FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS QUE LIMITAM O PODER DE PUNIR DO ESTADO ATRAVÉS DO PROCESSO PENAL

Por Amanda de Souza Silva | 07/06/2017 | Direito

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS QUE LIMITAM O PODER DE PUNIR DO ESTADO ATRAVÉS DO PROCESSO PENAL

 

Autores[1]:

Amanda de Souza Silva

João Bethôven Vieira

Kathlen Ohara Fernandes

Larissa Granjeiro Vasconcelos

 

RESUMO

O processo penal sendo instrumento de jurisdicionalização do direito material penal tem por finalidade exercer o jus puniendi (poder de punir) do Estado. Dessa forma o processo penal deve basear-se em fundamentos constitucionais que garantam direitos dos indivíduos e ao mesmo tempo reprime as suas liberdades quando uma norma penal é descumprida. O artigo trata de maneira objetiva sobre como a constituição limita esse poder de punir do Estado, apresentando e analisando a influência da constituição no processo penal. De início aborda a relação entre o estado e o processo penal, posteriormente a sua relação com a constituição federal, abordando os princípios aplicados ao processo penal e as garantias constitucionais, para for fim questionar o confronto entre o direito a liberdade e o direito de punir do Estado. Com intuito de fazer uma breve exposição do estudo e atingir o objetivo discutido foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental de cunho qualitativo, baseada na análise e interpretação de livro e artigos.

Palavras-chave: Estado; Processo penal; Constituição.

 

  1. INTRODUÇÃO

Através do processo penal, o Estado exerce o seu direito/dever de punir (jus puniendi) as condutas que contrariam o direito e interferem na vida em sociedade. Em razão disso, o direito processual penal, enquanto conjunto de normas e princípios, jurisdicionaliza o direito penal e passa então a ser o instrumento de efetivação do poder punitivo do Estado, no entanto, o Estado deve agir também como garantidor dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente. Partindo deste prisma, objetivamos analisar os fundamentos e implicações do processo penal brasileiro no que diz respeito limitações impostas pela constituição ao poder de punir do Estado.

A fim de que tratemos a temática objeto deste artigo com maior competência, é oportuno citar Machado, quanto à problemática ora abordada, segundo o qual “o processo penal é um campo do direito e da ciência jurídica tão permeada por valores e por questões políticas que acaba se constituindo numa ceara especialmente polêmica” (MACHADO. 2009, p.1). Proposição esta de notória coerência e validade, devido ao fato de tal instrumento servir como meio de supressão da liberdade do indivíduo, embora ao mesmo tempo haja como forma de controle social, garantindo a liberdade, bem como a eficácia dos direitos básicos.

Tendo em vista tal premissa como verdadeira, pode-se conjecturar que o processo penal se baseia em dois polos antagônicos: 01. De um lado, o direito à liberdade (jus libertatis); 02. Do outro, o direito de punir do Estado (jus puniendi). Assim, é partindo-se dessa premissa que será desenvolvido o presente trabalho, tendo como alicerce teórico os fundamentos que limitam/regulam o poder de punir do Estado, e garantem também a efetividade dos direitos previstos na nossa constituição.

Analisaremos também como os valores sociais e questões políticas influenciam diretamente na aplicação de sanções. Dessa maneira exploraremos sobre a relação do Estado com o processo penal; a importância dos direitos humanos; fases processuais, assim como tecermos considerações sobre o processo de aplicação de penas e medidas de segurança no processo penal brasileiro, na sua fase de execução, sempre à luz de princípios e fundamentos constitucionais, no que diz respeito às garantias processuais dos indivíduos.

Ademais, de posse do exposto, entenderemos que “o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do poder judiciário está no reconhecimento da função de garantir direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição” (JÚNIOR. 2015, p.57). Portanto, o artigo será desenvolvido em conformidade com esta linha de pensamento, abordando-se de forma simples e objetiva as principais formas de punição no processo penal nacional, assim como os fundamentos constitucionais que limitam o jus puniendi e garantem o jus libertatis, objetivando ponderar sobre os dois lados do nosso objeto de estudo.

 

  1. RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E O PROCESSO PENAL

O Estado é “toda associação ou grupo de pessoas fixado sobre determinado território, dotado de poder soberano” (FRIEDE, 2006, p.35).  Para compreender a  sua relação com o processo penal é necessário observar que “os papéis e os objetivos da Jurisdição estão diretamente vinculados aos fins e objetivos propostos pelo Estado, os quais variam conforme se trate de Estado Liberal, Social ou Democrático de Direito (MACHADO. 2009, p.39).  Por processo penal entende-se como conjunto de normas que são criadas para regular o exercício jurisdicional do direito material penal. Essa  jurisdição é feita através do Estado.

O Estado é criado através de uma Constituição, conjunto de normas que regem o governo. Nela estão descritos todos os procedimentos para o correto funcionamento do Estado.  “O tipo de Estado, regularmente prefigurado nas Constituições, define o modo de atuação e os escopos do poder jurisdicional, ao mesmo tempo em que a jurisdição própria de cada um dos tipos de Estado define também o papel deste” (MACHADO. 2009, p.39).

O Estado liberal tem como ideal a não intervenção do Estado na economia, garantia de igualdade formal e também foi adotada a Teoria da Divisão dos Poderes, teoria esta elaborada por Montesquieu. Tem ainda a Constituição como suprema, ou seja, norma limitadora do poder do governo, bem como garantidora de direitos fundamentais.            

O liberalismo é uma ideologia que tem como finalidade defender a liberdade nos campos econômico, religioso, social, político etc., teve grande ascensão durante a época do iluminismo, na Europa. É nesse modelo de Estado que na esfera penal surge questionamentos a respeito de supressão da liberdade individual, o Estado atua como garantidor da liberdade e ao mesmo tempo por meio de um processo penal instituído legalmente, assume o poder de punir. Esse poder é determinado pela lei.

Seguindo a linha de pensamento, convém citar MACHADO (2009, p.43.):

O Estado liberal burguês, enquanto Estado de direito também chamado Estado liberal legal, assenta-se no princípio da legalidade, na limitação dos poderes estatais  na defesa da liberdade e de todos os direitos fundamentais do indivíduo. Portanto, se caracteriza pelo formalismo normativista, pela intervenção mínima na esfera individual e pela proclamação e garantias dos direitos individuais, sobre tudo o direito a liberdade.

O Estado liberal ou legal é o modelo que deu início a ascensão do capitalismo. Após a revolução industrial o consumo passou a ser constante no meio social. Tendo em vista a não atuação do Estado diretamente na vida dos indivíduos, passou-se então a aumentar a pobreza e miséria, consequentemente o crime também.           

Com a falha no sistema de Estado Liberal e o grande aumento da pobreza devido à falta de intervenção do Estado surgiu a necessidade da criação de outro modelo de Estado para garantir de um mínimo existencial ao ser humano, “a partir daí, a sobrevivência do capitalismo passou a depender de um modelo de Estado que pudesse dar respostas adequadas aos problemas sociais” (MACHADO, 2009, p.43), o Estado do bem-estar social, ou seja, Estado passa a intervir na sociedade, almejado melhorar as condições de vida dos indivíduos.

Com o passar do tempo, surge a necessidade de corrigir falhas do Estado social. Nesse contexto apresenta-se um novo modelo de Estado, o chamado Estado democrático de direito, modelo adotado no Brasil nos dias atuais.  Esse modelo é como se fosse uma junção de alguns detalhes dos anteriores, podemos afirmar que seja uma evolução. O que foi útil do liberal e no social é devidamente aplicado no democrático.

Vejamos que o Estado democrático de direito é baseado também na legalidade, tal como o liberal; busca também fins sociais baseados na legislação sendo semelhante ao social. Tem o objetivo de criar e efetivar participação política, baseado na democracia; em suma, busca atuar tanto no campo político como no social, cultural e econômico, tendo como base o pluralismo.

Tratando-se de matéria penal, é relevante citar os ensinamentos de Antônio Alberto MACHADO (2009, p.45):

O Estado democrático de Direito deve garantir a radicalização da instrumentalidade do processo, como meio de efetivação das liberdades públicas fundamentais, de afirmação dos valores constitucionais da liberdade e da igualdade, bem como a operacionalização de um processo que venha a promovera consolidação da cidadania, funcionando como mecanismo de efetiva participação do cidadão na vida da polis.

Partindo de tais premissas, vê-se que o Estado dotado de poder soberano, deve manter a paz social estabelecendo direitos e deveres aos indivíduos, ou seja, qualquer conduta contrária ao Direito deve ser punida, mas ao mesmo tempo devem ser garantidos direitos fundamentais aos indivíduos. No Estado democrático de Direito, o direito material e processual penal não dever intervir e sim atuar como garantidor, ou seja, o Estado deverá está sempre a serviço dos indivíduos.

Desse modo, registra-se que o Estado tem o poder, dever e direito de punir condutas ilícitas praticadas no meio social.  O direito processual penal é um instrumento de jurisdicionalização do direito penal e é através dele que o Estado exerce o seu poder de punir. O que implica dizer que há uma íntima relação entre o Estado e o direito processual penal.

Para reforçar tais indagações, importa citar mais uma vez (MACHADO. 2009, p.39) no qual afirma ser recomendável:

O estudo concomitante do processo com o estudo acerca do Estado, estabelecendo-se aí uma necessária interdisciplinaridade entre a teoria processual, a ciência política e a própria teoria geral do Estado. Daí não será razoável o estudo do processo penal sem conhecimento do tipo, dos valores e dos objetivos do Estado, já que o poder deste último se manifesta também, e com especial ênfase, por meio da jurisdição criminal.

 

Tendo posse das afirmativas anteriores a respeito da relação entre o Estado e o processo penal, entendemos que o modelo de Estado é estabelecido por uma constituição, norma fundamental de todo o ordenamento jurídico. Para avaliar os fundamentos estabelecidos constitucionalmente para limitação do poder de punir, é necessário tecer uma análise também sobre o processo penal brasileiro e a constituição federal.  Tal assunto será abordado no próximo tópico.

 

  1. O PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL

A título de conhecimento, o Direito Penal já foi por muito tempo um instrumento de vingança, não existia uma ideia de direitos humanos nem de proporcionalidade na aplicação da pena. O indivíduo era punido de qualquer forma, o que havia era um ideal de justiça sem a base de uma análise do caso concreto. Portanto, não existia um juízo de razoabilidade na instrumentalização do Direito Penal.

Muito tempo depois foi que o Direito Penal passou a analisar os fatos no caso concreto com um olhar mais humanitário, de forma mais equilibrada, razoável e proporcional. Surgem então, na modernidade, alguns códigos penais que previam todo um procedimento para aplicação da sanção. Não se tinha mais uma aplicação feita de qualquer forma, para que houvesse a devida punição o Estado utilizava-se de um processo.

No Brasil não foi diferente, em 1941, surgiu o código de processo penal, a época em que foi promulgado foi marcada por uma enorme rigidez no sistema político um código baseado em ideias fascistas vindas da Itália. Desse modo, o nosso código de processo civil tem relevantes reflexos desse período em que o direito penal tinha por base a aplicação de uma sanção a qualquer custo.

Nesse período não se tinha uma discussão a respeito da proporcionalidade e razoabilidade no processo, pelo contrário, o que se tinha era uma busca constante da punição do réu. Presume-se que o direito processual penal tinha como principal característica a instrumentalidade para o direito material penal, ou seja, apesar de ter-se previsto em lei todo um procedimento para aplicação pena, o foco do Estado estava somente na condenação, os direitos do acusado não eram levados em consideração. Era nítida a ausência de uma preocupação com os direitos fundamentais, tal afirmativa fica clara ao fazermos uma análise do código de processo penal.

Essa forma de aplicação do direito penal violava vários direitos fundamentais e ignorava a dignidade da pessoa humana. Com a evolução constante da sociedade uma legislação extremamente antiga começou a entrar em conflito com a legislação atual, foi nesse contexto que em 1988, surgiu a nova Constituição do país. A Constituição de 1988 trouxe grandes novidades, pois reconheceu claramente o modelo de Estado Democrático de Direito, tal modelo tem como objetivo maior a implementação e tutela de direitos fundamentais nos casos concretos. Desse modo:

A forma como o direito é regulado representa o reflexo dos valores dominantes em determinado momento histórico. As alterações políticas no tempo e na diversidade de ideologias em uma mesma época ocasionam diferentes tratamentos aos institutos processuais na evolução histórica de vários países, e fazem com que não possam ser objeto de uma disciplina definitiva e uniforme (FENANDES, 2010, p.21).

