GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL: A DEPENDÊNCIA DOS REPASSES FINANCEIROS INTERGOVERNAMENTAIS FRENTE AO PACTO FEDERATIVO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Por Camila Vieira Lourenço Lara | 10/12/2018 | Adm

GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL: A DEPENDÊNCIA DOS REPASSES FINANCEIROS INTERGOVERNAMENTAIS FRENTE AO PACTO FEDERATIVO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

CAMILA VIEIRA LOURENÇO LARA

BRUNA FIORAVANTE DE MATOS

GABRIELA DOS SANTOS RIBEIRO

FERNANDO SILVESTRE DE BRITO

São João Del Rei

2018

No presente trabalho, foram explorados aspectos relativos às responsabilidades atribuídas aos municípios brasileiros a partir do pacto federativo advindo da Constituição federal de 1988. O objetivo do trabalho é apresentar as dificuldades enfrentadas pelos municípios mineiros, considerando a dependência dos repasses financeiros intergovernamentais, a partir da descentralização advinda do pacto federativo da CF de 1988. Para isso, foram definidos como objetivos específicos: Apresentar o desafio da dependência dos repasses financeiros intergovernamentais enfrentado pelos municípios mineiros; levantar dificuldades que os municípios enfrentam frente à dependência financeira dos Estados e da União; e apresentar críticas ao pacto federativo, e apresentar sugestões para possíveis melhorias da situação vivida pelos municípios frente à questão da dependência financeira. O trabalho busca discutir importantes temas relacionados às questões municipais como o poder local, a implementação de políticas públicas, a dependência crônica das transferências intergovernamentais, a qualidade na administração, entre outros. Ademais, discute-se a discrepância na capacidade de arrecadação de tributos entre os entes da federação, e busca-se perceber se essa capacidade arrecadatória é compatível às responsabilidades apresentadas na CF de 1988. A presente pesquisa é uma pesquisa descritiva, qualitativa, com o objetivo de descrever as características do fenômeno estudado. Além da revisão de literatura sobre o tema, foram realizados levantamentos documentais em artigos e periódicos, teses de mestrado e doutorado, entre outros. Na análise dos dados coletados e considerações finais, percebe-se a dependência financeira das transferências intergovernamentais por parte dos municípios causa ineficiência arrecadatória e comodismo, e induz preguiça fiscal. É possível ver o efeito perverso da dependência das transferências, pois ao não arrecadar seus próprios impostos, os municípios não geram desenvolvimento econômico. Também se sugere que o sistema de transferências intergovernamentais seja revisado, de forma que os municípios não sejam induzidos a permanecer dependentes do Fundo de Participação dos Municípios, mas que tenham iniciativa de buscar recursos próprios.

Palavras-chave: Municípios. Pacto Federativo. Transferências Intergovernamentais.

1. INTRODUÇÃO

A promulgação da Constituição Federal de 1988 atribuiu aos municípios brasileiros posição de destaque nos cenários político, econômico e social. A autonomia dos municípios fez com que eles assumissem, em alguns casos, centralidade na vida pública, ou seja, a eles foi reservado papel de provedor de bens e serviços públicos (TOMIO, 2002). Porém, muitas vezes, não havia devida compensação financeira para que eles exercessem tais obrigações, tornando-os dependentes das transferências intergovernamentais. Dessa forma, quais são as dificuldades enfrentadas pelos municípios mineiros, considerando a dependência dos repasses financeiros intergovernamentais, a partir da descentralização advinda do pacto federativo?

Pressupõe-se que com a descentralização advinda da CF de 1988, foram atribuídas diversas responsabilidades aos municípios brasileiros, que não seriam compatíveis com sua capacidade arrecadatória. Dessa maneira, a dependência financeira seria fator marcante no cenário municipal brasileiro, fato que vai de encontro ao objetivo da CF de 1988 que seria trazer maior autonomia aos municípios.

Também, pressupõe-se que como o pacto federativo tinha como objetivo dar autonomia aos municípios, mas deu responsabilidades sem a devida compensação financeira, os municípios teriam se tornado financeiramente dependentes dos Estados e da União. Porém teriam continuado com as responsabilidades constitucionais de prestação de serviços aos cidadãos, o que acabaria por gerar discrepâncias entre capacidade arrecadatória versus responsabilidades entre os entes federados. Abaixo serão apresentados os objetivos da pesquisa e após, a justificativa para o estudo.

O objetivo geral da pesquisa é apresentar as dificuldades enfrentadas pelos municípios mineiros, considerando a dependência dos repasses financeiros intergovernamentais, a partir da descentralização advinda do pacto federativo da CF de 1988. Já os objetivos específicos são:

  • Apresentar o desafio da dependência dos repasses financeiros intergovernamentais enfrentado pelos municípios mineiros;
  • Levantar dificuldades que os municípios enfrentam frente à dependência financeira dos Estados e da União;
  • Apresentar críticas ao pacto federativo, e apresentar sugestões para possíveis melhorias da situação vivida pelos municípios frente à questão da dependência financeira.

