Fundamentos econômicos reforçam a estabilidade

Por Agência Goodae | 11/11/2009 | Economia

Jornal do Comércio
18 de julho de 2005

Juros com perspectiva de queda, câmbio e inflação controlados, balança comercial positiva e metas de superávit primário cumpridas. As boas notícias indicam que a economia brasileira navega em águas tranqüilas, em meio à turbulência política de Brasília. Tanto que o comandante da nau, o ministro Antônio Palocci, arrumou as malas quinta-feira em foi descançar em Buenos Aires. Até então, os fundamentos da economia brasileira parecem descolados das denúncias do deputado federal Roberto Jefferson sobre o mensalão e das investigações sobre as relações perigosas entre o governo e o publicitário Marcos Valério de Souza. O mercado e os investidores que apostam no Brasil como potência emergente agradecem.
Nos últimos 12 meses, até junho, o saldo comercial do País (a diferença entre as exportações e as importações) somou US$ 38 bilhões, as vendas US$ 106 bilhões. A dívida externa hoje equivale somente a 27% do total exportado e representa 51% do Produto Interno Bruto (PIB). “Houve um avanço externo importante e a vulnerabilidade está menor. O importante é manter o compromisso com o superávit primário e garantir a queda da dívida sobre o PIB”, resume o sócio-diretor da RiskOffice Consultoria* e professor da USP, Carlos Antônio Rocca.
Os ventos estão tão favoráveis que o governo brasileiro decidiu fazer o pagamento antecipado de US$ 5,1 bilhões do total de US$ 20 bilhões. A iniciativa de quitar a parte mais cara da dívida rendeu elogios do Fundo Monetário Internacional (FMI). A visão é de que o pagamento antecipado reforça a blindagem do Brasil diante à pior crise do governo Lula.
Por conta disso, o mercado financeiro segue sem histeria com as denúncias políticas, amparado na certeza da continuidade das medidas econômicas adotadas por Palocci. “O ministro não pode cair, porque personifica a responsabilidade fiscal”, ressalta o sócio-diretor da Rosenberg Associados, Dirceu Bezerra Júnior. Já a inflação continua controlada com rédea curta, e deve encerrar este ano ao redor de 6%.
“O mercado não incorporou a crise política porque esta não levou a mudanças econômicas. A situação hoje é muito diferente de quando ocorreu o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello”, diz o professor do departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Eduardo Soares Gonçalves. Sua avaliação leva em conta também que a própria oposição não tem interesse que o presidente Lula seja destituído de seu cargo ao contrário do que ocorreu em setembro de 1992, quando o Congresso decidiu pela deposição legal de Collor. “Os partidos querem é vencer Lula nas próximas eleições”.
Para o gerente de Conteúdo da GRC Visão Consultoria Econômica, Jason Freitas Vieira, o mercado financeiro amadureceu suas avaliações apesar de todo este cenário turbulento. Desde a mudança cambial em 1999, os fundamentos econômicos vêm se fortalecendo a cada ano, criando uma separação visível entre as variáveis políticas e econômicas, internas e externas. Os investidores começaram a observar antes de reagir, antes as decisões eram mais passionais”, explica.
Para Vieira, também conta o fato do pagamento do mensalão não ser uma grande surpresa. “É algo que as pessoas já imaginavam que acontecia no Congresso. O fato do presidente Lula ainda ser poupado pela imprensa e pela população colabora para que a crise não se alastre de maneira endêmica na economia.”
O consultor da GRC acredita que a imagem de Lula ainda é forte. “Concentra a simpatia de uma grande parcela da população e nutre a possibilidade de uma reeleição, mas foi maculada pelas denúncias de corrupção”, avaliou. “Um segundo mandato talvez não conte com maioria no Congresso Nacional e nem com as peças-chave do PT, o que seria um risco à governabilidade”, alerta. Neste cenário, Lula poderia desistir do processo de reeleição e concentrar este governo em uma limpeza ética nas esferas políticas e reformas que tragam visíveis benefícios à população, saindo assim como um nome importante na política e história brasileira.

