GOVERNAMENTALIDADE: O GOVERNO DOS HOMENS, DAS COISAS E DO BEM COMUM

Por Ronald de Assis Soares | 01/04/2016 | Direito

GOVERNAMENTALIDADE: O GOVERNO DOS HOMENS, DAS COISAS E DO BEM COMUM*

 

 

Marcus Vinicius Santos de Araújo **

Ronald de Assis Soares***

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 2 A reflexão de Foucault diante a arte de governar; 3 Governamentalidade x Governabilidade; 4 Relação: Estado e sociedade;   Conclusão; Referências.

Resumo: Este paper tem como objetivo trabalhar e analisar a ideia de governo para Foucault, estabelecendo suas inspirações, baseadas em pensadores do séc. XVIII, e de que maneira sua teoria sobre a Governamentalidade foi desenrolada, através das relações entre Estado e sociedade. Partindo de uma contrariedade ao absolutismo de Maquiavel, ele monta seu pensamento por meio da desconstrução dos “erros” propostos pelo historiador italiano.

Palavras-chaves: Pensadores do séc. XVIII, Governamentalidade, Estado e sociedade.

INTRODUÇÃO

 

Foucault tem uma visão anti-maquiavél sobre a arte de governar, tendo como base as principais teorias adversas, feitas ao livro O Príncipe. Segundo o filósofo francês, o governante deveria ser o pastor das ovelhas (que seria a sociedade) encaminhando as mesmas ao bem comum, através da administração das relações econômicas e sociais, ele caracteriza esse processo como Governo Pastoral.

Em seus estudos, sempre buscou vertentes de diferentes pensadores, como: La Mothe Le Vayer, Jean-Jacques Rousseau e La Perriére. Com isso, chegou a conclusão que o governo deveria ser pautado na economia familiar, haja vista que o governante se espelharia no pai, que administra a casa, as riquezas, os comportamentos e controla a família.

Contudo, ele formou seu conceito de Governamentalidade, em contraposição a Governabilidade de O Príncipe. Aquela primeira, mais conhecida como a arte de governar não era singular e linear como a de Maquiavel, onde o soberano só tinha um único objetivo: manter seu reinado, já Foucault partindo da pluralidade, explica que o rei (governante) teria como foco principal a população. Governar as relações do povo com as coisas, governar essas relações de poder existentes na sociedade.

Vale ressaltar a existência de relações de poder na sociedade, no qual o Estado é um espelho para essas relações, e que administrando da melhor forma, a própria sociedade saberá se guiar, também de maneira sensata, as interações interdependentes, entre as instituições e o homem, e entre esse e os objetos.

 

 

2 A REFLEXÃO DE FOUCAULT DIANTE A ARTE DE GOVERNAR

 

Foucault examina minuciosamente algumas teorias que possam fundamentar o resultado de seus estudos. Enumerando três essenciais pensadores, de forma cronológica: La Mothe Le Vayer, Jean-Jacques Rousseau, Guillaume de La Pierréie.

O primeiro afirma uma arte de governar à família, na qual existe uma relação continua entre o Estado e essas, caracterizando assim:

Continuidade ascendente no sentido em que aquele que quer poder governar o Estado deve primeiro saber se governar, governar sua família, seus bens, seu patrimônio [...] Continuidade descendente no sentido em que, quando o Estado é bem governado, os pais de família sabem como governar suas famílias, seus bens, seu patrimônio e por sua vez os indivíduos se comportam como devem. E esta linha descendente, que faz repercutir na conduta dos indivíduos e na gestão da família o bom governo do Estado, que nesta época se começa a chamar de polícia. (FOUCAULT, 1978, p.281).

Já Rousseau impulsionado pelo Iluminismo e pelas ideias de Quesnay sobre um governo econômico, concluiu que a economia do governo seria uma economia familiar, pois, “Governar um Estado significará, portanto estabelecer a economia ao nível geral do Estado, isto é, ter em relação aos habitantes, às riquezas, aos comportamentos individuais e coletivos, uma forma de vigilância, de controle tão atenta quanto à do pai de família”. (FOUCAULT, p.281). E por fim, La Pierréie, que propõe uma teoria onde o soberano governa as coisas, conduzindo-as a um fim, o bem comum.

