Gin & Tônica III

Por Jacot Werner Stein | 29/12/2020 | Sociedade

Gin & Tônica III

Antes mesmo que o texto começasse, a primeira taça já se esvai como se vão os pássaros no fim da tarde, como se vão as pessoas após o fim de seu expediente, como se vão as pessoas após o sepultamento do ente querido, como se vão as pessoas após o fim do almoço de domingo do dia das mães, como se vão as pessoas após o fim, como se vão as pessoas após –, como se vão as pessoas. As pessoas não são entes privilegiados, não são Dasein; as pessoas são regiões privilegiadas do pensar, do imaginar, do sentir e do desejar. As pessoas são! Antes mesmo que fosse possível referendar uma existência, referendar uma reflexão, referendar uma passagem – ela se foi – e se foi para sempre, pois se eu a encontrar não quero reconhecê-la e se vir a reconhecê-la, não quero cumprimentá-la, e se cumprimentá-la não quero mais, simplesmente, encontrá-la. Espero não encontrá-la! Espero não esperá-la. Já não digo: espero-te. Não deveria, e sei que não deveria, e sei também que não deveria desejá-la, já não desejo-a, já não espero-a, já não sinto sua falta. Mentira. Neste momento seria-me de grande valia uma poesia de Charles Bukowski, um texto de Fiodor Dostoiévski ou um soneto de Machado de Assis que falasse do amor que nunca poderia vir-a-ser amor, do desejo que nunca poderia vir-a-ser desejo, da esperança que nunca poderia vir-a-ser esperança. Sempre e sempre uma taça de esperança, uma taça de preguiça ou uma taça de desespero. Mas sequer posso ou concedo-me o direito ou o dever de vir a exasperar-me por alguém, jamais aceitei isso, jamais fui rejeitado, sim, agora, fui! As músicas já não podem ser escolhidas sem se buscar uma lembrança ou uma contra-lembrança, pois tudo é sempre uma referência ou uma audácia... Já não quero viver assim, por que viver assim? Encontrei ou reencontrei uma obra – Aqui o mar acaba e a terra principia. (...) Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera. – muito há o que dizer, mas como dizer? A quem dizer? Já tenho incomodado a muitos. Já tenho distanciado-me de muitos. Não há muito o que esperar. Há muito por fazer, há muito por planejar, e há mais ainda por executar. E ainda há o que viver, e mesmo o que desejar, ou mesmo o que desejar desejando. Isso não ocorreu-me, mesmo quando na presença desta ilustre e recente moça. Desejar desejando, já não ocorre-me, já sequer vem a minha mente. Que loucura! Esperar sem ter a quem esperar. As frases ficaram curtas, as frases ficaram com pouquíssimo sentido, ficaram com pouquíssimos verbos ou mesmo com exíguos adjetivos. Esperemos viver e viver bem ou uma vida boa, mesmo que tão somente no sentido aristotélico, já seria um ganho. Kiss me, ao fundo e a frente Thank you... Duas expressões que encerram toda uma vida de alguns meses, sim, alguns meses, cuja intensidade, cuja brevidade jamais irá ocorrer novamente, mesmo que se vir a se repetir com ela mesma. Sim. Aquela intensidade, aquela magia, aquela significação, aquela vontade, aquele entusiasmo, aquela audácia, aquele espírito livre, aquela vivacidade, aquela vontade de conhecer, aquela vontade de esquadrinhar, aquela tenacidade em caminhar, aquele rubor no fazer, aquela busca incessante, tudo perdeu-se. Não posso culpar ninguém, lambusei-me ao poder provar minha primeira tachada de doce de leite. Hoje já deveria repunar-me ao ver doce, mas sequer isso ocorreu-me. Sunrise, repete-se e repete-se sem que sua luz chegue-me, sem que sua luminosidade acometa-me. Sim. Digo sim quando deveria ter dito não a mim mesmo. Quando deveria ter dito a mim mesmo: ei, você, cuidado: as pessoas possuem desejos distintos dos seus. Mesmo hoje parece-me que não aprendi essa verdade tão evidente a muitos, a mim mesmo ela deveria ser evidente. A mim mesmo ela deveria ser contada e recontada. Já não posso sequer ir àquela cidade sem ter medo de encontrá-la. Fast car, numa intensidade sem limites, em uma tristeza sem antecedência. O que mais há na terra, é paisagem. (...) Já não vivo. Isso que faço já não pode ser considerado viver. É outra coisa, é