Garganteando a grande guerra
Por Edson Terto da Silva | 06/02/2012 | CrônicasNão sou o rei Roberto, mas a primeira história foi com lambreta, envolvendo não Susie, mas o mesmo falecido tio da história a seguir. Lembram dele? Aquele que dois sobrinhos o deixaram sozinho em cima de uma velha lambreta sem freios, que só foi parar numa cerca? Esta também é interessante. Este tio foi convocado pelas Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB) e tinha muito orgulho de ser ex-pracinha. Só que, digamos, ele exagerava um pouco nas histórias e tinha imaginação muito fértil.
Não era raro, ele ser visto usando boina e boton da FEB e isso atraia a curiosidade das pessoas, que lhe perguntavam se ele era veterano de guerra. Tecnicamente ele era, mas jamais esteve em combate na Itália contra as forças de Mussollini. Na verdade, ele quase embarcou, mas foi acometido por uma forte febre, ficou no porto em terras brasileiras e depois para um hospital.
Bom,mas isso não devia ser história que interessaria, após quase 40 anos, para pessoas tão curiosas em conhecer horrores de uma guerra e bota horror nisso, quando relatado por este tio. Certa vez, na banca de jornal um falso freguês, desses que folheavam vários jornais e revistas e não levava nenhum, lia horrorizado noticias sobre uma guerra,acredito que a do Vietnã.
O tio, ao ver que ele se interessava e estava admirado com as notícias, não pensou duas vezes antes de metralhar uma frase de efeito: “O amigo já viu gente ser cortada à baioneta da ponta do queixo ao dedão do pé?” O olho do bicão esbugalhou-se, talvez pensando que estava sendo censurado por um dos donos da banca por folhear edições sem comprar. “Pois eu vi”, continuou o tio. “Fui para a Guerra na Itália, sou ex-combatente e já vi muita coisa feia nesta vida”, disparou, diante de um ex-falso freguês, boquiaberto, pasmo e pálido.
Querendo sair logo dali, o homem pagou rapidamente a edição que trazia notícias sobre a guerra, salvo engano era uma Revista Realidade, e foi embora. O tio então olhou para sua irmã, a única e verdadeira dona da banca de jornais e revistas, aquela mesma da maquiagem Pikachu, deu um sorriso e disse: “Pronto, este não volta mais aqui para ler de graça, se fosse na guerra eu mereceria uma medalha, mas aqui aceito até um maço de cigarro...”
A tia fingiu que nem ouviu. Sem medalha e sem cigarro, o tio ficou matutando: “Quem sabe não ganho meu cigarro, se aparecer outro folgado e eu conto a história da granada que ia explodir na cafeteira de nosso rancho, mas a joguei nos inimigos, que conheceram o verdadeiro café forte brasileiro? Salvei um monte de praças e oficiais...”, pensa o tio em seus devaneios bélicos.