A Constituição Federal de 1988 estabelece mudanças no pacto federativo que se opõem ao modelo anterior de centralização do poder – característico do período autoritário –, de forma que a descentralização é consolidada como um meio para a democratização, considerando que as esferas subnacionais são mais suscetíveis às demandas e à fiscalização da sociedade civil (ABRUCIO; FRANZESE, 2009). A Constituição eleva os municípios à condição de ente federado, que passam a dispor de mais autonomia e participação sobre a receita nacional.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 os municípios brasileiros assumiram uma posição de destaque no cenário político, econômico, social e ambiental do país (TOMIO, 2002). Os municípios tornaram-se autônomos assumindo, em alguns casos, a centralidade e protagonismo na vida pública, o que lhes reserva importante papel na provisão de bens e serviços públicos, ora com a devida compensação financeira pelos níveis superiores de governo ou, então, simplesmente, assumindo o papel que legalmente deveria ser assumido pelos governos estaduais e o federal.

Torna-se necessário, neste contexto, discutir importantes temas relacionados às questões municipais como o poder local, a implementação de políticas públicas, a dependência crônica das transferências intergovernamentais, a qualidade na administração, o planejamento, entre outros. Ademais, torna-se necessário discutir a discrepância na capacidade de arrecadação de tributos entre os entes da federação, e perceber se essa capacidade arrecadatória é compatível às responsabilidades apresentadas na CF de 1988.

No que se refere à metodologia, a presente pesquisa consiste em uma pesquisa descritiva, com o objetivo de descrever as características do fenômeno estudado. Como recursos metodológicos, além da revisão de literatura sobre o tema, foram realizados levantamentos documentais, através de pesquisa documental, principalmente através de resultados de pesquisas já desenvolvidas. Assim, para coleta e posterior sistematização e análise de dados foram realizadas pesquisas de documentos, como artigos e periódicos, publicados nos sítios eletrônicos da Scientific Electronic Library Online - SciELO, Google Acadêmico, e Portal de Periódicos CAPES. Também foram utilizadas teses de mestrado e doutorado, e livros sobre o assunto. A técnica de abordagem utilizada foi a qualitativa, na medida em que ela busca compreender a realidade a partir da percepção de diferentes significados em diferentes estudos, e esse foi o objetivo do estudo apresentado.

Além da presente introdução, que é o primeiro capítulo, o trabalho encontra-se dividido em três capítulos. O segundo capítulo trata dos dois primeiros objetivos específicos da pesquisa, e traz aportes teóricos, abordando as questões dos desafios enfrentados pelos municípios frente à dependência dos repasses financeiros intergovernamentais, e apresenta dificuldades ocasionadas frente à dependência financeira dos Estados e da União.

O terceiro capítulo trata do terceiro objetivo específico da pesquisa, analisando e criticando as consequências enfrentadas pelos municípios devido à descentralização advinda do pacto federativo, no que diz respeito à questão fiscal, e apresenta sugestões para possíveis melhorias da situação vivida pelos municípios frente à questão da dependência financeira, além de apresentar as considerações finais do trabalho.

2. O PACTO FEDERATIVO SOBRE A PERSPECTIVA MUNICIPAL

A Constituição Federal de 1988 trouxe expressivas mudanças nos arranjos institucionais, políticos e administrativos então vigentes no Brasil. Elaborada após o término do regime militar, sua redação reflete os anseios da sociedade por um governo democrático e com atuação mais efetiva na área social (CARNEIRO; BRASIL, 2010).

Anteriormente, havia um consenso em torno da questão da descentralização ocorrida pós Constituição de 1988. Antes, se apontava para o fato de que o fortalecimento dos níveis subnacionais fortaleceria a democracia e também produziria maior eficiência alocativa no governo. Agora, já se aponta para o fato de que os governos locais são foco de clientelismo e ineficiência, além de grande irresponsabilidade fiscal, sem contar com a guerra fiscal entre estados e municípios, o que atrapalha o desenvolvimento local (MELO, 1996).

Com base no descrito por Carvalho (2011), a repartição de competências na Constituição Federal de 1988 abrange cinco planos distintos: competência geral da União (artigo 21, incisos I a XXV), competência de legislação privativa da União (artigos 22, I a XXIX, parágrafo único), competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 23, I a XII, parágrafo único), competência de legislação concorrente da União, Estados e Distrito Federal (artigo 24, I a XVI, parágrafos primeiro, segundo, terceiro, quarto), competência dos poderes reservados aos Estados (artigo 25, parágrafo primeiro e artigo 125, parágrafos primeiro, segundo, terceiro, quarto, com acréscimo dos parágrafos quinto, sexto, sétimo da EC 45/2004). No tocante aos municípios, é de registrar que, salvo no que concerne à competência comum, a Constituição reservou espaço próprio para enumerar a sua competência (artigos 29 à 30 CF/88) (CARVALHO, 2011). Pode-se observar essas competências municipais no quadro abaixo, sendo que entre elas temos como competência exclusiva do município a elaboração do Plano Diretor, política essa muito importante para o município. Também, a elaboração de legislação específica de interesse local, de peças orçamentárias, como LOA, LDO e PPA, e estabelecimento da zona urbana, são competências exclusivas do município, entre muitas outras, que estão elencadas abaixo. Também vemos competências compartilhadas com os estados, união e DF, tal como proporcionar acesso à saúde, cultura, educação e ciência, entre outros.

Quadro 1: Competências dos municípios brasileiros segundo a Constituição Federal de 1988, Brasil.

Competência privativa (CF arts. 29, 30 e 182)

Competência comum com os estados, União e DF (CF. art. 23)

Elaborar lei orgânica.

Elaborar legislação específica de interesse local.

Elaborar legislação suplementar às legislações federal e estadual no que couber.

Organizar o território em distritos.

Instituir e arrecadar tributos e aplicar rendas.

Elaborar peças orçamentárias.

Prestar serviços públicos de interesse local e obras correlatas.

São expressamente mencionados os serviços de transporte coletivo, de atendimento à saúde e os programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental.

Promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local.

Promover adequado ordenamento territorial e ordenamento urbanísticos mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano.

Executar política de desenvolvimento urbano/ estabelecer zona urbana.

Aprovar plano diretor pela câmara municipal.

Exercer o poder de polícia nos campos de competência exclusiva, inclusive nas matérias definidas de interesse local.

Zelar pela guarda da Constituição, das leis, das instituições democráticas e conservar o patrimônio brasileiro.

Saúde e assistência pública, da proteção e garantia de pessoas portadoras de deficiências.

Proteger documentos, obras e bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos e paisagens notáveis e os sítios arqueológicos.

Impedir a evasão, destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural.

Proporcionar meios de acesso à cultura, à educação e a ciência.

Proteger o meio ambiente e combater a poluição/preservar as florestas, a fauna e a flora.

Fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar.

Promover programas de construção de moradias e a melhoria de condições habitacionais e de saneamento básico.

Combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização.

Registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos minerais e hídricos.

Estabelecer e implantar política de educação para segurança no trânsito.

Exercer o poder de polícia nos campos de competências, inclusive criar tipos de infrações nas suas competências.

Fonte: Resende, 2011, p.99.

Com a concretização de uma valorização dos níveis subnacionais de governo, em detrimento do governo central, percebe-se que principalmente o nível municipal possui maior capacidade de lidar com certos problemas, o que levou à transferência dos mesmos para fora desse governo, e para os governos subnacionais (PINHO; SANTANA, 2001). Tal argumento parte do pressuposto de que um problema dividido em partes menores se torna mais fácil de ser resolvido. Ou seja, ao se transferir o problema para o nível municipal, onde a sociedade é mais próxima do governo, tal ente estaria mais habilitado a lidar com os problemas, visto que a interação com a sociedade, as formas de controle, e o acompanhamento das ações seriam mais efetivas nos municípios do que a nível nacional. Pinho e Santana (2001) também destacam que tal argumento já corrobora com o pressuposto de que sozinho, os governos não possuem condições de enfrentar variados problemas, e por isso necessitam do auxílio e de parcerias com a sociedade. Porém, é apontado que os municípios são centros de clientelismo e de ineficiência, de irresponsabilidade fiscal, e ingovernabilidade, tudo isso contribuindo para comprometer os esforços de estabilização almejados pelo governo central (MELO, 1996:11 apud PINHO; SANTANA, 2001).

  1. Dificuldades enfrentadas pelos municípios, frente à dependência financeira dos estados e da união

De acordo com Melo (1996), há diversos efeitos perversos da descentralização, especialmente para países em desenvolvimento. Tais efeitos se dão devido à ausência de pré-requisitos que seriam determinantes para uma efetiva aplicação da descentralização. Tais efeitos se dão devido há alguns fatores, como: burocracias locais de baixa qualificação (as burocracias centrais são, no geral, muito mais bem preparadas do que as locais). As burocracias locais não têm capacidade institucional para prover adequadamente bens e serviços sociais, o que torna a descentralização perversa (MELO, 1996).

Outro fator seria a transferência de receita pública sem a responsabilidade de geração de receita própria, rompendo o vínculo entre benefício e custo, ou seja, o município recebe o benefício, que são os recursos, porém não arca com os custos para isso, que é o ônus político e administrativo de se gerar receita. Em muitos casos, porém, as transferências de recursos podem ser vistas como um desincentivo ao esforço arrecadatório local, visto que em muitos municípios ocorreu antes que o próprio poder local pudesse fortalecer sua capacidade fiscal. Outro fator perverso, para Melo (1996), é a questão da definição de competências entre as esferas de governo. Há indefinição e ambiguidade, o que pode gerar paralisia institucional de alguma esfera, visto que se torna difícil aplicar mecanismos de responsabilização, devido a indefinição das responsabilidades. Fator muito perverso é a porosidade dos governos locais frente às elites, o que acarreta maior corrupção e clientelismo.

A Constituição de 1988 aumentou significativamente a participação dos governos locais na receita fiscal total disponível. Segundo Melo (1996) a participação dos municípios aumentou de 9,5% em 1980 para 16,9% em 1992, já para os estados foi de 24,3% para 31%, no mesmo período. A união, por sua vez, na forma de contribuições sociais, passou a criar impostos que não estão sujeitos à partilha com os estados e municípios, tal fato se deu devido a um movimento defensivo, visto que sua arrecadação havia sido partilhada nos últimos anos. Essa contribuição social foi feita através dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios (FPE e FPM) (DAIN, 1993 e 1994 apud MELO, 1996).

A União vem tentado garantir maior liberdade alocativa a seus gastos, e coibir os gastos dos Estados e dos municípios. Na história ocorreram tentativas de revisão constitucional nesse sentido, tal como o “Emendão” do Governo Collor e a revisão da constituição em 1993-94. Devido às resistências do Congresso Nacional, e do Senado Federal, tais iniciativas não foram adiante.

A rigidez orçamentária vem sendo objeto de luta constante por parte da União, no sentido de tentar criar mecanismos que consigam romper com a mesma, e que permitam maior grau de liberdade nos planos fiscal e tributário, resultantes das vinculações orçamentárias, que são aqueles recursos que já tem destinação determinada. Segundo Melo (1996) a União entrou em guerra não-declarada com as unidades subnacionais, com vistas a aumentar seu espaço fiscal e tributário.

A expansão da participação na receita fiscal dos municípios contrasta com a deterioração da qualidade dos serviços sociais, segundo Melo (1996). Em 1990, as despesas com gasto local atingiram 6,9% do PIB, frente a 2,5% na década de 1980, porém, essa expansão se refere à gastos com pessoal, ou seja, a discussão se refere à qualidade e ao significado dessa expansão. Existem argumentos controversos, o crescimento dos gastos com custeio revela um aumento do emprego público de base clientelista, para outros, revela a expansão dos municípios como provedores de serviços sociais, porém, ainda não há resposta conclusiva sobre a questão.

O principal resultado positivo oriundo dessa desconcentração de poder administrativo e político foi a descentralização das políticas públicas, em geral atribuídas ao governo federal ou aos estados e fortemente dependentes de alianças políticas e partidárias. É importante ressaltar ainda, que o federalismo define, a partir da Magna Carta, a distribuição de competências legais ou constitucionais, determinando as responsabilidades a serem exercidas na legislação e nas políticas públicas, pelos diferentes níveis de governo e as responsabilidades financeiras e a discriminação de rendas, por meio das fontes de receitas e de gastos federais e estaduais (CAMARGO, 2004). Cabe ressaltar que a distribuição de competências e de fontes de receita advindas de tributação é problemática na medida em que as primeiras são definidas, segundo Camargo, de forma difusa e inespecífica (CAMARGO, 2004, p.43) o que acabou ocasionando uma acumulação de responsabilidades por parte dos municípios.

Além dessa situação relacionada à arrecadação e distribuição de competências, a elevação dos municípios para o mesmo patamar de estados e união a partir do pacto federativo e o fortalecimento do poder local, fizeram com que as prefeituras tivessem que se adaptar a esse novo contexto, assumindo uma série de novas responsabilidades relacionadas ao desenvolvimento local, entre outros aspectos.

Essas responsabilidades, por sua vez, acabam sendo incompatíveis com a arrecadação realizada pelos entes locais, o que ocasiona uma série de problemas, como a ineficiência nos gastos públicos, a ineficácia das políticas públicas e o déficit fiscal. Nesse sentido, é importante frisar, que pelo fato de a base tributária dos municípios ser ainda incipiente, cabendo a eles a arrecadação apenas de alguns tributos relacionados à transferência de posse, posse de terrenos e prestação de serviços, excluindo a tributação sobre a base econômica, ocorre um fenômeno relacionado à forte dependência desses entes em relação às transferências intergovernamentais. Dos municípios brasileiros, 80% não geram praticamente nenhuma renda própria, que torna necessária a “participação ativa do ente superior quando, no nível inferior, o município e os estados são desprovidos de recursos e meios” (CAMARGO, 2004, p.45).

Costa e Cunha (2004) propõem que uma das mudanças de paradigma dessa nova era é a alteração da ideia de desenvolvimento. Sendo assim, “o novo modelo de desenvolvimento passou a contemplar não apenas o crescimento da produção nacional, mas também a realização de avanços na qualidade de vida, na equidade, na democratização, na participação cidadã e ao meio ambiente” (COSTA; CUNHA, 2004, p.70). Diante dessa necessidade de garantir o acesso da população a níveis mais elevados de qualidade de vida surgiu a valorização do poder local, “viver localmente torna-se a base de um novo modo de representar o mundo social” (COSTA; CUNHA, 2004, p.74).