uma outra possibilidade em que reina a tristeza e a solidão e a saudade. Agradeço o que vivi a seu lado, agradeço o que vivi mesmo a certa distância de você – até quando se prolongará essa despedida? Despede-se tão lentamente, tão demoradamente, que se se perde na despedida e se retoma em conversas afáveis e agradáveis. Foi-se a segunda taça, foi-se a melancolia? Ou, terá ocorrido o contrário? Foi-se e veio como vem a fumaça. Como se estivesse incensando... um altar? Uma ribalta? Agora não é somente a taça, mas também há o palheiro. As pessoas vão como se vão as fumaças... A reticencia é o melhor sinal para descrever a fumaça: insólita, tênue, distante e fugaz. Under the bridge, aqui percebemos uma reviravolta na vida, nessa vida, espero algum dia poder olhar para esses ocorridos e poder gargalhar demoradamente. Embora, hoje, com toda certeza possível, se me for concedido uma certeza, não sei dizer o que estou sentido. Ao mesmo tempo que é um vazio imenso, é também um desconforto gigantesco, como se algo tivesse-me invadido e eu não sei o que é, ou se mesmo se isso existe. Cheap thrills, é um movimento muito rápido, essa rapidez não leva à intensidade, mas distancia-a. No dia seguinte ninguém morreu. (...) No dia seguinte ninguém morreu. Sim, uma vida, uma vida perdeu-se. Naquela madrugada em que eu estava na capela e o padre chamou-me para conversar na praça, após uma longa conversa em que ele perguntava-me entusiasmado por saber os detalhes dessa trama insólita, disse-me que perdoaria os meus pecados se eu me arrependesse, disse-lhe que eu, sim, deveria-lhe perdoar uma vida sem pecados. Ele não pediu-me a absolvição e eu fiz o mesmo. A madrugada dentro da igreja é o mesmo que a madrugada dentro de um quarto de motel: ou se tem a certeza de que já foi embora ou se tem a esperança que venha alguém até você. Essa incerteza é medonha, no início ela é gélida, depois torna-se extremamente quente, sem sentido e pouco a pouco o espírito acalma-se, mas quando isso ocorre a carne já não quer mais nada, ela já não suporta mais nada, ela já quer desejar nada além de cama, no motel tem-se camas, isso sequer ocorre em uma igreja... Deste modo o espírito já não poderá acalmar-se na igreja, pois o corpo também já não consegue resistir ao período necessário para isso. (...) O dia em que será possível construir sobre o amor não chegou ainda... A fumaça ainda não secou, ainda há esperança ou somente a certeza de que tudo se foi como a fumaça que, cambaleante, dissolve-se sabe-se lá onde ou como, mas tem-se apenas a certeza que se vai... Sem que se se pensasse sobre isso, pois eu jamais pensaria gostar tanto de alguém que não conheço, que nunca tinha visto, que ao ver algumas vezes, gostaria de vê-la tantas outras vezes que não me fossem possíveis, tudo para ficar a olhar, sentido seu cheiro, a meia distância, a meia distância para melhor ver, para melhor aproveitar o momento. Sim, para melhor olhar, e tão somente olhar, um prazer irresistível em ver, em olhar, em sempre buscar onde está e o que está por fazer. Um nome? Pra quê nomes? Nomes não são necessários, nomes podem ser trocados, nomes podem ser modificados, nomes podem ser acrescentados, nomes podem ser... Ainda não decidi-me a dizer “não” a tudo isso, ainda mantenho-me próximo desses sentimentos, se isso for sentimento, como se ao aproximar-me desses estados d’alma estivesse a aproximar-me dela, tão bela, tão dela, tão intensa, tão falante, tão assertiva, tão intensa, tão decidida, mas decidiu-se a não mais aproximar-se de mim. Não contesto, não protesto, apenas, sem que ela saiba. Hey, ya! Quase não há mais o que dizer, quase não disse nada aqui, tão repetidas estão estas palavras, tão gastas, tão desgastadas, tão tristes e melancólicas estão estas palavras, nisso vivo, só isso, pouco faço, ou quase nada retribuo ou mesmo espero da vida, não é desespero ou angústia, ou mesmo covardia, mas olho, olhei, já não olho mais, não há mais como olhar, foi-se, e eu sigo como se o que tivesse que dizer, que devesse dizer, não poderia ser, senão: With or without you.

Artigo completo: