Gyn & Tônica II
Por Jacot Werner Stein | 07/12/2020 | SociedadeApós uma longa espera decidi-me a não mais esperar. Aparentemente, uma decisão simples e sem muitas consequências, contudo é realmente e totalmente ao contrário. Trata-se de algo simples, não há dúvida: decidi não mais esperar e não espero. Fim. A simplicidade consiste na possibilidade de: por não depender de outras pessoas, contudo para cada decisão, para cada escolha, para cada motivação de ação, para cada vontade a ser realizada, para cada desejo generosamente executado há pessoas envolvidas, há pelo menos uma outra que participa e pelo menos outras duas que ficam sabendo do fato ora consumado. Mesmo que tudo isto (uma decisão simples, o terceiro excluído de Aristóteles), decide-se não ir à pizzaria, mas decide-se em ir à churrascaria. Deixa-se um em detrimento de outro, escolhe-se um em detrimento do outro: o outro morre. A escolha é a morte da possibilidade. Quero manter-me sempre em possibilidade? É algo drástico, é algo assustador. Pois, há momentos mesmo que se esteja na companhia de U2, independe se with ou without you, apenas segue-se, apenas continua-se a caminhar, tão somente põe-se a caminho. E pôr-se a caminho é viver, e viver é projetar. E projetar consiste em fazer promessas. Mas, o homem não vive para fazer promessas, pois a promessa consiste no irrealizável. E o homem somente a partir de suas realizações, sua satisfação é a sua realização, sua aspiração, sua vontade, seu desejo é o vir-a-ser de sua realização enquanto projeto. Mesmo que se viva para fazer projetos, os projetos devem vir ao acaso, a partir do modo trágico da vida. Uma colossal vertigem corta-me ao pensar, ao projetar. Pois, projetar é fazer uma promessa, é consistir na tese que, independente dos acasos e dos acidentes que possam vir à acometer à essência, afirma-se que se vai viver para realizar o objeto do discurso. A promessa é um discurso, e o discurso é uma apropriação própria de um grupo. A promessa é individual, é sobremaneira individual, jamais coletiva. Casa-se com uma pessoa, não com várias. Mesmo que o desejo possa vir a fitar uma fazenda de mulheres, algo inimaginável, em que todas estando ali não para realizarem seus projetos, mas para realizarem o que lhe forem solicitado. A pessoa não vive de soliticações, embora alguns, dediquem-se diariamente à realização de solicitações alheias, afirmo: essa pessoa está em um profundo desacordo consigo mesma, pois ela não vive para si, para o outro. E viver para o outro consiste em transforma-se, em metamorfosear-se em outro. E o eu morre para o outro existir dentro de si. O outro é um hospedeiro, se o eu morre, o outro torna-se insustentável. I can’t live. Não há espera do outro em si mesmo, pois vela-se somente o eu. A decisão lembra Heidegger: de-cisão. Antepor uma cisão, uma separação, uma fenda, um hiato, uma obstrução a caminho. Decidir é ultrapassar o abismo, é transpor uma cisão, é transpor uma imortal cisão, uma imortal decifração de enigmas, um imortal intransitável a caminho, uma lenta e decidida caminhada rumo ao desconhecido. Pois, conhecer é saber, é ter relação com. E a decisão é uma antevisão do vir-a-ser da realidade, do vir-a-ser da vontade, mesmo que essa vontade decida sobre aquilo que ainda não possa ser decidido, que ainda fora realizável, mas está por ser realizado. Uma imensa vontade pôe-se a caminho: a escolha. A morte da possibilidade que se realiza a partir de uma motivação, de um motivo que se põe a agir, que não é ato ou fato, mas que é enquanto discurso, que é enquanto linguagem de um ser em processo que, ou cuja ação segue só. Solitária é a decisão, mesmo que seja colegiada, trata-se de uma tomada de consciência que se realiza a cada vez em um novo ser, uma nova pessoa, em uma nova realização, em uma nova possibilidade que se põe a viver enquanto escolha, enquanto de-cisão por motiv-ação de um único ser, de uma única pessoa, realizada em cada indivíduo. Muito longe do