Assim, esboça-se o desafio de integrar atores locais, incluindo sociedade civil, empresários e governos locais, além do desenvolvimento de um sistema de apoio mútuo entre as esferas governamentais para, assim, se alcançar a concepção e a sustentação do projeto de desenvolvimento. Dessa forma, podem ser destacadas duas situações: primeiramente, o fortalecimento do município, uma vez que é esse o ente que possui os canais mais próximos com os cidadãos e a segunda que representa o nascimento ou as primeiras manifestações de uma gestão societal, da integração da sociedade civil e outras entidades das administrações públicas. Costa e Cunha (2004, p.75) citam que “a fim de enfrentar os desafios colocados pelo novo paradigma do desenvolvimento, os gestores de todos os níveis de governo precisam assumir as seguintes tarefas:

· Superar os procedimentos tradicionais de gestão administrando regiões e cidades como se fossem países;

· Desenhar novos arranjos institucionais para o federalismo, de modo a melhorar a cooperação e a integração entre os três níveis de governo e a promoção do desenvolvimento local e regional;

· Estimular a participação dos grupos interessados nas decisões e ações relacionadas com o desenvolvimento.”

Em resumo, os autores propõem que para se alcançar o ideal desenvolvimentista é necessário uma redefinição dos papeis dos entes em relação às políticas concernentes à essa área, além da modernização da gestão e do estabelecimento de parcerias tanto intragovernamentais quanto com a sociedade civil e demais organizações. Dessa forma, busca-se adaptar a gestão pública exercida no Brasil aos modelos bem-sucedidos internacionalmente para que assim, as prefeituras sejam capazes de fornecer serviços e bens públicos de qualidade, voltados para a ampliação do bem-estar e para o desenvolvimento do cidadão. “A origem da vertente da qual deriva a administração pública societal está ligada à tradição mobilizatória brasileira, que alcançou o seu auge na década de 1960, quando a sociedade se organizou pelas reformas no país”. (PAULA, 2005a. Pag. 4).

Os principais mobilizadores deste movimento foram os movimentos populares, sociais, sindicais, pastorais, partidos políticos de esquerda e centro-esquerda, organizações não-governamentais (ONGs), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O campo, apesar de sua heterogeneidade, era marcado pela “reivindicação da cidadania e fortalecimento do papel da sociedade civil na condução da vida política do país, pois questionava o Estado como protagonista da gestão pública, bem como a ideia de público como sinônimo de estatal.” (PAULA, 2005. Pag. 154). Ou seja, havia um trabalho no sentido de “rearticular Estado e sociedade, combinando democracia representativa e participativa” (PAULA, 2005. Pag. 154).

Hoje a vertente societal busca a implementação de um projeto político que procura ampliar a participação dos atores sociais na definição da agenda política, criando instrumentos para exercer um maior controle social sobre as ações estatais e desmonopolizando a definição e implementação das ações públicas (PAULA, 2005a). São exemplos de práticas societais, os fóruns temáticos, os conselhos gestores de políticas públicas e orçamentos participativos.

Busca-se assim criar organizações administrativas efetivas, permeáveis à participação popular e com autonomia para operar em favor do interesse público. Trata-se de estabelecer uma gestão pública que não centraliza o processo decisório no aparelho de Estado e contempla a complexidade das relações políticas, pois procura se alimentar de diferentes canais de participação, e modelar novos desenhos institucionais para conectar as esferas municipal, estadual e federal (PAULA, 2005).

  1. A dependência dos repasses financeiros intergovernamentais enfrentado pelos municípios mineiros

A partir do pacto federativo, principalmente na escala municipal, houve a instituição de uma reforma tributária e de uma ampliação da autonomia do ente municipal. Essa autonomia foi acompanhada de um aumento das responsabilidades dos municípios em relação às demandas da sociedade civil, porém não compatíveis com sua estrutura burocrática e produção de recursos econômicos. Na escala municipal, onde as desigualdades mais se materializam, não é possível que exista a resolução dos problemas entrelaçados com estruturas de grandes escalas, sobre as quais o Poder Público Municipal tem pouca governabilidade (SILVA; SILVA; BARROS, 2005).

A descentralização advinda da Constituição de 1988 transferiu o ônus político das insatisfações sociais e das reivindicações da sociedade para os municípios. A grande maioria dos municípios não tinha preparo algum para exercer essa responsabilidade. Ademais, também não possuíam preparo para a obtenção de recursos de execução de programas de governo que já haviam sido definidos e desenvolvidos por outras escalas de poder, devido à falta de diversos atributos necessários para se obter novas fontes de receita. Fontes essas tais como recursos humanos especializados no aumento de receitas, e também, pela falta de instrumentos de controle e fiscalização exigidos no momento da prestação de contas (SILVA; SILVA; BARROS, 2005).

Tudo isso, somado a outros fatores, gera a ineficiência e ingovernabilidade citada logo acima, pois a partir do momento que se dá responsabilidades, sem a devida capacitação, a gestão do recurso público se torna insatisfatória e pouco eficiente, não atingindo seu maior objetivo, que é a prestação de serviços de qualidade à sociedade, gerando espaços para corrupção, visto que a falta de instrumentos de controle e de prestação de contas eficientes geram possíveis fraudes.

