GÊNERO, SISTEMA PENAL E VIOLÊNCIA...

Por Juciane Reis Ferreira | 19/04/2017 | Direito

GÊNERO, SISTEMA PENAL E VIOLÊNCIA A violência doméstica em relação ao gênero feminino e a ação do Sistema Penal*

Introdução 

As tentativas de coibir a violência doméstica são anteriores a própria Constituição atual, o que ficou claro quando o Brasil ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW-1984), pois a omissão inconstitucional sobre esse tema era considerada uma afronta. Por força da convenção, o Brasil assumiu o dever de adotar leis e implementar políticas públicas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. No seu art. 226 §8, a Constituição instituiu que “o Estado assegurará assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” [1]. Contudo, a Lei Fundamental demonstrou timidez, pois reconheceu de forma genérica o direito à proteção da mulher, uma vez que este veio implícito dentro do conceito de proteção à família.

As medidas referidas anteriormente foram ineficientes no combate efetivo à violência contra a mulher. Cedendo às constantes pressões sociais e às discussões entre o governo brasileiro e a sociedade internacional foi elaborado um projeto de lei que buscou medidas mais ostensivas com relação aos agressores. Tal lei foi denominada Maria da Penha, em homenagem a uma mulher que, após uma tragédia pessoal, se tornou um símbolo na luta contra a violência doméstica. 

1  Discriminação contra a mulher

É notória toda a luta que mulheres do mundo inteiro, de diversas classes sociais e etnias vêm tendo durante a história por melhores condições de trabalho, de remuneração e reconhecimento. Essa histórica desigualdade entre homens e mulheres só vem a aumentar as relações de poder exercidas por homens em relação às mulheres impedindo seu avanço no meio social. Essa discriminação contra a mulher compreende qualquer forma de distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer campo. 

Este simbolismo estereotipado e estigmatizante de gênero, (que homens e mulheres, no entanto, reproduzem) apresenta a polaridade de valores culturais e históricos como se fossem diferenças naturais (biologicamente determinadas) e as pessoas do sexo feminino como membros de um gênero subordinado, na medida em que determinadas qualidades, bem como o acesso a certos papéis e esferas (da Política, da Economia e da Justiça, por exemplo) são percebidos como naturalmente ligados a um sexo biológico e não ao outro.[2] 

O que é violência contra a mulher? Na definição da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994), a violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. A violência contra a mulher é reconhecida formalmente pela ONU como uma violação aos Direitos Humanos, que vem sendo trabalhado pela sociedade civil a fim de ser eliminado, pois suas conseqüências são profundas, vão além da felicidade e do bem estar individual. 

2  Violência doméstica

Na sociedade muitas pessoas ainda acham que a melhor maneira de resolver conflitos é através da violência e que o sexo masculino é mais forte e superior às mulheres. É assim que, muitas vezes, os maridos, namorados, pais, irmãos, chefes e outros homens acham que têm o direito de impor suas vontades às mulheres, usando da força física para se impor e conseguir dominá-las. Essa maneira de agir, muitas vezes é apoiada pela própria sociedade que dá muito valor ao papel masculino, refletindo assim na forma de educar de forma diferente meninos e meninas. Geralmente as meninas são incentivadas a demonstrarem delicadeza, submissão, dependência, passividade e sentimentalismo, enquanto os meninos são estimulados a desenvolverem a agressividade, força física e a satisfação de seus desejos. A grande maioria das mulheres agredidas sofre calada, pois dar um basta a esse tipo de situação se torna muito difícil.  A vergonha ou a dependência financeira são os principais fatores que levam a esse silêncio.

Ao falar de âmbitos domésticos e familiares entende-se o local onde há convívio permanente de pessoas, em típico ambiente familiar, formado por indivíduos que são unidos por laços naturais e afinidade. Remetendo à Lei Maria da Penha temos como destaque o artigo 7º que trata das formas de violência doméstica ou familiar contra a mulher[3], entre elas a violência física (qualquer conduta que ofenda sua integridade corporal), psicológica (qualquer dano emocional, de humilhação ou ridicularização que venha a sofrer a mulher), sexual (qualquer violência que constranja a mulher a manter relação sexual não desejada, que a impeça de usar meio contraceptivo, e etc.), patrimonial (conduta que configure retenção, destruição de seus objetos e documentos pessoais), moral (conduta que configure calúnia, difamação ou injúria). 

3  Processo de vitimização da mulher

“Sobre esta vítima mulher foi lançada a visão masculina, a qual muitas vezes atribuía à própria vítima a causa do crime”.[4] Trata-se de uma seqüência de eventos que são desencadeados a partir da primeira agressão sofrida pela mulher. Inicialmente há uma dificuldade na comunicação do casal abalada pelo rompimento de um fator de estabilidade conjugal: a confiança. Com a agressão a mulher se vê numa situação em que não imagina uma explicação, sempre acha que foi só daquela vez, que não se repetirá, pois o companheiro se exaltou, ou o que é ainda pior, que a culpa é sua, foi ela que fez algo que justificasse a postura radical do parceiro. 

Na sociedade há sempre pessoas que exercem um poder mais ou menos arbitrário sobre outras, seja de forma brutal e violenta, seja de forma sutil e encoberta. Enquanto esse poder for percebido como normal não haverá vitimização primária (não existe nenhum ato formal das agências políticas que confiram o status de vítima ao subjugado). Quando a percepção pública de tal poder passe a considerá-lo anormal (desnormatiza-se a situação), urge o reconhecimento dos direitos do subjugado e redefine-se a situação conflitiva.

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