 

Ademais, dentre as várias normas previstas na constituição é válido afirmar que o seu artigo 5º é considerado como um dos mais importantes para o Estado Democrático de Direito, pois revelou uma série de direitos fundamentais inerentes a cidadão. Tais direitos interferiram diretamente no âmbito processual penal.

Dessa forma, afirma FERNANDES (2010, p.19):

A história do processo penal é marcada por movimentos pendulares, ora prevalecendo ideias de segurança social, de eficiência repressiva, ora predominando pensamentos de proteção ao acusado, de afirmação e preservação das suas garantias. Essa diversidade de encaminhamentos são manifestações naturais da eterna busca de equilíbrio entre o ideal de segurança social e a imprescindibilidade de se resguardar o individuo em seus direitos fundamentais.

               

Nenhuma disciplina jurídica pode deixar de ser regida pela constituição, pois a mesma tem grande efeito em todos os ramos do direito. O exercício do processo penal deve se limitar ao Estado, enquanto detentor de poder. Ao fazermos uma abordagem a respeito do direito processual constitucional, é válido afirmar que as leis processuais são um complemento para as leis previstas constitucionalmente, pois o processo tem formalidades baseadas em garantias constitucionais.

A forma de realizar tais garantias não poderá, de maneira alguma, ser deixada a critério do juiz de direito ou das partes do processo, pois isso causaria uma devastadora insegurança jurídica, surpresas e desconfianças no percurso do processo. Para se evitar esses tipos de constrangimentos a justiça dever ter um guia e este guia é constituição federal, para garantir a dignidade da pessoa humana. As normas processuais são então interpretadas à luz de princípios e fundamentos constitucionais.

Portanto, surge um processo penal demasiadamente garantista para o cidadão, por ser um tipo de procedimento traçado e regido pela constituição, perfeitamente em acordo com o Estado Democrático de Direito. Em acordo com tal afirmativa, presume-se que entre a constituição e processo não há uma separação, devendo-se manter sempre um equilíbrio entre estas duas vertentes, para se obter uma maior segurança jurídica, controle social e exercício correto do poder de punir.  Desse modo:

Qualquer estudo que se queira fazer acerca dos mecanismos estatais de repressão deve levar em conta, sobretudo, a efetividade dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, expressos nas chamadas liberdades públicas, aplicáveis ao processo penal de um modo todo especial (MACHADO, 2009, p.2).

O processo penal deve preocupar-se em preservar as garantias fundamentais do indivíduo punido, no Estado Democrático de Direito isso deve ser o maior interesse da prestação jurisdicional. Portanto, o processo penal como instrumento de jurisdicionalização do direito material penal, é considerado também como instrumento de garantia de direitos do réu. Nesse sentido, faz-se mister citar André Ramos TAVARES (2006, p.230) no qual define o Processo Penal Constitucional como “ conjunto de regras e procedimentais fundamentadoras da prática do controle jurisdicional autônomo ou não da constitucionalidade do comportamento estatal”.

Os direitos fundamentais são direitos inerentes ao ser humano e são reconhecidos na constituição. É importante ter-se em mente que, devemos sempre relacionar a aplicação do direito material penal, através do processo penal, com esses direitos. A aplicação é feita em acordo com um devido processo legal, ou seja, o processo penal em linhas gerais deve ser traçado na constituição em acordo com o contraditório e a ampla defesa. Quando esses direitos do réu são violados, o processo atua como garantidor através de princípios constitucionais. A constituição em seu art. 5º, § 1º diz: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, ou seja, tem eficácia plena.

            Assim, tais direitos são classificados por dimensões ou gerações. A primeira dimensão trata sobre direitos de liberdade, seja ela de propriedade, econômica, de pensamento etc., e também dos direitos de igualdade. Na segunda dimensão são os direitos sociais, como citado anteriormente e outro tópico, esses direitos são garantidos com a intervenção do Estado na economia e na vida em sociedade, tem-se, por exemplo, o direito a educação, saúde, culturais e econômicos. Por último os direitos de terceira dimensão dizem respeito a direitos de solidariedade.