Segundo Camargo (2004), o federalismo é “um modelo original de organização do Estado que se caracteriza pela coexistência, em geral, de uma dupla soberania: a da União e a dos estados” (CAMARGO, 2004, p 39). Esse modelo de organização surgiu nos Estados Unidos no final do século XVIII, e concede autonomia política e administrativa aos entes da federação representando a busca pela igualdade das condições de vida, reduzindo desigualdades e a competição, e permitindo maior cooperação e equilíbrio ao permitir a diferença e inovação.

O Brasil, que teve o sistema federalista implementado pela Constituição Federal de 1988 é o único país a possuir três entes federativos. O princípio foi introduzido no art. 18 da Constituição, que determina o novo status dos municípios, “todos autônomos”, de acordo com a Constituição (CAMARGO, 2004). Essa peculiaridade do federalismo brasileiro exerce grande influência sobre a organização dos entes federados, refletindo principalmente no papel dos municípios perante essa forma de organização.

O Estado de Minas Gerais possui 853 municípios, sendo sua maioria municípios de pequeno ou médio porte, conforme mostrado na tabela abaixo. Segundo o Censo de 2010, somente 4 municípios mineiros possuíam mais de 500.000 habitantes, sendo que a classe mais populosa é a de 5.001 a 10.000 habitantes, com um total de 251 municípios. A segunda mais populosa é a classe de 2.001 a 5.000 habitantes, com 221 municípios. As duas classes somadas dão um total de 472 municípios com menos de 10.000 habitantes.

Tabela 1 - Número de municípios e população nos Censos Demográficos, segundo as classes de tamanho da população dos municípios - Minas Gerais - 1960/2010

Sinopse do Censo Demográfico 2010

Classes de tamanho
da população dos municípios

Censos Demográficos

01.09.1960
(1)

01.09.1970
(1)

01.09.1980
(1)

01.09.1991
(2)

01.08.2000
(2)

01.08.2010
(2)

Número de Municícios

      Total

   483

   722

   722

   723

   853

   853

   Até 2 000

-

   9

   19

   19

   19

   19

   De 2 001 a 5 000

   52

   183

   184

   181

   231

   221

   De 5 001 a 10 000

   137

   214

   204

   190

   266

   251

   De 10 001 a 20 000

   143

   177

   172

   175

   172

   184

   De 20 001 a 50 000

   122

   114

   98

   100

   105

   112

   De 50 001 a 100 000

   23

   16

   33

   41

   37

   37

   Mais de 100 000

   6

   9

   12

   17

   23

   29

      De 100 001 a 500 000

   5

   8

   11

   16

   20

   25

      Mais de 500 000

   1

   1

   1

   1

   3

   4

Fonte: Censo demográfico 2010

As necessidades do ponto de vista gerencial sentidas especialmente pelos municípios de pequeno e médio porte são variadas no sentido de que eles enfrentam problemas em sua estrutura física, não tem acesso às novas tecnologias tanto quanto os maiores municípios, possuem falta de recursos materiais e recursos humanos com capacitação necessária para gerir a máquina pública, e tudo isso é ligado às já existentes deficiências do interior do estado. Individualmente os municípios estão aquém no que diz respeito racionalização da ação governamental, e de uma troca de informações públicas, necessitando de um auxílio dos níveis superiores de governo (SILVA; SILVA; BARROS, 2005).

A Constituição federal de 1988 trouxe a estrutura tributária de seus entes, dividindo quais tributos são arrecadados por qual ente federativo. Abaixo é demonstrada uma tabela com a divisão desses tributos, por ente federado. Após, discutimos sobre as competências tributárias dos municípios.

Tabela 2 - Estrutura tributária brasileira na Constituição de 1988

Entes

Tributos

União

Imposto sobre Importação (II)
Imposto sobre Exportação (IE)
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)
Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas e Jurídicas (IRPF e IRPJ)
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF)
Imposto Territorial Rural (ITR)
Imposto Extraordinário (IEx)
Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF)

Estados

Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte e Comunicação (ICMS
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (Causa Mortis) (ITBI-CM)
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)

Municípios

Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU)
Imposto Sobre Serviços (ISS)
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (Intervivos) (ITBI)
Imposto sobre Vendas no varejo de Combustíveis Líquidos e Gasosos (IVV)

Fonte: Constituição Federal de 1988 apud Pereira 2009

As Competências tributárias dos municípios são:

  • IPTU: Imposto Predial Territorial Urbano; ​
  • ISS: Imposto sobre Serviços; ​
  • ITBI: Imposto de Transmissão Inter Vivos; ​
  • Taxa de Serviços: cobrança de determinados serviços prestados ao contribuinte (taxa de iluminação pública) ​;
  • Taxa pelo serviço de polícia: pagamento para licença de serviço;
  • Contribuição de Melhoria: pagamento em decorrência de melhorias urbanas em determinada área, as quais valorizam os imóveis situados neste local​;
  • Contribuição Social de Previdência e Assistência dos Servidores Municipais.

