Geografia: Milton Santos e a Cibernética
Por João Monti | 10/10/2015 | ArteA cibernética, entre os anos de 1940 e 60, concebeu uma teoria científica pela qual propunha uma analogia radical entre o organismo, a linguagem, a sociedade e a máquina (termostato). Em nosso ensaio “Atualidade da Geografia”, publicado em nosso blog, mostramos como esta ciência influenciou a geografia brasileira, dos anos de 1970 em diante, sem, no entanto, receber os créditos por isso. Salvo engano, de modo geral, não encontramos referências de autores da cibernética em bibliografia de obras da geografia. Deixaremos aqui mais alguns elementos para esta reflexão:
Norbert Wiener:
A tese deste livro é a de que a sociedade só pode ser compreendida através de um estudo de mensagens e das facilidades de comunicação de que disponha; e de que, no futuro desenvolvimento dessas mensagens e facilidades de comunicação, as mensagens entre o homem e as máquinas, entre as máquinas e o homem, e entre a máquina e a máquina, estão destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante. (WIERNER, [1ª. Edição – 1950] 1968, p.16).
Wolfgang Wieser:
Isso foi formulado, entre outros, por Norbert Wiener há aproximadamente dez anos, mas não se pode negar que os rumos fundamentais desta hipótese remontam o problema da forma como conceberam Platão e Aristóteles. Os elementos de um sistema devem “comunicar-se” entre si, devem desenvolver inter-relações regulares e coerentes. Esta necessidade de comunicação é fundamental e igualmente importante para sistemas físicos, biológicos ou sociológicos. Sem comunicação não há ordem, sem ordem não há totalidade. Aqui o princípio básico pode ser considerado, por motivo de clareza (não por motivos lógicos), segundo dois aspectos. Em princípio lugar, segundo o problema da comutação. A pergunta que caberia aqui seria a seguinte: Qual são, no sentido da técnica, os princípios de comutação de sistemas complexos e de que forma podem ser responsáveis pela conduta destes sistemas? Sendo assim, as redes de comutação servem para transportar notícias, sinais, numa palavra: informação. (WIESER, [1ª. Edição – 1959] 1972, p. 13).
O que denominei até agora de “comutação de circuito” é conhecido atualmente, em geral, como “retroalimentação” (feedback) ou “circuito regulador”, e é o elemento essencial de uma ciência jovem que, com o nome de Cibernética (de kybernetes, o piloto ou timoneiro de um navio), comoveu os ânimos de numerosos técnicos, biólogos, filósofos e leigos. Em poucas palavras, a Cibernética é a ciência dos mecanismos de comando. (p.15).
Desta situação segue-se que a complexidade do sistema nervoso deve ser alcançada acentuando-se o princípio das conexões paralelas ou da ordem espacial, e a complexidade das máquinas eletrônicas acentuando-se o princípio das conexões seriadas ou da ordem temporal (veja-se Von Neumann, 1958). (p. 34).
O núcleo de toda a rede de comutação com função de comando é a já citada retroalimentação. (p. 34).
Na fisiologia, como na técnica, podemos comprovar a passagem de sistemas lineares para mecanismos de controle em circuito fechado. (p. 35).
Uma grande parte da fisiologia do século XIX baseava-se neste princípio de reações lineares. Este princípio corresponde, assim, “à técnica das máquinas a vapor”, em que as cadeias de reações são de espécie similar; por exemplo, A = calor; B = produção de vapor e elevação de pressão na caldeira; C = rendimento em trabalho: A – B – C. (p. 36).
Da mesma maneira, os centros motores estão permanentemente informados, através de órgãos sensoriais proprioceptivos, sobre o estado de tensão dos músculos. Numa palavra, cada movimento é um “circuito estrutural” (veja-se Von Weizsäcker) em que nenhum componente subsiste por si, mas todos são interdependentes. (p. 39).
Wieser dá o exemplo do sistema nervoso representado por dois circuitos: “Dado que o sistema nervoso é naturalmente o mecanismo de comando mais apurado e importante, é precisamente nele que devem aparecer circuitos reguladores como elementos constitutivos” (p. 39).
Em seguida, Wieser esquematiza um sistema geral com dois circuitos: “Esquema dos dois circuitos de comutação mais importantes para a estabilização de uma função de saída. A) Comutação de circuito com retroalimentação negativa; b) Comutação em rede. Os quadrados cruzados designam elementos nos quais se verifica seja uma divisão da informação, seja – quando um dos seus quadrantes é em preto – uma compensação de ambas as entradas de informação. A compensação pode ser formalmente concebida como uma subtração” (p. 43).
Nesse sistema vinculam-se dois princípios de comutação: o princípio de retroalimentação e o princípio da comutação em rede (Mashenschaltung). Neste último, um fluxo de informação é dividido em dois ramos, que primeiramente sofrem influências, para então serem enviados a um centro comum e lá serem reciprocamente compensados. As diversas influências às quais ambos os ramos de informação possam ter sido expostos podem, desta forma, anular-se mutuamente ou ser convertidas em uma mensagem a centros superiores. Uma bela demonstração desse tipo de comutação é dada pelo circuito de reaferência entre o olho e cérebro, há pouco mencionado” (p. 45).
Milton Santos:
Os dois circuitos de produção
A essas diferenças de consumo correspondem diferenças da produção. Aos dois níveis de consumo correspondem dois circuitos de produção.
Assim, existe um setor moderno, ao lado de um setor tradicional de pequenas indústrias, artesanatos e comércio; os bens, apesar de pertencerem à mesma categoria, não têm a mesma qualidade, não se destinam às mesmas classes de consumidores, nem seguem os mesmos circuitos de comercialização.
(...)
Por outro lado, o circuito moderno é, em realidade, incorporado à economia mundial, incorporando tanto produtos de consumo intermediário para as atividades locais produtos de consumo final. Ele recorre também ao capital estrangeiro, já que os investimentos, em geral importantes, dificilmente são divisíveis. (SANTOS, 2008, pp. 54 e 55).
No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, por objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que natureza artificial tenda a funcionar como máquina. (SANTOS, 1996, p. 39).
A técnica, esse intermediário entre a natureza e o homem desde os tempos mais inocentes da história, converteu-se no objeto de uma elaboração científica sofisticada que acabou por subverter as relações do homem com o meio, do homem com homem, do homem com as coisas, bem como a relações de classes sociais entre si e as relações entre as nações. (SANTOS, 2009, p. 16).
Esse novo tema de estudo não é apenas útil para compreender o funcionamento da cidade como máquina viva, mas também para explicar, sob uma nova luz, as relações externas da cidade, seja com sua região de influência, seja com outras cidades (SANTOS, 2004, p. 30).
Referências:
SANTOS, M., “A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção”, São Paulo: Edusp, 2004.
SANTOS, M., “Manual de geografia urbana”, São Paulo: Edusp, 2008.
SANTOS, M., “O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos”, São Paulo: Edusp, 2004.
SANTOS, M., “Pensando o espaço homem”, São Paulo: Edusp, 2009.
SANTOS, M., “Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional”, São Paulo: Hucitec, 1996.
WIERNER, N., “Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos”, São Paulo: Cultrix, 1968.
WIESER, W., “Organismos, estruturas, máquinas: para uma teoria do organismo”, São Paulo: Cultrix, 1972.
Este texto é parte de nossas publicações nos blogs “Geografia – isso não serve para fazer nada”, “Geografia X Anarquia” e “Atualidade da geografia”.
Sobre este assunto, leia também o texto Marshall McLuhan, a aldeia global e a internet