Grupoterapia e o humanismo: a descoberta da experiência grupal com crianças acolhidas
Por Johnny Everton Pinheiro de Borba | 04/05/2016 | PsicologiaGrupoterapia e o humanismo: a descoberta da experiência grupal com crianças acolhidas
Johnny Everton Pinheiro de Borba
Resumo
O presente relatório é uma abordagem empírica sobre o processo grupal no estagio profissional com crianças em situação de acolhimento. Sendo a primeira experiência com “O grande grupo”, onde todas as crianças que residem no acolhimento participaram ativa ou passivamente as orientações c e combinações para próximas sessões a serem realizadas nas próximas semanas. As expectativas, anseios, manifestações, foram percebidas neste primeiro contato. Cada jovem ou criança participante do grupo carrega seus próprios medos e duvidas sobre seu futuro, pois a grande maioria delas foi exposta a tantos fatores de risco e vulnerabilidade. Através de um olhar Centrado no Cliente usarei as teorias de Carl Rogers para desenvolver minhas hipóteses sobre a melhor forma para ajudar no crescimento individual, porem coletivo, de todos os jovens envolvidos neste processo de mudança terapêutica.
Introdução
Durante o processo de mudança terapêutica, muitas dúvidas percorrem os jovens em situação de acolhimento com o anseio de respostas aos motivos que levaram ao afastamento de suas famílias e respectivamente de suas vidas, mudando-as totalmente. Conforme o artigo 6º do ECA (2012): “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Cada criança que foi acolhida tem uma historia de vida única, mas ao mesmo tempo comum: são crianças que vivem em situação de risco e vulnerabilidade, capaz de impedir seu crescimento e desenvolvimento ferindo seus direitos garantidos por lei.
Os jovens acolhidos possuem sua subjetividade construída a partir do modelo histórico e cultural, relacionados a uma determinada região, mas que não garante sua proteção tanto em sua família quanto na sociedade que moram. Conforme Santos (2005): “Contrastando com a ideia que reduz o Homem a uma existência fatalmente determinada por factores que, quer do exterior (por exemplo pressões sociais ou culturais), quer do interior (impulsos inconscientes ou características herdadas)o condicionam na sua capacidade de livre-arbítrio, Carl Rogers vê o ser humano como inerentemente dotado de liberdade e de poder de escolha”. Desta maneira, como podemos promover o processo de mudança em um grupo de criança vitimizadas durante suas primeiras experiências de vida?
Nesta relação de sujeito social e culturalmente construído por suas bases históricas, que no grupo, cada anseio por respostas ganha sua força e seu devido valor quando compartilhada e exemplificada. “A palavra “grupo” com o antigo vocábulo “group” (laço ou nó), que deriva do germano ocidental “Krupp” (massa circular)... a idéia de um círculo parece estar na origem da palavra” (Terzis, 2005). Para Rogers (1970, citado por Boris, 2014), o criador dos “grupos de encontro”, que “influenciou a atuação de psicoterapeutas grupais de vários referenciais, principalmente os humanistas e, entre eles, os gestalt-terapeutas... definia o “grupo de encontro” como aquele que “pretende acentuar o crescimento pessoal e o desenvolvimento e aperfeiçoamento da comunicação e relações interpessoais, através de um processo experiencial... cada individuo tem, de forma particular, mas dividida no grande grupo, suas ansiedades, medos, angustias, tanto sobre ao colhimento quanto sobre o retorno ou não para casa de seus pares”. “Só há sujeito porque constituído em contextos sociais, os quais, por sua vez, resultam da ação concreta de homens que coletivamente organizam o seu próprio viver” (Zanella, 2004). Mas a mudança pode acontecer e será compreendida conforme o sujeito busca novas formas de compreensão de si sobre o mundo, deixando que os inconvenientes ocorridos neste processo de crescimento pessoal sejam transformados em experiências de vida. “Mesmo nas condições mais adversas, mesmo sob as condicionantes mais severas, o Homem pode preservar e desenvolver alguma capacidade de autonomia e auto-determinação” (Santos, 2005).
Assim na base teórica para a formação de uma grupoterapia centrada no cliente, foram usados os conceitos teóricos de Carl Rogers, para a construção de uma comunicação não diretiva mais deixando o sujeito crescer ao seu tempo, sendo um facilitador deste processo de desenvolvimento organísmico. Rogers, mantem-se firme na convicção de que o ser humano mantém, em algum grau, capacidade para não se limitar a reagir aos acontecimentos e a ser por eles conduzido... ainda assim, ser um agente criativo da realidade que o rodeia (santos, 2005). Sendo o sujeito capaz da mudança, são nas manifestações grupais que observamos este fenômeno. E ouvir cada criança traz uma transformação significativa, principalmente quando compartilhada com outros indivíduos.. “..ouvir traz conseqüências. Quando efetivamente ouço uma pessoa e os significados que lhe são importantes naquele momento, ouvindo não suas palavras, mas ela mesma, e quando lhe demonstro que ouvi seus significados pessoais e íntimos, muitas coisas acontecem” ( Rogers, 1983 citado por Miranda & Freire, 2012).