Segundo a categoria econômica, os municípios possuem as receitas de capital, que são advindas de operações de crédito, alienação de bens, amortização de empréstimos concedidos, entre outros. ​Já as receitas correntes são divididas em receitas próprias, que são as receitas tributária, patrimonial, industrial e de serviços; e as receitas advindas das transferências, sendo elas:

- Transferências Estaduais: Cota-parte (25%) do ICMS; IPVA (50%); multas (50% IPVA; 25% do ICMS e dívida ativa tributária);​

- Transferências Federais: FPM (22,5% do IPI; 22,5% do IR); 50 do ITR; 2,5% do IPI (via Fundo de exportação)

O quadro abaixo exemplifica o texto acima, mostrando como acontecem as transferências da União e dos Estados para os municípios:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quadro 2 – Transferências intergovernamentais a partir da Constituição de 1988

 

Fonte: PEREIRA, 2009, p.17

Os níveis superiores da federação arrecadam mais do que gastam​, fato que gera uma “Brecha vertical” ou “Desequilíbrio vertical” entre as unidades da federação. Isso significa que os governos centrais tendem a controlar a maior parte dos recursos, mas as ações públicas seriam vistas como mais eficientes pelos municípios, que recebem muitas responsabilidades. Tal fato gera um Desequilíbrio fiscal (GUEDES; GASPARINI, 2007).

Com tantos municípios, o Estado de Minas possui diferenças regionais muito significativas, fato esse que levanta discussões em torno das grandes diferenças socioeconômicas que existem em seu território (COSTA et al., 2012 apud Pereira, 2009). Com tantos municípios, e em um território tão vasto, o Estado de Minas Gerais tem enorme destaque devido à existência de regiões dinâmicas e modernas, juntamente com de regiões extremamente atrasadas em vários aspectos socioeconômicos. Ao mesmo tempo em que o estado possui municípios extremamente desenvolvidos, como aqueles do sul de minas, possui municípios que vivem extremas dificuldades no norte e nordeste do estado.

Países organizados em uma federação que apresentam desigualdades entre suas regiões, como acontece no Brasil, e como vimos, especialmente em minas gerais, contam com os mecanismos das transferências intergovernamentais como forma de tentar corrigir desequilíbrios na capacidade de geração de receita própria de determinados entes da federação (COSSÍO, 1995 apud PEREIRA, 2009).

Conforme a Lei 5.172/96, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma das principais transferências constitucionais, é constituído de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e sua distribuição é feita conforme o número de habitantes dos municípios, de forma que são fixadas faixas populacionais, sendo atribuído a cada uma delas um coeficiente (PEREIRA, 2009). Desde a promulgação da CF/88, segundo dados do portal Finanças do Brasil (FINBRA), nos municípios do Estado de Minas Gerais, a dependência média por recursos advindos de transferências intergovernamentais é de 88,27%. Na análise por mesorregião constatou-se que a dependência ocorre em nível estadual, e não apenas nas regiões menos desenvolvidas (LEROY, 2015).

Segundo Souza (2007) e Massardi (2013), há uma relação entre a faixa populacional de um município e a arrecadação de impostos. Para os autores, o desenvolvimento ocorre de forma maior nos municípios que já são mais desenvolvidos, devido à competência tributária municipal desses municípios. Em grandes centros, impostos de arrecadação própria municipal, como IPTU e ISS, tem sua arrecadação potencializada frente a centros menores ou de menor renda per capita (LEROY, 2015). Ou seja, há uma correlação entre o grau de arrecadação de receitas próprias e a atividade econômica municipal, o que indica que há efeito positivo na arrecadação de tributos de competência do próprio município, e o índice de desenvolvimento municipal.

As transferências intergovernamentais existem como forma de diminuir disparidades e desigualdades existentes dentro da federação, buscando maior equilíbrio fiscal e gerar compensação, devido ao fato de a arrecadação própria de municípios pequenos não chegar nem a 1% da receita total do município (COSTA et al., 2012; GALVARRO; BRAGA; FONTES, 2008 apud PEREIRA, 2009). Como vimos, a maior parte dos municípios mineiros é composta por pequenos municípios, o que indica que eles são extremamente dependentes dessas transferências, e geram pouca receita própria.

Dessa forma, a função de uma transferência intergovernamental é equilibrar a demanda e a capacidade de oferta de bens e serviços públicos. Porém, para Mendes (1994), os critérios de distribuição do FPM não atendem a essa função, e geram incentivos para um baixo desempenho fiscal (PEREIRA, 2009). Ademais, a utilização dessas transferências de maneira indiscriminada privilegia pequenos municípios, que acabam por não se esforçar para arrecadar tributos próprios, ou seja, possuem baixo esforço fiscal e grande dependência das transferências intergovernamentais (PEREIRA, 2009).

  1. CRÍTICAS E SUGESTÕES PARA POSSÍVEIS MELHORIAS DA SITUAÇÃO DOS MUNICÍPIOS FRENTE À QUESTÃO DA DEPENDÊNCIA FINANCEIRA.

A partir da Constituição Federal de 1988 os municípios brasileiros passaram a possuir posição de destaque nos cenários econômico, social e político, devido à autonomia que foi dada a eles. Os municípios assumiram papel de provedor de muitos serviços públicos, e a eles foram atribuídas diversas responsabilidades que não existiam antes do pacto federativo.

