
2 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Ilegalidade e abuso de poder na investigação policial e administrativa, na denúncia e no ajuizamento de ação de improbidade administrativa. Ausência de justa causa. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 657, 25 abr. 2005. Disponível em: . Acesso em:
29 mai. 2006.
3 AYDOS, Marco Aurélio Dutra. O remédio abortivo da ação penal: reflexões sobre o abuso da ação constitucional de hábeas corpus. Disponível em: http://www. Anpr.org.br/boletim26/remédio.htm. acesso em: 27 mai 2006.