Gambiarra, orgulho a Brasileira

Por Jerry Fernandes de Souza | 08/06/2017 | Política

Jerry Fernandes de Souza

Enquanto organizava minha biblioteca tendo por companhia a televisão, chamou-me atenção uma matéria que falava de temas olímpicos. Curiosamente e porque não dizer oportunamente ao momento caótico a que vive esse país, atentei-me para a perfeita correlação do tema de 2016 para como nosso país: Gambiarra. Não tardara soar a correlação do como vivemos um país, cujo entendimento de “solução” parece ainda se inspirar na colonizadora máxima de que “em si plantando, tudo dá”; assim, deu-se o cultivo do “jeitinho à brasileira”, onde se segue uma construção de ordem teleológica conjurando o agir de qualquer jeito como um orgulho a ser exaltado mundialmente. Em suma: viver na corda bamba e sob a pecha de país gambiarrado é o que nos proporciona as superestruturas governamentais; seguimos o pressuposto condescendente de que brasileiro é assim: mesmo sob torrenciais calamidades provenientes das intempéries naturais ou como fruto do descaso de órgãos públicos, ainda assim nos orgulhamos de jargões que nos confere o primeiro lugar no pódio dos que nunca desistem e que somos uma “brava gente”. Sob essa óptica de que somos o povo que luta e que vence às custas de muitas superações, atento-me para a irrefletida postura que temos diante a substancialidade que envolve o ato de superar barreiras. Até protesto vira festa e roda de samba, isso quando não se desce o cacete, tiro, porrada e bomba.

Certa feita assistia a uma palestra sobre o avanço das telecomunicações, a convite de um amigo, quando subitamente o equipamento de projeção parou de funcionar. Felizmente o expositor demostrara ter alguma experiência para lidar com esse tipo de situação. Posteriormente o mesmo informara que tal experiência não poderia ser atribuída em sua totalidade à empiria ou a cursos técnicos somente, antes lhe pertencia o desejo por aprender, por conhecer o novo; uma das características que sempre cultivara era o interesse pelo funcionamento de coisas aparentemente simples. Disse que em sua infância, quando alguém comparecia a sua casa para reparos, em redes elétricas, hidráulicas, ou até mesmo uma troca de chuveiro, não se fazia rogado de orgulho: aproveitava a oportunidade que a vida lhe dava para aprender. Assim, crescera mantendo sua postura de curioso, mas quando lhe era dado chance, transcendia a simples curiosidade para aprimora-se em saber teórico e prático, pois não desejava viver como um “Kid Gambiarras”. De volta ao equipamento que havia parado, segundo o expositor, intuitivamente julgava saber de que se tratava, mas como não dispunha de ferramenta apropriada, uma pequena improvisação resolveria, temporariamente; uma pequena colher serviu para que se movesse o parafuso que prendia a tampa, e como previsto por ele, a pane se dava devido ao rompimento de uma minúscula correia que permitia o movimentar da ventoinha que refrigerava a lâmpada; mais uma vez nada que um pequeno elástico, desses que caixas usam pra prender notas; ou seja, mais uma temporária solução, pois não era o ideal e problemas futuros viriam com certeza.

No caminho de volta pra casa, meu amigo que há cinco anos residia e trabalhava em uma empresa de engenharia em telecomunicações em um outro país, destacou que aquela atitude é muito peculiar no povo brasileiro. Dizia ele, que por mais de uma vez participara em seu trabalho de situações semelhantes, onde eventos como o que acabávamos de assisti, contaria como equipamento reserva ou se remarcaria uma nova dada para à apresentação; quando no muito se teria um profissional competente para um reparo imediato. Em resumo, o que ele disse é que essa capacidade de improvisar soluções é muito peculiar do povo brasileiro bem como de países subdesenvolvidos, cuja necessidade lhes obriga a contar, literalmente com a criatividade para se desenvolver gambiarras.

Por essa e outras ideias conhecidas como o “jeitinho brasileiro”, é que se propagou a falaciosa ideia de que não desistimos e que estamos sempre prontos à superação, acobertando nossa submissão às multifacetadas formas linguísticas de encobrir o real significado dos muitos adjetivos, os quais ressaltam nosso valor em “superar” barreiras; bem na verdade a questão a ser levantada é o porquê certas barreiras como a falta de saúde, de educação de qualidade, como tantas outras, ainda continuam existindo? E a quem se deve responsabilizar por elas ainda permanecem? Falta-nos a compreensão de que a grande maioria de máximas que supostamente enaltecem nossa superação funciona em verdade como condicionantes de nossa posição cômoda por não exigirmos que muitas dessas barreiras, não mais existam; pois a dignidade em ser “brava gente”, deveria ser quando já não mais houver tanta disparidade de classes. Afinal, não há tanta glória em superar barreiras deixando-as para outros que virão depois.

George Orwell, em seu livro 1984, descreve um regime totalitário que nada difere desse sistema neoliberal, cujas evidências vêm se revelando nos últimos dias; no regime mencionado por Orwell, a arma que mais se destaca é o discurso hipócrita e subsidiado pela Novilíngua; uma estrutural gramatical que se caracteriza por palavras esvaziadas de seu verdadeiro significado promovendo um pensar cada vez mais redutível aos sentidos intencionalmente atribuídos à ideia de que a solução está na força de vontade desse ou daquele indivíduo que supera barreiras.

Uma cultura de gambiarras

Há décadas que a cultura de massa vem sendo formada. Sobrepujada por uma indústria cultural que fomenta todo tipo de prazeres, pois a ordem dada é a de que “você merece”! Assim toda e qualquer arte assume sob essa nova ordem o comprometimento de estampar em suas marcas a ideia de que seus compromissos não passão de entertainment; musicas que não se diferenciam em nada e sem conteúdo algum preenchem todos os meios de comunicações; obras literárias sem nenhum entrelaçamento com as questões relevantes à vida direcionam principalmente os jovens a mundos fantasiosos sem nenhuma conectividade com a realidade que os cercam; em pouquíssimo tempo as grandes telas reproduzem essa mesma literatura em uma redutibilidade artística ainda mais efêmera no tocante a qualidade representativa. A persona, responsável por trazer vida a personagens, não mais existe na cinematografia moderna; a realidade deve ser “una com a arte” a se manifestar nas grandes telas; telas que devido aos apelos do sujeito egocêntrico o qual é perfeitamente apreendido pelo mercado socioeconômico capitalista; já domesticada pelo imensurável aparato midiático, institui-se a sociedade de iguais em linguagem e comportamentos; funda-se o totalitarismo da conformidade tolerante!

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