caminho, muito longe da vida, mas ao mesmo tempo que se constitui enquanto caminho, enquanto vida, ou mais propriamente: uma vida realizando-se, seguindo. Urgindo. Urdindo e forjando-se em cada ser que se esquiva, mas que quer efetivar-se. Longe, muito longe vive o ser. Mas este longe constitui-se como uma clareira, como um caminho que se faz caminhando em meio a floresta. Sem um cuidado que apareça, mesmo que o trem bala não seja uma opção que já não vale mais a pena, pois o poema é uma vivência, uma interjeição, uma paráfrase, uma antítese seja de um desejo, de uma vontade. Mutável. Jamais se pensou a partir de Roxanne. Roxanne é tão somente objeto de desejo, objeto da vontade mais íntima. Roxanne é objeto. Para o homem tudo constitui-se como objeto, como um ser sem essência visado, um ser sem natureza, um ser fim, sem finalidade, sem thelos. Telúrica é a vontade, telúrico é o desejo. O desejo é o desejo de desejar. Sem poetas, sem amigos. Segue Roxanne um caminho de floresta, um caminho que não leva a nenhuma parte. A floresta é entrecortada de caminhos, de caminhos que levam a outros caminhos, caminhos que fazem retornar, caminhos que fazer circular. Após uma noite muito agitada em um jantar, muito alegre e espontânea, entrecortada de sorrisos e de pequenos gritos, uma euforia quase sem fim. Pensa-se: pensou-se? Desejou-se pensar em meio à festa? O pensamento se faz necessário em momentos de grande alegria, de grande euforia de felicidade? A pequena moça Roxanne não esteve presente, não fora convidada, mas ela estava lá, ela habitou aquele momento, ela habitou aquele jantar, ela habitou-me em meio ao jantar. Ela me possuía em meio ao jantar. Em sobressaltos ela veio-me e a cada momento ela retornava-me. Ela se fez presente, mesmo que para isso tivesse sido necessário uma grande euforia, algo intenso, percebido mas rejeitado em meio aos outros. O outro não deseja a felicidade no outro, pois isso levaria-o a entregar a felicidade a outrem. A felicidade não pode ser entregue. Como se caminhasse por uma floresta durante dias, durante muitos dias, sem chegar a nenhuma parte, cansado, irrequieto, pôe-se não a pensar, mas a imaginar, em criar não conceitos ou definições, mas em criar possibilidades que se burle a própria possibilidade, que se ultrapasse a própria ultrapassagem. Não. A finalidade da existência já não é esta. Mas, qual será? Roxanne ainda presente, mas este é um lugar do não-lugar, sem cidade aparente, sem um local definido, sem uma busca própria, sem um ser próprio. Mas há somente um eu que busca, que busca compreender o outro não enquanto outro, mas enquanto um eu que se faz enquanto si. Entre um eu e um outro há um si? A música já finda, já ultrapassa sua finalidade, chega-nos uma outra possibilidade, busca-se uma outra possibilidade: une belle de jour. Ela é distante, é confunde-se com a beleza e a leveza do mar. Ela confunde-se seus olhos azuis ao azul do céu. O céu é azul porque azul é a cor de seus olhos azuis como a tarde, eu não me lembro da moça, ela vive em mim, ela está em mim. Fecho os olhos e ela vem encontrar-me. O gyn que ela não bebe, o gyn que ela desconhece o amargor, ela ao distanciar-se, ao sair de meu campo de visão faz-me amargo assim como o gyn que vem me encontrar, seja na tarde ou na noite, e a manhã? Foram-se alguns caroços de azeitona, foram-se algumas linhas escritas, distantes, simples, um misto que se faz em um trem. Já quase sem gyn na taça, a segunda noite não será entrecortada pela consciência desperta, pois o corpo já cansado após dois momentos ligeiramente intensos de pedal, primeiro entre amigos, e depois solitariamente. Vivia-se, bebia-se. Mesmo que a taça seja a metáfora do dia, seja a metáfora da morte. Consoante a toda vida, consoante a todo vir-a-ser da tarde, agora já noite. Vive-se e viverá-se para degustar uma outra taça de gyn, hoje sem tônica, mas com vinho, com um suco de uva leve, doce e pouco sonoro. O doce funde-se com fim da taça!