            Segundo MACHADO (2009, p.2) “esses direitos e garantias fundamentais configuram o limite e a contrapartida das práticas processuais repressivas como se fossem, por assim dizer, a outra face da persecução penal”. Ademais, a nossa Constituição Federal listou em seu art. 5º que trata sobre direitos e garantias fundamentais, alguns direitos que devem ser respeitados durante o curso do processo, como por exemplo a garantia do contraditório e ampla defesa, presunção de inocência, duplo grau de jurisdição, importância de um devido processo legal

De acordo com os fundamentos abordados anteriormente, não restam dúvidas que há uma legítima constitucionalização do processo penal.  É de extrema importância que tenhamos conhecimento a respeito dos principais princípios do Direito Processual Penal, previstos na Constituição Federal.

 

  1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

 A palavra princípio diz respeito ao começo de algo, é uma causa que vem antes. No direito os princípios são utilizados como um norte, conjunto de definições que regem a área jurídica. Desse modo, os princípios constitucionais são normas que determinam condutas dos indivíduos diante das leis já impostas, em vigência; sendo consideradas normas fundamentais, é a base de todo o sistema jurídico, o pilar para qualquer indivíduo. 

O processo penal deve ser regido por uma série de princípios, sendo esses princípios normas fundamentais do exercício processual do Estado, principalmente em um Estado Democrático de Direito. Quando se tem um regime altamente democrático é necessário que o processo penal se apresente como instrumento de garantia de paz social, direitos fundamentais, bem como zelador da liberdade individual.

A Constituição Federal apresenta princípios que constituem direitos e garantias para os indivíduos. Desse modo, diante de uma crise de valores no meio social e os índices crescentes de violência, os direitos e garantias fundamentais representam uma grande evolução para o sistema jurídico atual. Por isso não é possível uma análise desses princípios sem que seja levada em consideração a dignidade da pessoa humana como valor supremo. É a partir dos direitos fundamentais que surgem todos os outros direitos básicos inerentes ao homem, portanto é de fundamental importância a observância constante de tais direitos.

Assim, TUCCI (2004, p.211), conforme citado por FERNADES (2010, p.62), sustenta a necessidade de uma contrariedade efetiva e real em todo o desenrolar da persecução penal, na investigação inclusive, para melhor garantia da liberdade e melhor atuação da defesa.

O que seria do processo sem as garantias do juiz natural, da imparcialidade do juiz, da publicidade que evitam conchavos, do devido processo legal, entre importantes conquistas da civilização e do direito? Destarte, são os princípios do Direito Processual penal autênticos direitos fundamentais, que protegem a esfera que resulta em prerrogativas individuais, muitas vezes de fruição coletiva, com eficácia no âmbito das relações estatais ou entre particulares.

 

Desse modo, é necessário listar os principais princípios constitucionais aplicados ao processo penal, tais princípios servem como base e fundamento de limitação ao poder estatal de punir através do processo penal, são considerados norteadores.

 

  1. Princípio da Presunção de Inocência

O princípio da presunção de inocência é considerado como base do Direito no Brasil, pois é garantidor da liberdade dos indivíduos e está previsto na Constituição Federal em seu artigo 5°, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Tal princípio deve ser observado durante toda a aplicação do Direito Penal, sendo de fundamental importância que ao cogitar punir o indivíduo, o Estado leve em consideração o princípio da presunção da liberdade, pois como afirmado em normal constitucional ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença, ou seja, durante o curso do processo o réu é considerado inocente.

Duas regras fundamentais são derivadas deste princípio, a regra probatória e a regra de tratamento. A regra probatória diz respeito ao in dubio pro réu, ou seja, sempre que o juiz tiver dúvida na tomada de sua decisão deve levar em consideração o que for a prol do réu, tal atitude deve durar até o transito em julgado da sentença. Na regra de tratamento, entende-se que o indivíduo deve responder, em regra, a persecução penal em liberdade.

 

  1. Princípio do Contraditório e Ampla defesa

O contraditório é um ato bilateral de informação e participação no processo, são permitidas as partes a produção de provas para se defender. O Estado ao agir como repressor da liberdade do indivíduo, deve se posicionar também como garantidor de direitos, desta forma tem como imposição constitucional permitir que o réu se utilize de todos os meios legais de provas para defender-se. Tal princípio é de grande importância para o direito processual penal, pois oferece as partes o direito de oferecer reação contrária ao que é afirmado ao seu respeito, ou seja, direito de se defender.

