Garantias do devido processo legal: o direito ao trabalho como garantia constitucional das apenadas no CRISMA
Por dayanne estrela | 02/09/2013 | DireitoGarantias Processuais Constitucionais
Garantias do devido processo legal: o direito ao trabalho como garantia constitucional das apenadas no CRISMA
Dayanne Estrêla da Costa Leite[1]
Sumário: Introdução; 1 Liame entre Constituição E Processo; 1.1 Tutela Constitucional Do Processo; 1.1.1 As Garantias Do Devido Processo Legal; 4 Lei De Execuções Penal; 3.1 Metodologia; 3.2 Do Questionário; 3.3 Das Entrevistas; 4 Conclusão; Referência.
RESUMO
As garantias do devido processo legal caracterizam-se como uma reunião de garantias constitucionais que asseguram aos indivíduos a prática de seus direitos e poderes constitucionais. No estudo da Execução Penal, observa-se que o apenado tem direitos e deveres previstos em lei, sendo o trabalho é um deles. Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão foi objeto de estudo para a verificação da realização e eficácia de tal preceito constitucional.
PALAVRAS CHAVE
Garantia. . CRISMA. Trabalho. Apenadas
INTRODUÇÃO
Pensar em construir uma nova sociedade é pensar em mudança de paradigma, e conseqüentemente, em respeitar os diretos humanos, dentre dos quais se encontram os direitos dos apenados.
A valorizarão do trabalho e da educação é uma tendência mundial, que é reflexo da preocupação em formar indivíduos para enfrentar os grandes problemas contemporâneos. A situação dos carcerários no Brasil e no Maranhão é uma preocupação social.
Este artigo é de natureza bibliográfica e de pesquisa de campo, com o objetivo de evidenciar a realidade do trabalho das apenadas no do Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão.
Para a efetivação deste trabalho procurou-se dividi-lo da seguinte forma: primeiramente faz-se algumas considerações sobre a tutela constitucional, englobando o processo as garantias sobre devido processo legal. Em seguida aborda-se a Lei de Execução Penal, dissertando sobre os direitos e garantias do preso. No terceiro momento levantam-se as questões sobre a pesquisa em campo, realizado no CRISMA e trata-se dos dados obtidos por meio das entrevista e questionários realizados.
Com este artigo espera-se contribuir para reflexões que vem sendo feitas no sentido de melhorar a situação real das apenadas relacionada ao acesso ao trabalho, preocupados com os graves problemas da realidade prisional, decorrentes da desigualdade social, política e econômica vigente sem nosso país.
1 LIAME ENTRE CONSTITUIÇÃO E PROCESSO
O direito processual como um todo, tem seus limites traçados e definidos pelo Direito Constitucional. Este institui quais órgãos jurisdicionais garantirão a distribuição da Justiça e a efetividade do direito objetivo.
Todo direito processual, como ramo do direito público, tem suas linhas fundamentais traçadas pelo direito constitucional, que fixa a estrutura dos órgãos jurisdicionais, que garante a distribuição da justiça e da efetividade do direito objetivo, que estabelece alguns princípios processuais; e o direito processual penal chega a ser apontado como direito constitucional aplicado ás relações entre autoridade e liberdade.[2]
A condensação metodológica e sistemática dos princípios constitucionais do processo é designada de direito processual constitucional, ou seja, examina-se o processo e suas relações com a Constituição. O direito processual abrange tanto a tutela constitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária e do processo, como também, a jurisdição constitucional.
A jurisdição constitucional abarca o controle judiciário da constitucionalidade das leis, dos atos da Administração e o uso de remédios constitucionais-processuais (jurisdição constitucional das liberdades).
A tutela constitucional do processo apresenta-se em uma dupla configuração: o direito ao acesso à justiça e o direito ao processo (garantias do devido processo legal). Tema este, que será tratado a seguir.
1.1 TUTELA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO
Ao analisar a atual Constituição brasileira, percebemos a presença de diversos dispositivos que caracterizam a tutela constitucional da ação e do processo.
A própria Constituição incumbe-se de configurar o direito processual não mais como mero conjunto de regras acessórias de aplicação de direito material, mas, cientificamente, como instrumento público de realização da justiça. Reconhecendo a relevância da ciência processual, unicamente conceituado (art.22, inc. I); quanto a “procedimentos em matéria processual”, dá competência concorrência à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 24, inc. XI).[3]
1.1.1 AS GARANTIAS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
As garantias do devido processo legal são entendidas como um conjunto de garantias constitucionais que asseguram aos indivíduos a prática de seus direitos e poderes constitucionais. As garantias não servem apenas aos interesses das partes conflitantes, configuram sobretudo a preservação do próprio processo, entendido como fator legitimante do exercício da jurisdição.
O princípio do devido processo legal encontra-se expressamente consagrado na Constituição Federal, insculpido no artigo 5º, inciso LIV, com a seguinte redação. “Art. 5º, inc. LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
4 LEI DE EXECUÇÕES PENAL
O preso, antes de tudo, também é um ser humano detentor por si só de direitos inerentes a sua essência. Não é por ter cometido um crime ou delito que ele deixou de ser sujeito de direitos. Assim, imbuída desse espírito humanístico, nasceu em 1984 a Lei de Execuções Penais que vem disciplinar o cumprimento da pena previamente estabelecida em sentença ou decisão judicial.
A Lei de Execuções Penais tem uma grande amplitude, pois ela não protege somente o direito do detento, mas a própria integridade do ser humano com o fim principal de reinseri-lo na sociedade e para combater a criminalidade de forma humana adequada.
A lei de execuções penais, em seu primeiro artigo esclarece que é a integração social do preso um dos seus principais objetivos. Não basta, só, a punição do preso para combater a criminalidade, pois, um dia este retornando e se não estiver devidamente ressocializado, poderá reincidir na criminalidade. A dignidade da pessoa humana, assim, é a chave mestra, devendo ser respeitada quando se executa uma penal.[4]
3 O TRABALHO EXERCIDO PELAS MULHRES QUE CUMPREM PENA NO CENTRO DE REEDUCAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL DE MULHERES APENADAS (CRISMA)
Como o trabalho é um direito fundamental previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XIII, em que se lê “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” considera-se de fundamental importância o estudo de um tema que visa discutir os direitos dos presos, neste caso, presas, relacionando o dispositivo constitucional como o disposto na Lei de Execuções Penais, lei 7.210/84, em seu artigo 40 inciso II, que trata dos direito dos presos, especificamente do trabalho e de sua remuneração.
O trabalho do preso é considerado de fundamental importância no processo de ressocialização. Conforme dispõe o artigo 31 da Lei de Execução Penal que cita: “o condenado a pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade”. Já o preso provisório, vale dizer, aquele ainda sem condenação definitiva (recolhido em razão de prisão em flagrante, prisão temporária, por decretação de prisão preventiva, pronúncia ou sentença condenatória recorrível), não está obrigado ao trabalho.
Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado. A jornada normal de trabalho não será inferior a seis nem superior a 8 oito horas, com descanso nos domingos e feriados. (art. 32 LEP)
O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: à indenização dos danos causados pelo crime (desde que determinada judicialmente); à assistência da família do preso; às pequenas despesas sociais; ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação acima prevista. A quantia restante será depositada para a constituição do pecúlio, em caderneta de poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.
O trabalho do preso, conforme artigo 28, parágrafo 2º da Lei de Execução Penal, não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho. No entanto, estabelecem as Regras Mínimas da ONU a necessidade de providências para indenizar os presos pelo acidente do trabalho ou em enfermidades profissionais em condições similares àquelas que a lei dispõe para o trabalhador livre (74.2). Nossa legislação protege essa orientação ao incluir, entre os direitos do preso, os da "Previdência Social" (arts. 39 do CP e 41, III, da LEP).
O Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão – CRISMA- é um presídio feminino do Estado localizado na capital São Luis, no bairro do Olho D´água. Segundo a supervisora geral, o objetivo do CRISMA é “Repassar às mulheres apenadas a releitura de si mesmo através de atitudes que valorizam o homem conforme a visão cristã, como também aproveitar as oficinas artesanais para despertar e revelar talentos e ocupar o tempo em que estão reclusas, tanto as provisórias como as sentenciadas”.
Essa é a primeira unidade prisional inteiramente dedicada à custódia de mulheres apenadas do Estado, tendo capacidade para 80 internas, atualmente possui 69 apenadas, sendo que deste total, 29 cumprem pena em regime fechado, 22 em regime semi-aberto e 18 em regime provisório.
De acordo com informações colhidas, as três principais causas de condenação das presas são respectivamente: tráfico de drogas (ART.33 da lei 11.343), homicídio (ART. 121 Do Código Penal) e formação de quadrilha (caput da lei 10826/03). A média de escolaridade das apenadas é de ensino médio incompleto, a maioria possuía domicilio na própria Capital São Luis (80%) e resto no interior do Estado.
3.1 METODOLOGIA
O Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão foi campo de pesquisa, utilizando-se como instrumentos questionários e entrevistas. Foram aplicadas questionários com 32 presas que cumprem pena em regime fechado, e foi realizado ao todo duas entrevistas: uma com a supervisora geral do CRISMA e a outra como assistente social.
A pesquisa procurou conhecer as mulheres do CRISMA, buscamos subsídios para chegar ao perfil destas mulheres identificando características relacionadas ao trabalho exercido por elas durante a execução da pena. Às entrevistadas foram garantidos os sigilos de sua identidade, bem como a possibilidade de não aderirem à pesquisa, caso não quisessem, sendo que das 69 presas existentes no momento da pesquisa, 32 consentiram em participar.
3.2 DO QUESTIONÁRIO
O questionário realizado com as apenadas do CRISMA se deu da seguinte forma:
O primeiro questionamento foi se as apenadas exercem atividade profissional no presídio, das 32 detentas 85% responderam que sim, e os 15% que responderam que não e justificaram que é devido ao pouco tempo de chegada no CRISMA. Questionadas sobre quais atividades profissionais elas exercem no CRISMA, 30% trabalham na malharia, 33% na limpeza,19% artesanato, 15% cozinha e 3% serviços gerais e outras atividades.
Questionadas se acreditam se a atividade exercida no CRISMA ajudará em seu processo de ressocialização, 75% responderam que acreditam, 25% responderam que não. Em relação a remuneração recebida pelo trabalho realizado durante a execução da pena, 78% responderam que recebem remuneração pelo trabalho desempenhado e 22% responderam que trabalham para receber remição da pena.
Em relação a assistência jurídica recebida no CRISMA, 41% responderam que não, 35% responderam que sim, porém, somente através multirões e 21% possuem advogado particular. Questionada sobre a assistência material (alimentação, vestuário e instalações higiênicas) prestada pelo CRISMA, 91% respondeu que recebem, porém somente a alimentação e instalações higiênica, e 8% responderam que recebem mas de forma precária. Quanto a assistência a saúde 94% responderam que há uma prestação médica, realizada em hospitais públicos da capital, como acesso muito difícil, pois dependem de veículo Estadual, pois este não existe no CRISMA.
Quanto a assistência educacional, 65% disseram não receber assistência, pois já possui alguma escolaridade, as 35% que receberam algum tipo de assistência educacional não tinham nenhuma escolaridade. Enfatiza-se que essa assistência educacional que as apenadas afirmam ter recebido foi dado por um professor voluntario durante três meses, pois o CRISMA não oferece tal assistência.
A nona e ultima questão foi sobre se as apenadas recebem assistência social, 94% responderam que sim, e somente 6% que não. Entretanto a assistência social a qual as apenadas se referem se deve ao fato de haver uma assistente social que trabalha no CRISMA.