A questão norteadora do trabalho é que as responsabilidades atribuídas aos municípios a partir da CF de 1988 não são compatíveis com sua capacidade arrecadatória, fato que gera dependência financeira dos outros entes, e não gera a tão estimada autonomia, que foi o objetivo proposto pela própria CF de 1988. Essa dependência dos repasses intergovernamentais gera dificuldades para os municípios, que acabam por não se esforçar para arrecadar tributos próprios, gerando baixo esforço fiscal. Os pequenos municípios são os mais beneficiados pelas transferências, e com isso são os mais dependentes, porém conforme apontado por Pereira (2009), o efeito carona mostra o quanto as transferências intergovernamentais podem ser nocivas, ao induzir a comodidade e a ineficiência arrecadatória.

 As novas responsabilidades atribuídas às prefeituras, com a distribuição de novas competências, não foi compatível à distribuição das receitas entre os entes, de forma que a distribuição tributária brasileira é bastante discrepante e a maior parte da receita municipal, especialmente nos pequenos municípios, acaba sendo advinda das transferências.

Desdobramentos diretamente relacionados aos incentivos gerados pela existência do fundo de Participação dos Municípios são onde as críticas da dependência das transferências intergovernamentais normalmente recaem. A acumulação de responsabilidades por parte dos municípios, e a pequena arrecadação realizada pela maior parte deles, tornam o cumprimento dessas responsabilidades quase impossível. Tal fato ocasiona problemas tais como ineficiência dos gastos públicos e das políticas públicas, além de um déficit fiscal.

A correspondência entre receita tributária e responsabilidades é essencial para que exista equilíbrio no sistema federativo. Esse desequilíbrio vertical causa insatisfação tanto para governantes, que não conseguem aplicar as políticas públicas como gostariam, quanto para governados, que não possuem bens e serviços públicos de qualidade. O que deve ser buscado para corrigir tal desequilíbrio é a correspondência entre receita tributária e gastos, ou seja, o ente federado é responsável por gerar bens e serviços compatíveis com a receita que ele arrecada, sem que o mesmo dependa das transferências para que cumpra com suas obrigações constitucionais (LEROY, 2015).

Segundo Pereira (2009), em Minas Gerais existem muitos municípios cuja capacidade de arrecadação não está sendo explorada e, também, que municípios com alta dependência do FPM possuem baixo índice de esforço fiscal, ou seja, eles não se esforçam para gerar novas receitas. Fato esse que comprovou que as transferências exercem influência negativa no esforço de arrecadação própria dos municípios.

O esforço de arrecadação passa a ser inibido quando o poder local percebe que os bens públicos locais serão financiados por outro ente, gerando comportamento de acomodação nesses municípios. Dessa forma, a utilização das transferências de forma compensatória do hiato fiscal existente entre arrecadação própria e demanda social por bens e serviços, provoca um efeito perverso que acaba por inibir o esforço próprio de arrecadação própria (PEREIRA, 2009).

O efeito freerider (carona) é exatamente o que foi descrito acima. Há uma extensa literatura que se aplica ao setor público, evidenciando os efeitos nocivos das transferências intergovernamentais no que diz respeito ao comportamento dos entes federados e do equilíbrio fiscal. O Efeito freerider reflete que o elevado grau de dependência induz à ineficiência do ponto de vista arrecadatório (ORAIR; ALENCAR, 2010, apud PEREIRA, 2009).

Visto que a dependência causa ineficiência arrecadatória e comodismo, e induz preguiça fiscal, supõe-se que o aumento dessa dependência é perverso para os municípios. O “Desequilíbrio Vertical” é justamente o fato de os entes superiores arrecadarem mais do que gastam, e transferirem esses recursos entre os outros entes de forma a tentar equilibrar essa diferença. Isso mostra que o governo central controla os recursos, mas os municípios, que seriam os mais próximos da sociedade, e recebem várias responsabilidades, recebem a maior parte dos seus recursos por meio de transferências intergovernamentais.

Conforme apontado por Leroy (2015) há grande relação entre a receita própria de um município e a atividade econômica municipal, fato que indica que municípios que arrecadam seus próprios impostos tem a tendência a ser mais desenvolvidos. Mais uma vez vemos o efeito perverso da dependência das transferências, pois ao não arrecadar seus próprios impostos, os municípios não estão gerando desenvolvimento econômico. E são os menores municípios os mais prejudicados nesse quesito, visto que eles são os mais dependentes das transferências intergovernamentais.

Sugere-se que o sistema de transferências intergovernamentais seja revisado, de forma que os municípios não sejam induzidos a permanecer dependentes do FPM, mas que tenham iniciativa de buscar recursos próprios. Pode-se partir da revisão das responsabilidades de cada ente federado, para que os entes com menos recursos não tenha tantas responsabilidades, e não tenham que depender das transferências. Também, pode-se revisar a estrutura tributária atual, de forma que os municípios tenham uma arrecadação compatível com suas responsabilidades, e não tenham que depender de transferências para arcar com suas responsabilidades com a população.

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