O princípio em questão está previsto na CF/88, art. 5°, inciso LV que dispõe: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O contraditório divide-se em duas espécies, o contraditório para a prova, onde as partes atuam na formação de provas, sendo imprescindível a presença de um juiz; e o contraditório sobre a prova, nessa espécie a atuação das partes ocorre após a formação das provas, chamado também de contraditório diferido ou postergado.

 

  1. O Contraditório no inquérito policial

No inquérito processual é feita a investigação da existência de um crime, os agentes tem como responsabilidade descobrir e recolher provas, para chegar-se a conclusão a respeito de uma possível acusação por parte do MP. O ministério público dirige o inquérito policial, ordenando e dando direção aos órgãos policiais para que atuem sempre dentro da legalidade. Nesse sentido faz-se mister citar o conceito de inquérito policial apresentado por Renato Brasileiro de LIMA (2015, p.109):

Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, o inquérito policial consiste em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação de fontes de provas e a colheita de elementos de informação quanto a autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.

 

Tratando-se de garantias constitucionais nas fases processuais, é necessário analisar a respeito de como o princípio do contraditório incide no inquérito policial. Tem-se como afirmações de que na fase de inquérito policial não há violação de direitos fundamentais previstos constitucionalmente, não tendo relevante repercussão durante o exercício da persecução penal.

Mas é válido dizer que tais afirmações são equivocadas tendo em vista que alguns bens jurídicos do investigado podem ser violados ou restringidos como, por exemplo, o direito à liberdade, intimidade etc. Sendo assim, a coerência e eficácia do processo penal depender de uma fase de investigação bem estruturada, ou seja, em acordo com os direitos previsto na constituição.     

Ao serem discorridas tais informações a respeito do contraditório fica o questionamento da sua observância ou não durante a fase do inquérito policial. De acordo com o devido processo legal, o texto constitucional afirma que a deve ser observado em processo judicial ou administrativo. Para entendermos tais afirmações, vejamos o que diz o art.155, do Código de Processo Penal Brasileiro:

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.    

 

De acordo com o exposto anteriormente sobre as espécies de contraditório, chega-se a conclusão de que há contraditório durante o inquérito policial, o contraditório diferido ou postergado que acontece após a formação das provas, ou seja, a formação de provas ocorridas durante o inquérito.

 

  1. Ampla Defesa

A ampla defesa é o princípio que garante o contraditório é uma das manifestações mais fortes no que diz respeito às garantias constitucionais no processo penal. Diferente do contraditório que se manifesta para ambas as partes, a ampla defesa é manifestada apenas em relação ao réu. Funciona como direito em relação ao indivíduo e como garantia em relação ao processo e ao Estado. A ampla defesa é um fundamento constitucional de grande relevância para limitar o jus puniendi, divide-se em defesa técnica e autodefesa.

A defesa técnica é realizada pelo advogado, podendo ser o advogado constituído, contratado pelo réu; defensor público, oferecido pelo Estado; e o advogado dativo, para quem não contratou e também para quem não tem um defensor público para realizar a sua defesa. É direito do réu escolher o seu defensor, sendo a defesa indisponível e irrenunciável.  Desse modo dispõe o art. 261, do Código de Processo Penal: “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado e julgado sem defensor”.

A autodefesa é a defesa feita pelo próprio acusado, manifestando-se em direito de audiência, presença e direito de postular pessoalmente. Ademais, o réu sendo profissional da advocacia pode advogar em causa própria.

Portanto, a ampla defesa como fundamento constitucional de limitação ao poder punitivo do Estado é um dos princípios de maior importância, pois a partir deste princípio e do contraditório, o processo penal passa a ser não só um instrumento do direito material penal, mas como garantidor de direitos previstos constitucionalmente dando a oportunidade ao indivíduo de defender-se, perante o que lhe é imposto.

 

  1. Princípio da Publicidade

O princípio da publicidade é uma das características fundamentais do sistema processual penal, pois diminui o arbítrio por parte do Estado e regula o processo. Como requisito de segurança jurídica e democracia no Estado Democrático de Direito, todo processo deve ser público, com exceção os que tramitam em segredo de justiça.