3.3 DAS ENTREVISTAS
A pesquisa sobre o CRISMA também valeu-se de uma entrevista, tendo sido realizada com a Supervisora Geral do Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão. (CRISMA).
Inicialmente, ao ser questionada se o trabalho das presas é um direito ou um dever, foi respondido que “é um direito previsto em lei, porém, sabe-se que na prática dá-se de forma desordenada, sem qualquer organização”[5].
Quando questionada sobre se o trabalho exercido pelas presidiárias é remunerado, foi respondido que somente algumas recebem pelo trabalho realizado.[6]
O terceiro questionamento foi: o que a presa poderá fazer com a remuneração proveniente de seu trabalho e se a mesma poderá dispor livremente sobre ele? A resposta foi afirmativa e que na maioria das vezes é enviado para o sustento da família. [7]
O quarto questionamento foi em relação a quais atividades são realizadas pelas apenadas do CRISMA e as respostas foram que as atividades atualmente são: de corte e costura, artesanato, limpeza e conservação e culinária. [8]
Outra pergunta foi referente a quais órgãos ou empresas as apenadas trabalham, foi respondido que algumas trabalham na secretaria de segurança publica, salões de beleza (como autônomas) e padarias.[9]
O sexto e ultimo questionamento foi sobre a importância que o trabalho que as mulheres desempenham tem para a ressocialização e reinserção no mercado de trabalho após o cumprimento da pena, a resposta foi que “o trabalho é de fundamental importância no período de cumprimento da pena para a capacitação dessas mulheres para o mercado de trabalho, porém, observa-se que no CRISMA não ocorre da forma como deveria”.[10]
Por fim, o sexto questionamento, sobre a importância que o trabalho que as mulheres desempenham tem para a ressocialização e reinserção no mercado de trabalho após o cumprimento da pena, a resposta foi que “o trabalho é de fundamental importância no período de cumprimento da pena para a capacitação dessas mulheres para o mercado de trabalho, porém, observa-se que no CRISMA não ocorre da forma como deveria”.[11]
4 CONCLUSÃO
Com base na pesquisa realizada no CRISMA junto as 32 apenadas, o resultado da mesma apresenta um retrato da realidade prisional das mulheres apenadas no Maranhão, enfatizando especialmente a questão do acesso ao trabalho dentro casa prisional.
Observamos que apesar do trabalho ser um direito constitucional e uma faculdade das presidiárias, o que na prática tal direito não é respeitado. As disposições da lei sobre o trabalho penitenciário constituem uma bela e generosa carta de intenção que não está, e dificilmente estará algum dia, de acordo com a realidade.
Constata-se então que na realidade as presas estão exercendo com seu dever ao cumprir sua pena, porém, a sociedade representada pelo Estado, não oferece as mínimas condições necessárias no tange ao trabalho, assistência jurídica, material, à saudade e social.
Uma das saídas para a volta do convívio das apenadas com a sociedade se dá através do incentivo ao estudo e a prática de se aprender um ofício. Mesmo com os problemas existentes, ainda assim, é incontestável que o trabalho prisional é fator de extrema importância para uma efetiva ressocialização, além de colaborar para o desenvolvimento de um sistema prisional mais humanizador.
REFERÊNCIAS
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVES, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2010.
MIRABETE, Julio Fabrini. Execução Penal. 11° edição. São Paulo: Editora Atlas.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 3° volume. São Paulo: Saraiva 2006.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
[1] Aluna do 3º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB, turma 2009.1. E-mail: daystrela@hotmail.com
[2] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVES, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.84
[3] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVES, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 86.
[4] MIRABETE, Julio Fabrini. Execução Penal. 11° edição. São Paulo: Editora Atlas, p. 249
[5] OLIVEIRA, Joseane. Supervisora Geral do Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão. São Luís, 2010. Entrevista concedida a Regina Célia Borba Lima de Sousa e Dayanne Estrêla da Costa Leite.
[6] Idem
[7] Idem
[8]Idem
[9]Idem
[10] Idem
[11]Idem.