GOTA DE LUA
Por Romano Dazzi | 22/05/2009 | Crônicas“GOTA DE LUA”
De Romano Dazzi
O feiticeiro chamou os homens famintos da aldeia e falou com voz terrível (a voz dele era sempre terrível):
- “ Descobri que apareceu e está se espalhando por todos os campos em volta da aldeia, uma
erva perigosa, uma praga mortal. Chama-se “Gota de lua”. É uma planta viçosa, delicada e
bonita, tem flores coloridas , pequenos frutos vermelhinhos e atraentes .
Mas não se deixem enganar pela sua aparência. Ela é venenosa, letal. Quem a provar, morre!
Estou ordenando: Não a colham, não a levem para casa, não comam seus frutos; quem o fizer,
vai sofrer dores horríveis, vai ser consumido pela febre, vai morrer em poucos dias!
Dispensados !”
Os homens espalharam-se pela taba e refugiaram-se em suas ocas, para curtir a fome.
Não chovia, a plantação não crescia, não havia esperanças.
Até aquele instante, ninguém tinha notado a “Gota de lua”; e ela estava mesmo por toda a parte ! Crescia livre e se espalhava aos maços, atraente, oferecida, chamativa.
Cada um dos homens começou a sentir-se atraído de uma maneira diferente pela “Gota de lua”; primeiro uma sensação de respeito, depois, o medo, um temor misterioso e uma repugnância crescente, foram aparecendo na maioria deles.
Contraditoriamente, outros começaram a sentir alguma espécie de dúvida.
Talvez o feiticeiro estivesse mentindo, sobre os efeitos da “Gota de lua”; talvez ele não tivesse tanta certeza assim; talvez fosse só uma ameaça – como tantas outras – jogada aos espíritos pobres, para mantê-los subjugados e aterrorizados.
As dúvidas foram evoluindo aos poucos para uma irresistível curiosidade, e por fim desaguaram em uma louca vontade de experimentar.
As frutinhas eram mesmo atraentes, dava vontade de pegá-las, de lambê-las, de espremê-las na boca, de mastigá-las cuidadosamente, carinhosamente, para melhor apreciar o seu gosto. E a fome ainda instigava a tentação.
Mas como fazer? Quem se arriscaria a sofrer o castigo ameaçado, só para sentir o gostinho do proibido? Só se pegassem um louco, e o obrigassem a provar. Seria um crime, mas como seria para o bem de todos, seria amplamente justificado.
Enquanto isso, a tentação foi crescendo, crescendo, até alguém não agüentar mais.
Um dia, o mais afoito foi no mato, colheu umas frutinhas, e com o coração na mão as experimentou. O gosto era maravilhoso. Nunca tinha provado coisa tão deliciosa.
Mas não teve tempo de contar isso a ninguém Ele estava tão tenso, tão assustado, tão apavorado, que o seu coração não resistiu.
Encontraram-no ainda com as frutinhas na mão, e aldeia toda concluiu, sem sombra de dúvida, que a ameaça da “Gota de lua” era real.
Quem comer, morre mesmo, está provado !
Demorou muito tempo, antes que mais alguém experimentasse; no fim, foi um coitado, morto de fome, que um dia, em desespero, tentou comer as frutinhas, como último recurso.
Não aconteceu nada. Comeu uma, duas, quatro, oito.
Gostou, se deliciou, se esbaldou, se empanturrou.
Sentiu só um pouco de enjôo, porque tinha abusado.
Passou a se alimentar só de “Gota de lua”.
Era “Gota de lua” de manhã, de tarde, de noite. Nunca mais teve fome.
Os outros imediatamente suspeitaram que o castigo não tardaria.
- Não, não pode ser, ele vai morrer logo – murmuravam entre si.
Passaram a observá-lo, a controlá-lo, quase a pedir que ele tivesse um treco, que começasse a estrebuchar, para comprovar que o feiticeiro estava certo.
Nada, nada, nada. Foi uma decepção.
Alguns poucos, também movidos pela curiosidade e pela fome – que são duas das melhores conselheiras dos homens, sempre com argumentos irresistíveis - acabaram, com o tempo, experimentando a “Gota de lua”.
Nada aconteceu, a ninguém.
O feiticeiro, com o poder já abalado, foi expulso da aldeia e está procurando emprego em outras bandas.
Mas muitos outros índios, nos quais a ameaça do feiticeiro se instalou de forma definitiva, nunca conseguiram vencer o medo e ter a coragem de experimentar a “Gota de lua”.
Continuam passando fome, enquanto a fruta está aí, oferecida, brilhante, pronta para alimentá-los e satisfazê-los.
- Afinal - e esta é a triste verdade - somos todos uns pobres índios, crédulos e enganados; e todos temos algum feiticeiro ameaçador que manda na nossa vida e nos domina com as suas mentiras.