Portanto, o princípio da publicidade ao limitar o poder de punir do Estado, foi estipulado como garantia de transparência dos atos do judiciário e imparcialidade dos juízes de Direito. Todo e qualquer cidadão tem o direito de acesso aos autos do processo, bem como acompanhar audiências etc., é considerado um verdadeiro meio de fiscalizar os trabalhos dos profissionais do direito. Embora seja a regra máxima, há exceções como citado anteriormente, quando o processo demanda segredo de justiça.

De acordo com art. 5º, XXIII e LX, da Constituição Federal:

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

 b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

 

            A publicidade divide-se em duas espécies, a publicidade ampla, plena ou popular; publicidade estrita ou interna. Na ampla, os atos processuais são praticados entre as partes e acessível a todo o público; na estrita, os atos são praticados somente perante as partes e seus procuradores, ou seja, quando há segredo de justiça. 

  1. Princípio da Busca da Verdade

O Estado através do processo penal deve conseguir provas dos delitos cometidos pelos indivíduos, porém com a finalidade de buscar somente a verdade. Portanto, de acordo com esse princípio a verdade penal não deve ser conquistada a qualquer custo. Durante a produção de provas, no curso do processo, todos os direitos e garantias fundamentais do individuo devem ser respeitados, como forma de limitação ao poder de punir do Estado. Tendo em vista que estamos em um Estado Democrático de Direito.

  1. Princípio do Juiz Natural

Este princípio trata especificamente do juiz legal, ou seja, ninguém pode exercer a jurisdição dos órgãos instituídos constitucionalmente; após o fato ninguém pode ser julgado por órgãos instituídos; vigora-se uma ordem taxativa de competência entre os juízes pré-constituídos. A Constituição de 1988 prevê o princípio do Juiz Natural no art. 5º, incisos XXXVII, LIII, LIV. Dessa forma:

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

 LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

 

Portanto, tal princípio é considerado direito e garantia fundamental decorrido do Devido Processo Legal. Sendo considerado também um fundamento de limitação ao jus puniendi (poder de punir do Estado).

  1. Princípio Nemo Tenetuz Se Detegere

Este princípio advoga que o indivíduo que pratica um ilícito penal não tem o dever de se auto incriminar, ou seja, direito ao silêncio e não produção de prova contra si mesmo. Pois de acordo com o art.5º, LXIII, da Constituição de 1988 “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Tal princípio é considerado uma grande conquista para o Direito Processual Penal, quando se trata de garantias constitucionais, pois não resta dúvida de que é um fundamento de grande validade para limitar o poder estatal.

  1. Como os princípios limitam o jus puniendi do Estado

O processo penal é regido por vários princípios, ao citar os mais relevantes no presente estudo, entendemos que todos servem como base e fundamento para que o Estado ao punir e reprimir a liberdade do indivíduo, também haja como garantidor de direitos.  Dessa maneira:

O processo penal é rengido por uma série de princípios e regras, que outra coisa não representam, senão postulados fundamentais da política processual penal de um Estado. Quanto mais democrático for o regime, mais o processo se apresenta como notável instrumento a serviço da liberdade individual. (FILHO, 2003, p.36)

                Portanto, todo o sistema processual penal deve ser regido à luz de princípios constitucionalmente previstos.  Para que tenhamos um equilíbrio entre a punição e os direitos fundamentais do individuo, pois o que torna esta área do direito processual polêmica na sociedade, é o confronto entre o direito a liberdade e direito de punir do Estado, sendo necessária uma análise desses dois extremos.