A definição do governo não se refere de modo algum ao território. Governam−se coisas. Mas o que significa esta expressão? Não creio que se trate de opor coisas a homens, mas de mostrar que aquilo a que o governo se refere é não um território e sim um conjunto de homens e coisas. Estas coisas, de que o governo deve se encarregar, são os homens, mas em suas relações com coisas que são as riquezas, os recursos, os meios de subsistência, o território em suas fronteiras, com suas qualidades, clima, seca, fertilidade, etc.; os homens em suas relações com outras coisas que são os costumes, os hábitos, as formas de agir ou de pensar, etc.; finalmente, os homens em suas relações com outras coisas ainda que podem ser os acidentes ou as desgraças como a fome, a epidemia, a morte, etc. (FOUCAULT, 1978, p.282)

Tendo em mente que o soberano ao conduzir a sociedade ao bem comum deve ser paciente, conhecedor e diligente, haja vista que ele não necessita do uso da força para ser respeitado e exercer seu governo, pois sendo um conhecedor de sua população, saberá atender as necessidades da mesma, da melhor forma possível. Com isso ao relacionar essas teorias, cria seu conceito da arte de governar: a Governamentalidade.

3 GOVERNAMENTALIDADE   X   GOVERNABILIDADE

 

A critica de Foucault á Maquiavel, se dá quanto a Governabilidade que o autor de O Príncipe dá ao soberano. “O príncipe ‘maquiavélico’ é, por definição, único em seu principado e está em posição de exterioridade, transcendência”. (FOUCAULT, 1978). Ou seja, ele está em uma posição de transcendência porque ele herda ou conquista esse reino. Está em uma posição de exterioridade, pois, não faz parte dele, o príncipe está à cima do reino e tendo como única tarefa mantê-lo.

 

[...] na medida em que é uma relação de exterioridade, ela é frágil e estará sempre ameaçada, exteriormente pelos inimigos do príncipe que querem conquistar ou reconquistar seu principado e internamente, pois não há razão apriori, imediata, para que os súditos aceitem o governo do príncipe. Deste principio e de seu corolário se deduz um imperativo: o objetivo do exercício do poder será manter, reforçar e proteger este principado, entendido não como o conjunto constituído pelos súditos e o território, o principado objetivo, mas como relação do príncipe com o que ele possui, com o território que herdou ou adquiriu e com os súditos. (FOUCAULT, 1978, p.279)

 

É essa habilidade (governabilidade) que Maquiavel da ao soberano, tendo como função comandar e proteger o seu reinado, constituído de território e povo. E é esta “habilidade” que a arte de governar quer substituir.

Em contraposição a esse pensamento de Governabilidade, o filósofo francês, cria a Governamentalidade (arte de governar), ou seja, “O governante, as pessoas que governam, a pratica de governo são, por um lado, praticas múltiplas, na medida em que muita gente pode governar”. (FOUCAULT, 1978). Logo, na Governamentalidade o governante não é individualista em relação ao seu povo, ele tem uma missão que é dirigir bem a sua população, na medida em que a sociedade também faz parte do governo.

4 RELAÇÃO: ESTADO E SOCIEDADE

 

Como Foucault bem destaca, as relações de poder na sociedade são as vias responsáveis por possibilitar a organização e a ordenação hierárquica da população. São nas ramificações do corpo social (na família, instituições religiosas, econômicas, etc.), que as relações de poder dão uma independência administrativa e uma liberdade moral a essas instituições, ou seja, de certa forma elas se governam. Porém não são totalmente autônomas, pois são governadas ao ponto de que suas interações com os outros membros da sociedade são regidas pelo Estado.

