GM: a vida depois da concordata
Por Alexsandro Rebello Bonatto | 03/06/2009 | AdmUm dia depois de entrar com pedido de concordata na Justiça americana, a montadora General Motors confirmou ontem que chegou a um acordo preliminar para vender a marca Hummer para a companhia chinesa Sichuan Tengzhong Heavy Industrial Machinery. Em uma entrevista ao jornal Wall Street Journal, o diretor da Hummer, Jim Taylor, afirmou que a companhia restringiu as negociações à empresa chinesa. Em comunicado, a Sichuan Tengzhong também confirmou as negociações.
Com o acordo, que está sujeito à revisão regulatória prevista para terminar no terceiro trimestre, a Tengzhong assumirá os compromissos da Hummer já firmados. Segundo Taylor, a empresa chinesa vai deixar a parte principal das operações da Hummer nos Estados Unidos, mas se comprometeu com investimentos significativos para financiar o futuro da marca e expandir sua presença internacional.
Taylor, executivo que teve papel importante no bem-sucedido esforço da GM para renovar a marca Cadillac no início da década, não quis revelar o valor da transação. Os termos financeiros ainda estão em discussão e não serão divulgados por enquanto, disse a GM. Mas bancos afirmaram que Hummer poderia precisar de pelo menos US$ 100 milhões em dinheiro para honrar compromissos. No total, acredita-se que o valor do acordo fique abaixo de US$ 500 milhões.
O Credit Suisse está prestando consultoria para a Sichuan Tengzhong, enquanto o Citigroup trabalha para a GM.
A Sichuan Tengzhong é uma empresa de engenharia privada que produz máquinas pesadas e tem presença nos segmentos de veículos de uso especial, equipamentos para construção de rodovias e pontes e equipamentos para a indústria de energia, mas não tem experiência em fabricação de automóveis. . Caso confirmada a operação - o que deve acontecer no terceiro trimestre -, seria a primeira vez que uma empresa chinesa adquire uma marca de automóveis americana.
A empresa chinesa planeja continuar desenvolvendo a carteira da Hummer com mais modelos eficientes no consumo de combustível e movidos a combustíveis alternativos, um movimento que pode tornar a marca mais relevante se os preços da gasolina continuarem subindo. Mas a Tengzhong deve também ampliar a fabricação de veículos do segmento de off-road, de acordo com o comunicado divulgado.
O acordo marca a primeira vez que um comprador chinês adquire uma marca americana em dificuldades por causa da crise. Fornecedores e montadoras chinesas têm tentado comprar ativos das montadoras americanas, incluindo os da Chrysler que também entrou em concordata, mas nenhum acordo havia sido concluído até o início da noite de ontem.
A General Motors disse anteriormente que o acordo permitirá salvar três mil postos de trabalho nos EUA e que o comprador, que se comprometeu a manter a base da Hummer no país, "financiará de forma agressiva futuros programas de produtos" da marca.
Centenas de Hummers estão sendo usados pelas tropas americanas no Iraque, onde a maioria roda blindada. O jipe se transformou em sonho de consumo entre endinheirados no país do Oriente Médio. Mesmo assim, nos primeiros quatro meses deste ano, a marca Hummer vendeu só 4.019 veículos -queda de 67% sobre o mesmo período de 2008.
Além da Hummer, a GM deve se desfazer das marcas Saturn e Pontiac como parte do processo de concordata.
Mas, apesar da crise no mercado automobilístico norte-americano, as vendas de veículos nos EUA atingiram em maio o maior patamar do ano. A recuperação reflete a volta da confiança dos consumidores, a ainda frágil recuperação da economia e o aumento do crédito ao consumo.
Entra as três maiores montadoras nos EUA, GM e Chrysler estão em concordata. Para a Ford, segunda maior fabricante (posicionada entre as duas), a crise tem se revelado uma oportunidade para elevar sua fatia de mercado e vender mais. A Ford comunicou ontem que sua participação total no mercado norte-americano atingiu o maior nível em três anos, depois de as vendas totais terem aumentando 20% em maio na comparação com abril. A montadora anunciou que deve aumentar a produção de veículos nos EUA, enquanto GM e Chrysler tendem a reduzir, vender ou eliminar marcas.
No caso da Chrysler, as vendas caíram 47% em maio sobre o mesmo mês de 2008. Em relação à Ford, que detonou agressiva campanha para ganhar mercado, a queda foi de 24% sobre o ano anterior.
Já as japonesas Toyota e Honda tiveram quedas de 41% e 42%, respectivamente, sobre maio de 2008.
No geral, as vendas de automóveis nos EUA estão 37% abaixo do resultado do mesmo período do ano passado.
Além da indústria automotiva, a concordata da GM terá efeito abrangente em outras áreas da economia dos EUA. Ainda não se sabe o que ocorrerá, por exemplo, com a área de publicidade da empresa. Mas a GM foi, em 2008, a maior investidora em publicidade, depois da Procter & Gamble.
Os tentáculos da GM vão ainda de US$ 4,5 bilhões de gastos na área de tecnologia no setor automobilístico a uma das maiores verbas para lobby no Congresso dos EUA.