 

  1. JUS PUNIENDI VERSUS JUS LIBERTATIS

A princípio o Estado tem o direito de punir (jus puniendi) o individuo que descumprir  a norma penal. Tal poder é genérico, mas se concretiza a partir do momento em que se é praticado um delito, considerando-se assim que o Estado passa a punir especificamente quem pratica uma infração. A liberdade do ser humano é considerada um estado em que o individuo se encontra livre de qualquer repressão ou coação, o direito a liberdade (jus libertatis) é um direito fundamental previsto constitucionalmente, porém este direito só é mantido quando o cidadão não pratica condutas contrárias ao que está previsto na legislação penal. Dessa maneira:

O confronto entre o jus puniendi e o jus libertatis do indivíduo é o que faz do processo penal esse campo tenso e polêmico, pois a convivência dos mecanismos de repressão com os institutos que asseguram o direito de liberdade nas democracias é uma convivência naturalmente problemática. E nem poderia ser diferente considerando que o processo configura ameaça concreta à liberdade do indivíduo (MACHADO, 2009, p.1)

 

            Os seres humanos são, por sua natureza, seres sociais. Vivendo em sociedade, não a dúvidas de que as condutas de uns interferem na vida de outros, portanto, com o intuito com o intuito de manter a paz social foram criadas normas e regras para determinar seus direitos e deveres no meio social, ou seja, determinarem os comportamentos considerados como aceitos e coerentes. Surge então o Direito Penal no qual dispõe sobre condutas que são consideradas delituosas.  O poder de punir pertence ao Estado que o exerce através do Direito Processual Penal. É oportuno citar o ensinamento de Antônio Alberto MACHADO (2009, p.1), no qual afirma que o processo penal é um “ramo do direito que disciplina os mecanismos por meio dos quais o Estado pode constranger as liberdades e impor penas aos indivíduos. Não há dúvida de que funciona, naturalmente, como um sistema de controle social”.  

            Em suma, as normas ao serem descumpridas impõem sanções que reprimem atitudes delituosas, mas o direito a liberdade também deve se considerado relevante quando se trata de punição. Para tanto deve haver um equilíbrio entre estes dois extremos do Direito, para tornar a vida em sociedade mais harmoniosa. Demais, o processo penal para manter este equilíbrio é necessário que esteja pautado sempre em princípios e fundamentos constitucionais para que haja garantia de direitos fundamentais dos indivíduos, limitando o poder de punir do Estado. O processo deve funcionar como instrumento de punição e controle social e ao mesmo tempo como garantidor de direitos. Dessa forma haverá controle social, segurança jurídica e respeito à dignidade da pessoa humana.

 

CONCLUSÃO

            Em virtude do que foi mencionado, é imprescindível a observância dos valores e fundamentos constitucionais no exercício do poder do Estado, quando nos referimos a ceara criminal. Dessa forma, o direito processual penal enquanto instrumento de jurisdição do direito material penal, deve ser pautado sempre em acordo com o devido processo legal, garantindo aos indivíduos maior segurança jurídica e paz social; é necessário que condutas contrárias ao que está estabelecido na legislação penal vigente sejam devidamente punidas, no entanto, os direitos e garantias fundamentais previstos constitucionalmente também tem relevante importância, portanto é necessário que sejam levados em conta.

            Embora seja um tema tratado em várias doutrinas do processo penal, é constante a necessidade de uma leitura mais aprofundada a respeito, tendo em vista que muitos operadores do direito esquecem a importante ligação entre o direito constitucional e o direito processual penal. A constituição federal é a norma maior  no Estado democrático de direito, o que implica afirmar que todos os outros ramos do Direito devem ser pautados de acordo com o que nela está disposto. Pela observação dos aspectos analisados, chega-se a afirmação de o direito processual penal está baseado em dois extremos, de um lado o direito a liberdade; do outro, o direito de punir do Estado. É um campo dos campos do direito mais influenciado por questões políticas, sócias, econômicas etc., por isso torna-se polêmico e gera decorrentes discussões nos dias atuais, principalmente pela forte interferência da mídia em casos de grandes repercussões sociais.

Fica claro que é uma área do direito processual muito delicada, devendo ser analisada sempre sob uma ótica constitucional para que não ocorra injustiça, mas que também não se deixe de obter maior segurança jurídica. Por tanto, com convicção afirma-se que é melhor soltar um culpado do que prender um inocente, e em complemento tem-se outra afirmativa de suma relevância, ao ser provada a culpabilidade de um indivíduo, este ao ser punido deve ter todos os seus direitos garantidos na constituição, sendo esses os fundamentos de limitação do poder de punir do Estado.  É necessário um equilíbrio entre o jus puniendi (direito de punir do Estado) e jus libertatis (direito a liberdade do indivíduo).

 

REFERÊNCIAS

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[1] Acadêmicos de Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará.

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