Popularidade do presidente segue sem abalos

Um dos pontos favoráveis para a reação dos mercados é que a popularidade do presidente Lula não foi afetada. A pesquisa CNT/Sensus realizada com 2 mil pessoas entre os dias 5 e 7 de julho mostra que a avaliação positiva do governo subiu de 39,8% em maio para 40,3% em junho.
O desempenho pessoal de Lula também subiu de 57,4% para 59,9%. Apesar de 67% dos entrevistados acreditarem que as denúncias do deputado Roberto Jefferson são verdadeiras, a maioria defende que as reações são adequadas. Cerca de 65% das pessoas acreditam que essa é uma prática antiga, já utilizada em outros governos.
Com esse cenário favorável, Lula ainda possui uma popularidade significativamente melhor que do ex-presidente FHC em mesmo período de mandato, e seria reeleito em 2006 em todos os cenários traçados pela CNT/Sensus, com uma larga vantagem. A hipótese de uma ofensiva maior dos deputados, por conta da sua imagem ter sido preservada é pouco provável. A razão para tal é que a oposição na verdade teme um descontrole político maior e até mesmo a renúncia de Lula, cujo afastamento poderia causar um direcionamento de políticas inadequado.
“O melhor cenário para a oposição seria o presidente abandonar a idéia de se candidatar, o que é ainda pouco provável. Também é baixa a probabilidade de ir adiante um projeto de lei voltado para retirar a cláusula de reeleição”, explica o relatório do banco ABN Amro. Portanto, para a oposição, que se identifica e apoia as atuais políticas de estabilização do ministro Palocci e do núcleo duro do governo, o melhor cenário não é o da renúncia nem o do impeachment do presidente e sim o de apuração das denúncias. (AB e LM)

Mercado reage de forma independente

O mercado financeiro tem reagido de forma independente às denúncias. O risco-País pouco variou e o Ibovespa não registrou forte queda. Já o dólar e as taxas futuras de juros mais negociadas permanecem em tendência de queda. Os C-Bonds não chegaram a recuar para abaixo dos 100% do valor de face. No dia 13 de julho, o C-Bond valia 102,37%, patamar acima do registrado antes da crise. O papel foi lançado em 1994, negociado a 40%. O risco-País, que mede a confiança dos investidores estrangeiros no Brasil, pouco variou. O índice chegou aos 443 pontos em meio às denúncias do deputado Roberto Jefferson, em 9 de junho. Hoje está perto dos 400 pontos, abaixo do nível registrado no início de junho.
O ativo que mais sentiu foi a renda variável. O Ibovespa, antes da crise encontrava-se aos 26.640 pontos, chegou a cair para os 24.480 pontos em 9 de junho e está próximo aos 26 mil pontos. A perspectiva é de uma retomada do crescimento econômico, que não necessariamente se refletirá no mercado de renda variável e fixa.
A expectativa do ABN é de que o mercado deva adotar uma postura mais favorável em relação à crise política. Para julho, a volatilidade deverá continuar alta, principalmente se a crise política se agravar e o preço de petróleo voltar a ser pressionado. O contraponto ao cenário doméstico conturbado é o cenário externo benigno, que favorece o fluxo de capitais para mercados emergentes.
O dólar está de lado e deve permanecer abaixo dos R$ 2,40 ou em queda. (AB e LM)

Economista critica juros altos

Quem viveu a maior parte das crises políticas e econômicas do Brasil ainda está incrédulo com a teoria dos “bons fundamentos”. O professor da Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo defende que a confiança dos estrangeiros está baseada na alta taxa de juros praticada no País. “Esta história de fundamentos é cascata. O investidor está preocupado é com os ganhos derivados dos juros reais de 14,5% ao ano”, afirma.
A tese é de que, se os fundamentos econômicos estivesse tão bons assim, os juros estariam bem menores. Na Argentina, por exemplo, a taxa nominal de curto prazo é de 6,8%, enquanto a inflação está a 9%. Isso significa que os juros reais de curto prazo é negativa. Na Turquia, a remuneração nominal é de 16,54% e os juros reais ficam a 7%, metade da taxa praticada no Brasil.
O grande teste para que a teoria da solidez econômica brasileira seja comprovada é a redução da Selic. O aumento do superávit primário não convence. “A idéia de que um superávit elevado convencerá o investidor de que a situação fiscal é melhor, é coisa de outro planeta. Os investidores ficarão enquanto o País oferecer arbitragem”, afirma. (AB e LM)

Crescimento do País a longo prazo corre risco

Apesar do cenário econômico a favor do presidente Lula a crise política tem efeitos na economia. “Eles são moderados no dia-a-dia do mercado financeiro. O grande problema são as conseqüências a longo prazo no entrave da votações das reformas no Congresso Nacional”, diz o sócio-diretor da Tendências Consultoria, Roberto Padovani. Conforme Padovani, as reformas, como a tributária e a judiciária, são vitais para o crescimento porque significam os novos avanços institucionais para o País.
Numa avaliação a curto prazo, o sócio-diretor da Rosenberg Associados, Dirceu Bezerra Júnior, explica que a crise política tende a causar a queda da propensão ao consumo daqui a alguns meses. “A perspectiva é de postergação dos investimentos”, afirma.
A projeção da consultoria é também de que o PIB será no máximo de 3% esse ano. Ao mesmo tempo, a capacidade de endividamento do consumidor está chegando a exaustão. A inadimplência deve aumentar com redução da oferta de crédito. “O quadro político pressupõe estragos piores no consumo do investimento”, complementa. (AB e LM)

*Um dos sócios de Carlos Antonio Rocca na RiskOffice é Marcelo Rabbat, consultor de investimentos especializado em risco de crédito e risco de mercado. Rabbat também dirige a PR&A Consultoria, juntamente com Sérgio Malacrida.