Durante o decorrer de seu trabalho, ele sempre estabelece um ponto específico, em qualquer que seja a relação estabelecida: seja baseado no poder pastoral, ou no modelo de família, é clara sua intenção de substituir o foco do soberano. Enquanto nos outros governos (tidos como incorretos), o objeto principal do governante era o território e a preocupação de afirma sua autoridade diante a sociedade, contrariando isso, Foucault a todo o momento determina que esse objetivo se encontra no próprio povo, o qual deveria ser guiado e instruído para alcançar o desenvolvimento, não apenas destes, mas do Estado também.

 

O Pastor acompanha noite e dia seu rebanho, o conduz com seu cajado e seus cães, deve escolher as pastagens, fornecer os bebedouros, levar os cordeiros recém-nascidos nas passagens difíceis e, finalmente, os defender contra os lobos. A sua ação é direta: contato pela mão ou pela vara, montes de terra lançados com o cajado, cão que morde o carneiro para dirigi-lo. Sua ação é positiva: ele escolhe o caminho que impõe a cada momento ao rebanho. (HAUDRICOURT, 1962: 42, tradução nossa).

 

Isso nos remete novamente ao pensamento diante a arte de governar, “Quando um Estado é bem governado, a sociedade seguirá essa conduta, e também realizará um bom autogoverno, em suas relações particulares”. Nessa interação de mão dupla (Estado e sociedade), que se desenrola a teoria de Foucault.

 

A população aparece, portanto, mais como fim e instrumento do que como força do soberano; a população aparece como sujeito de necessidades, de aspirações, mas também como objeto nas mãos do governo; como consciente, frente ao governo, daquilo que ela quer e inconsciente em relação àquilo que se quer que ela faça. O interesse individual – como consciência de cada indivíduo constituinte da população – e o interesse geral – como interesse da população, quaisquer que sejam os interesses e as aspirações individuais daqueles que compõe – constituem o alvo e o instrumento fundamental do governo da população. Nascimento portanto de uma arte ou, em todo caso, de táticas e técnicas absolutamente novas. (FOUCAULT, 1978, p.289)

CONCLUSÃO

 

No intuito de elaborar uma nova forma de governo, onde haja um equilíbrio entre o Estado e o povo, Foucault realiza um trabalho voltado a pensadores do séc. XVIII que contrariam a visão de Maquiavel, autor da Governabilidade encontrada em O Príncipe. Com o objetivo de disseminar esse poder do soberano, o pensamento de Maquiavel é desconstruído durante todo o estudo do filósofo francês.

Cria-se assim, a Governamentalidade de Foucault, espelhado no modelo de família, ele afirma que o governante tem como papel possibilitar e auxiliar a administração da sociedade, realizada através das relações de poder entre as instituições do corpo social. Nesse sentido, conclui-se que o desenvolvimento gerado com o justo e prospero “autogoverno” da população, refletirá na própria evolução do Estado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ADVERSE, Helton. Para uma Crítica da Razão Política: Foucault e a Governamentalidade. Disponível em: < http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistaestudosfilosoficos/art1-rev4.pdf >. Acesso em: 16 de abr. de 2012.

ELEANDRO DOS SANTOS, Rone. Genealogia da Governamentalidade em

Michel Foucault. Disponível em:

< http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ARBZ-88TM66/1/disserta__o_vers_o_final.pdf >. Acesso em: 16 de abr. de 2012.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

SANTOS, Rone Eleandro dos. DO GOVERNO PASTORAL À GOVERNAMENTALIDADE: CRÍTICA DA RAZÃO POLÍTICA EM MICHEL FOUCAULT. Disponível em: < http://200.233.146.122:81/revistadigital/index.php/poros/article/viewFile/69/112>. Acesso em: 16 de abr. de 2012.

JUNGES, Márcia. Foucault e a governamentalidade biopolítica. Disponível em: < http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3127&secao=324 >. Acesso em: 16 de abr. de 2012.

MAIA, Antonio. Do Biopoder á governamentalidade: sobre a trajetória da genealogia do poder. Disponível em: <http://www.curriculosemfronteiras.org/vol11iss1articles/maia.pdf>. Acesso em: 16 de abr. de 2012.