Função paterna e docência
Por Antônio Eustáquio Ferreira | 18/12/2019 | EducaçãoO presente artigo é uma reflexão, resultado de excerto de pesquisa com enfoque psicanalítico, para defesa de tese de Doutorado, sobre alguns aspectos da falha da função paterna e sua influência também em alguns aspectos da docência. Analisamos a noção de função e a noção de pai em Freud, Lacan e comentadores. Discutimos como Lacan (1986), a partir de uma releitura de Freud e de ideias de Frege (1892), percebe algumas condições em que o inconsciente se permite acessar, isto é, por um deslize, um lapso, uma derrapada do sujeito, quando ele utiliza o chiste ou uma falha na fala. Com as contribuições de pesquisadores como Lacan (1986)(1995); Martins (2010) e Laplanche & Pontalis (2001), demonstramos como esses fenômenos possibilitaram estudos em diversas situações de relacionamentos humanos e, sobretudo em relação ao exercício da docência. Finalizamos explicitando como esses fenômenos psicanalíticos podem se relacionar com alguns momentos da docência, com apoio das análises efetuadas por Mrech (2005) sobre o impacto da psicanálise na educação.
Palavras chave: Psicanálise, docência e função paterna.
INTRODUÇÃO
Ressaltamos que função será tratada aqui como aquilo que estabelece as relações entre objetos libidinais. Freud (1912) fez uso do termo imago, introduzido por Jung (1911), e idealizou: imago paterna, imago materna e imago fraterna. Laplanche e Pontalis (2001) descrevem o termo imago como “representação inconsciente”. (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001, p. 235). Os autores assinalaram que o termo não representa uma imagem do real, e sim um plano imaginário apreendido, cujo objetivo é direcionado ao outro. Eles reforçaram a ideia com o exemplo de que “... a imago de um pai terrível pode muito bem corresponder a um pai real apagado”. (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001, p. 235). A noção de função lacaniana, segundo Correa (2009), veio da lógica de Friedrich Ludwig Gottlob Frege, matemático e filósofo alemão, que criou um sistema de representação simbólica que visava representar formalmente a estrutura dos enunciados lógicos e suas relações, e a invenção dos cálculos dos predicados. Vale ressaltar que Frege (1892) problematizou o sentido e a referência, nome de sua obra, ilustrando que os nomes próprios “Estrela da Manhã” e “Estrela da Tarde” se referem ao planeta Vênus, ao mesmo tempo, o apresenta com sentidos diferentes. Frege (1892) afirma que a proposição poderá ter sentido e referência, mas no caso de poemas épicos somente sentido. Portanto, Frege (1892) valoriza a referência, porque o pensamento sem referência perde o valor, pois é esta que contém o valor de verdade. Lacan (1986), então, teria encontrado formas de acesso ao inconsciente com base nas ideias de Frege (1892). Em sua releitura de Freud, Lacan (1986), percebeu que o inconsciente permitia-se apreender de duas maneiras: quando o indivíduo comete um deslize, um lapso, uma derrapada, utiliza o chiste ou uma falha na fala. Ocorre segundo Lacan (1986) um deslocamento, ou seja, o sujeito diz uma palavra no lugar de outra ou quando cria o que o psicanalista denominou de condensação, como no exemplo do chiste o “familionário”, palavra formada dos termos familiar e milionário. Laplanche e Pontalis (2001) assinalam que o ato falho é aquele cujo objetivo não é atingido, mas “se vê substituído por outro” (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001, p. 44). Os atos falhos são as ações que os indivíduos conseguem realizar com habilidade, mas quando eles falham, costumam responsabilizar a distração ou o acaso. Nesse sentido, Martins (2010), empreendendo uma investigação sobre o futebol, que confessa ser uma de suas paixões, como também a de muitos brasileiros, expõe que as jogadas compõem um conjunto de habilidades, inteligência e rapidez dos executores, mas com naturalidade. No entanto, não se pode culpar a distração ou o acaso pelas falhas nessas jogadas. Para Laplanche e Pontalis (2001) a frase ato falho demonstra, em alemão “Fehlleistung”, que Freud considerava o conjunto de todo tipo de erro, de “lapsos na palavra e no funcionamento psíquico”. (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001, p. 44). Martins (2010) alerta que esse fenômeno foi amplamente investigado por Freud e que o importante para o sujeito na análise é a cura. Entretanto, os erros, os atos falhos nas atividades humanas “continuam sendo dimensões sintomáticas a serem qualificadas. ” (MARTINS, 2010, p. 68). E já que o tema é o futebol, Martins (2010) lembra o caso dos erros de Roberto Baggio, jogador de futebol incansavelmente treinado para a cobrança de pênaltis, errar justamente na final da Copa do Mundo. E de Zico, também exímio “atirador” da bola no ângulo do gol, chutar para fora das traves. A desatenção contribui para uma falha na intenção de atingir o objetivo. Ela, a desatenção permite que o ato falho ocorra de modo mais intenso, sobretudo em se tratando de atividades mais agressivas, conforme nos orienta Martins (2010). O esgotamento do jogador possibilita o ato falho, propicia condições de funcionamento de modo inconsciente. Atos que não carecem de condições da “consciência objetivadora”, mas que surgem na “forma de uma violência desmesurada em um sujeito tido até ali como um exemplo de candura. ” (MARTINS, 2010, p. 71). Outra investigação que permite uma aproximação compreensiva acerca da questão do chiste é o caso do pequeno Hans. Lacan (1995) alerta que o cavalo de Hans, antes de ocupar a função metafórica, desempenhou vários papeis. O menino deixou seus observadores em dúvida, utilizando várias versões das histórias para escapar, para fugir e Lacan (1995) assinala que tinha a “impressão” de que Hans zombava do pai e de Freud. Lacan (1995) alerta que a criança tem uma imaginação fabulosa. Tanto é que Hans enriquece o mito da cegonha e o carrega de elementos humorísticos: “ela entrou, tirou o chapéu, tirou uma chave do bolso etc.” (LACAN, 1995, p. 294). Essa invenção de Hans impressionou seus observadores. E o humor é uma solução infalível para os infortúnios do esporte. Martins (2010) afirma que o humor é preferível à agressividade “desbocada e o escarnecer do outro. ” (MARTINS, 2010, p. 111). O psicanalista explicita que as palavras utilizadas para ironizar e as piadas que provocam risos destrói o outro. Deve-se ter cuidado com a dúvida do efeito que pode causar o rebaixamento moral de quem é alvo desses ataques. Enfim, Martins (2010) chama a atenção para a questão de que somos animais com potencial para o riso, para o humor. Tal fenômeno, criado por nossos antepassados, é fundamental para a vida. O humor “possibilita a sublimação tão difícil de realizar depois da infância”. Pacifica. O humor “é o bálsamo para alívio dos males oriundos da racionalidade e autolimitação, realizados na própria ação (semiosis) como ser”. (MARTINS, 2010, p. 114). [...]