GLOBALIZAÇÃO E SEGURANÇA ALIMENTAR - PARTE II -

Por Romão Miranda Vidal | 09/02/2010 | Sociedade

Globalização e segurança alimentar (Parte II)

Artigo baseado em matéria elaborada por Jorge Enrique Robledo Castillo, professor titular da Universidade Nacional da Colômbia. Senador eleito pólo "MOIR" para o período 2002/2006

Existem alguns indícios de que a política agropecuária norte-americana, além de proteger seus produtores com inúmeros tipos de barreiras - alfandegárias, sanitárias, ambientais - e com enormes quantias de subsídios, também se vale do fato de não colocar em risco o alimento produzido internamente para o consumo do seu povo.

Na realidade o que os Estados Unidos praticam é o célebre “tapa do gato". Este país não exporta soja, pelo contrário importa, assim como não exporta grandes quantidades de frangos, suínos e bovinos. exporta produtos como sucos, doces e outros alimentos que não fazem parte das reservas estratégicas de alimentos.

Porque todo este empenho em se importar alimentos de outros países, uma vez que é a maior potência agropecuária do planeta?

Primeiro porque ao incentivar a produção de alimentos em outros países, em especial do terceiro mundo, eles consegue transferir parte de uma tecnologia barata (para eles) para esses países por preços baixos.

Da mesma forma que importa, exporta paras estes países outras tecnologias agregadas, como a dos defensivos, componentes básicos dos adubos, máquinas, implementos, equipamentos, medicamentos, matrizes avícolas, suínos e uma gama enorme de "produtos" que, em geral, implica a instalação de outros segmentos indústrias, dos quais eles mantêm um total controle ou são acionistas majoritários. Um destes exemplos mais claros ocorreu na década de 70 do século passado, quando uma empresa de nutrição animal instalou-se no Brasil e praticamente dominou o mercado de ração. Esta empresa, com seus quadradinhos vermelho e branco, mantinha praticamente a hegemonia do mercado, com fábrica em Campinas, Ponta Grossa, Maringá, São Leopoldo e em outras cidades pólo. Por que este interesse? Porque não havia no Brasil um complexo desta magnitude. Importavam-se os equipamentos, os nutrientes, os aminoácidos, as vitaminas, os conservantes, os antioxidantes e toda a tecnologia. Em compensação produziam-se frangos para corte a partir de matrizes avícolas importadas dos Estados Unidos, assim como todos os equipamentos utilizados nos incubatórios. Já na outra parte do "americano bonzinho", eram comprados frangos produzidos e abatidos em frigoríficos equipados com tecnologia americana, e tudo estava resolvido.

Há de se considerar que quanto mais produzirmos bens primários agropecuários, sem agregação de valor, sem transformação adicionada tecnologicamente, mais estaremos exaurindo os nossos recursos naturais, mais estaremos exaurindo o nosso solo, mais contribuiremos para a compactação de solos, mais assoreamento, mais eliminação de reservas naturais, de vida animal e vegetal. De outra parte, mais tratores, mais defensivos agrícolas e sementes estarão sendo vendidas, de parte do capital estrangeiro. Na realidade estamos praticando (é este o tempo do verbo, presente) uma forma de escravidão disfarçada, pois a mão de obra rural no Brasil é muito barata. A tal ponto que é comum encontrarmos favelas no meio rural, de onde saem trabalhadores volantes para os grandes complexos agropecuários, e que exportam suas produções e que se submetem a todas as vexatórias barreiras.

Pode-se entender ainda que os grandes países importadores de alimentos e, em especial, de produtos não processados, devem estar usando de uma artimanha denominada "ESTOQUES ESTRATÉGICOS".

Seguramente, para os interesses imediatos dos norte americanos, seria melhor comercialmente localizar a produção de alimentos nos países subdesenvolvidos ou de terceiro mundo, empregando a mão-de-obra muito mais barata, mais o capital, máquinas e demais insumos necessários para a produção de alimentos. Diante destes fatos surge então a indagação óbvia:
Porque os norte-americanos, franceses, alemães, ingleses e outros mais não se utilizam de toda a sua produção agropecuária?
Porque manter um modelo agropecuário que é ineficiente (necessita de subsídios), só para manter a fachada neoliberal?

Não existe mistério para se responder a estas perguntas.
Os Estados Unidos e nenhum outro grande país iria cometer este suicídio político e econômico de colocar para exportação a parte fundamental da comida do seu povo. Deixaria esta situação para os países onde pode ocorrer o grande e grave risco de ficar à mercê de fatores que possam vir a lhes causar problemas internos, como greves, comoções civis ou militares, guerras regionais ou mundiais, catástrofes ambientais e até atos terroristas, riscos estes que poderiam levar estes grandes países a serem submetidos a tipos variados de extorsão, em relação aos países que são seus fornecedores comuns de alimentos.

De outro lado, estes grandes países apresentam um atrativo adicional de política internacional, que é se utilizar da exportação de alimentos processados com matéria-prima importada de países emergentes, para usar o alimento como arma de pressão ou chantagem contra os países que não podem produzir alimentos para alimentar seus cidadãos. É um forma de exercer uma hegemonia global, tipo ALIANÇA PARA O PROGRESSO.

Portanto, o conceito de SEGURANÇA ALIMENTAR não se reflete tão somente em assegurar que os alimentos produzidos por uma nação venham a existir apenas para alimentar seu povo em primeiro plano. O conceito deve ser enfocado da seguinte forma: como e onde se produzem estes alimentos e se há condições desses alimentos de chegar com qualidade à mesa dos seus patrícios. É o caso do Brasil, que perde milhões de toneladas de alimentos básicos por não ser possuidor de uma POLÍTICA DE ESTOQUES ESTRATÉGICOS. O arroz que se produz no Projeto Rio Formoso, a que preço chegaria à mesa de uma família que vive abaixo da faixa de miséria?

Em nada vale produzir alimentos copiosamente, se não houver uma forma prática e honesta de que estes alimentos satisfaçam as necessidades de consumo do povo faminto.

E aí então nos deparamos com uma situação paradoxal. O alimento tem que ser produzido e pago corretamente para saciar a fome de quem tem fome. Quem pode pagar por este ou aquele tipo de alimento, mais ou menos elaborado, que pague. Quem não tem condições, que o governo pague por um tipo de alimento digno, para saciar uma das inúmeras fomes pela qual o Brasil passa.

Em compensação explica-se a razão pela qual os 29 países mais ricos do mundo gastam algo como US$ 370.000.000.000,00 por ano em subsídios na agropecuária.

Na Inglaterra o indigente é alimentado pelo Estado.
Nos Estados Unidos o morador de rua é amparado pelo Estado.
Não estamos pregando que o Estado se responsabilize por estes que vivem desta ou daquela maneira, mas sim que antes de tudo, pratique a POLÍTICA DE ESTOQUES ESTRATÉGICOS para suprir os menos favorecidos e as políticas sociais que se fazem necessárias.

Cidadão com fome não pensa. Morre.

Romão Miranda Vidal
Médico Veterinário
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