Obviamente, em favor da indústria automobilística norte-americana. Será mais um conflito de interesses para o governo dos Estados Unidos, que detém agora 60% da GM.
E o Brasil?
O presidente da General Motors do Brasil e Mercosul, Jaime Ardila, afirmou que a filial brasileira não será afetada pelo pedido de concordata da matriz nos Estados Unidos e informou que o programa de investimentos de US$ 2,5 bilhões para o período 2007-2012 está mantido. Desse valor, US$ 2 bilhões para o Brasil, sendo que US$ 1 bilhão já foi aprovado e desembolsado e outros US$ 500 milhões, para projeto na Argentina, também tiveram sua liberação garantida. Para 2010 está previsto o lançamento de quatro produtos. Quanto ao restante do dinheiro pedido originalmente pela montadora, Ardila afirmou que sua aprovação dependerá do novo conselho da companhia nos Estados Unidos, mas adiantou que a filial brasileira disporia de caixa para financiar novos projetos.
Sobre a relação com a Opel em termos de transferência de tecnologia, Ardila explicou que a venda de participação da divisão europeia para outros grupos não altera a relação da Opel com a subsidiária brasileira. Ele explicou ainda que, dos novos produtos a ser lançados, um deve ter tecnologia desenvolvida inteiramente pela Opel. “Não muda nada em termos de estrutura de produtos. O produto Opel vai continuar sendo desenvolvido pelo corpo de engenheiros e designers da GM.”
Em relação aos consumidores brasileiros, Ardila garantiu que não haverá mudanças. “Não vai acontecer nada de diferente. Os consumidores podem ficar tranquilos”, disse. Sobre a perda de participação nas vendas nos últimos meses, Ardila disse que isso se deveu a um “problema de produção”: a empresa teve de parar uma fábrica na Argentina onde é produzido o Corsa Classic. Com a fábrica parada durante um mês, a montadora diz que não teve como atender à demanda no mercado brasileiro.
A GM trabalha com a expectativa de manter sua participação no mercado brasileiro ao redor de 20%, segundo Ardila. Ele procurou tranquilizar o cliente brasileiro quanto à situação da filial, dizendo que a empresa está lucrativa e não há riscos de faltarem peças, pois são fabricadas no país. Ele disse, ainda, que as vendas em maio mostram que a marca não foi arranhada pelas notícias envolvendo a matriz. “O mês de maio foi ótimo para a Chevrolet, que vendeu 47.800 unidades, alta de 17% sobre abril. Isso nos dá um market share, excluindo caminhões, pouco acima de 20%, participação que nós temos como objetivo e vamos manter em junho”, disse.
De acordo com um analista que acompanha a situação da empresa no Brasil, que pede para não ser identificado, "a GM raspou o caixa e mandou tudo para a matriz e não teria de onde tirar esse dinheiro agora". Segundo essa fonte, é possível que o governo brasileiro esteja disposto a ajudar a companhia, assim como o governo americano está ajudando a matriz.
Segundo fontes ligadas ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a concessão de novos empréstimos à GM vai depender de pareceres jurídicos comprovando que a filial brasileira não será afetada pela concordata. A montadora tem hoje dois financiamentos aprovados no banco de fomento e outros dois em fases iniciais de avaliação. Embora o banco tenha boa avaliação da GM do Brasil, a legislação impede o financiamento de empresas em concordata. Os valores dos pedidos não podem ser divulgados por estarem protegidos por sigilo bancário. Um terceiro financiamento, de R$ 190 milhões, foi aprovado recentemente e não será afetado pela concordata.
O presidente da GM do Brasil disse ainda que, apesar de pertencer à nova GM, cujo sócio majoritário será o governo americano, a operação chamada de Laam (que envolve a América Latina, África e Oriente Médio) e as demais unidades do grupo fora dos EUA não estão incluídas no processo de concordata. A Laam registra lucros seguidos desde 2004, mas a filial brasileira só passou ao azul a partir de 2006.
Na campanha para descolar a unidade brasileira da matriz, o vice-presidente da GM, José Carlos Pinheiro Neto, fez no dia 02 de junho um pronunciamento de um minuto em três redes de TV e hoje publica anúncios em vários jornais, falando do nascimento de "uma nova GM". Cita que a unidade brasileira continua a operar normalmente. "Lucrativa desde 2006, a empresa tem hoje situação financeira sólida que lhe permite manter todos os investimentos em curso."
A montadora General Motors recebeu a autorização de um juiz de falências para ter acesso a um empréstimo dos governos americano e canadense de US$ 33,3 bilhões.O juiz Robert Gerber, responsável pelo caso, deu na madrugada de ontem o aval para o uso imediato de metade da ajuda pública — US$ 15 bilhões — para cobrir as necessidades de capital, o que inclui o pagamento de salários e dos fornecedores, informou a GM em um comunicado. A GM planeja fechar ou reduzir 14 fábricas e suprimir 21 mil postos de trabalho até o fim de 2009.
Bibliografia
Jornal Folha de S. Paulo de 03 de junho de 2009
Jornal de Brasília de 03 de junho de 2009
Jornal O Estado de S. Paulo de 03 de junho de 2009 Jornal O Globo de 03 de junho de 2009
Jornal Correio Braziliense de 03 de junho de 2009