Descrição de caso
Na quarta feira a noite, fora realizado um grupo com as crianças da casa 3 da instituição de acolhimento, cerca de 14 jovens entre 4 e 17 anos participaram em uma reunião aberta. Foi a primeira reunião em grupo nesta etapa do estagio profissional, e como tarefa inicial, fora oferecida uma folha de papel para cada criança escrevesse em poucas palavras aquilo que mais faz sentido em sua vida e compartilhasse no grande grupo. Muitas foram às palavras que foram manifestadas durante o grupo, que começou de maneira tímida mais aos poucos ganhou forma e definição, onde palavras de maior expressividade como respeito, confiança, amor e amizade foram escritas e comentadas por algumas das crianças. Foi também neste momento que se observou a grande dificuldade de respeitar o espaço do outro e deixa-lo falar, como também em aceitar uma crítica construtiva para sua reorganização. Algumas crianças aproveitaram a folha e fizeram desenhos que será comentado em outro relatório.
O crescimento organismico e a criança: os impasses na grupoterapia de crianças acolhidas
Dentre as manifestações ocorridas neste primeiro momento na terapia de grupo, ainda são evidentes a dificuldade de comunicação entre os educandos e equipe de trabalho. Existe sim uma necessidade real de respostas as perguntas como: Em quem devo confiar? Como respeitar quem não me respeita? Como amar aquele que não demonstra amor por mim? Como posso reconhecer uma amizade verdadeira? Como um muro construído ao redor de si para proteger seus sentimentos, muito jovens e crianças dificultam o acesso de se seus reais anseios possivelmente tentando proteger o pouco que ainda resta de dignidade, de amor e respeito próprio. Além disso, são historias de vida totalmente diferentes uma das outras, mas com um ponto em comum: todas as crianças foram retiradas de suas famílias por não corresponderem com o mínimo de atenção básica para criar seus filhos, tornando-os vulneráveis aos riscos contidos dentro de sua sociedade. Sendo assim é neste momento dentro do grupo que cada jovem negligenciado possui a capacidade de contar sua historia sem medos, julgamentos ou rótulos, pois cada individuo é aceito incondicionalmente e estará protegido e incentivado para criar novas formas de construir sua identidade perante seus colegas de grupo e principalmente para suas famílias e sociedade. Para Rogers (1972, citado por Schmidt, 2011)): “Os grupos de encontro conduzem a maior independência pessoal, a menos sentimentos escondidos, a maior interesse em inovar, a maior oposição à rigidez institucional. Por isso, se uma pessoa receia, sob qualquer forma, a mudança, receia justamente os grupos de encontro” .
Algo importante neste processo de mudança dentro do grupo terapêutico é a não diretividade (Rogers,1940), que conforme Moreira (2010) parte de conceitos que têm como base o impulso individual para o crescimento e para a saúde, dando maior ênfase aos aspectos de sentimento do que aos intelectuais, enfatiza o presente do indivíduo em vez de seu passado, tem como maior foco de interesse o indivíduo e não o problema, e toma a própria relação terapêutica como uma experiência de crescimento. A partir deste conceito podemos deixar cada criança seguir seus sentimentos e necessidades, sendo de responsabilidade das equipes técnicas garantir o apoio necessário como facilitadores deste processo de crescimento. Conforme os conceitos de Rogers (1994 citado por Moreira, 2010), existe condições necessária e suficientes para que ocorra de forma construtiva este processo de mudança na personalidade do sujeito que seriam: “1) Que duas pessoas estejam em contato psicológico; 2) Que a primeira, a quem chamaremos cliente, esteja num estado de incongruência, estando vulnerável ou ansiosa; 3) Que a segunda pessoa, a quem chamaremos de terapeuta, esteja congruente ou integrada na relação; 4) Que o terapeuta experiencie consideração positiva incondicional pelo cliente; 5) Que o terapeuta experiencie uma compreensão empática do esquema de referência interno do cliente e se esforce por comunicar esta experiência ao cliente; 6) Que a comunicação ao cliente da compreensão empática do terapeuta e da consideração positiva incondicional seja efetivada, pelo menos num grau mínimo”.
E nesta busca pela compreensão do outro, nos limitamos a ouvir sua história de uma maneira que o outro se sinta integrado e interligado como o terapeuta, assim também com os demais integrantes do grupo que que participa. Seria para Merleau-Ponty (1945 citado por Moreira, 2009): “compreender é reapoderar-se da intenção total – não apenas aquilo que são para a representação as “propriedades” da coisa percebida, a poeira dos “fatos históricos”, as “ideias” introduzidas pela doutrina –, mas a maneira única de existir que se exprime nas propriedades da pedra, do cristal ou do pedaço de cera, em todos os fatos de uma revolução, em todos os pensamentos de um filósofo”.
Bibliografia
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Estatuto da criança e do adolescente.(2012). Disposições constitucionais pertinentes, Lei nº 8.069, de 13 de julho de1990, Edições Câmara Brasília 9ª edição.