Francenildos e Paloccis são iguais perante a lei?

Por Denis Farias | 19/09/2009 | Direito

Francenildos e Paloccis são iguais perante a lei?

No país chamado Brasil, toda a estrutura política, social, administrativa, econômica e cultural está assentada na lei magna, a Constituição. Nesse diploma legal, há uma piada sem graça e de mau gosto descrita no artigo no 5º, com a seguinte redação: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”

Em um julgamento prolatado na mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal, a piada foi contada e fez o Brasil rir para não chorar. Envolveu um ex-caseiro como vítima e um ex-ministro da fazenda, hoje deputado federal como um dos acusados. O resultado mostrou que para uns vemos os rigores da lei e para outros os favores da lei. Igualdade que é bom...

O Julgamento tratou do recebimento da denúncia feita pelo Ministério Público Federal contra Antônio Palocci Filho, Jorge Eduardo Levi Mattoso e Marcelo Amorim Netto. Todos estavam sendo acusados da prática do crime de quebra ilegal de sigilo bancário, nos termos do art. 10 da Lei Complementar n.º 105/201, que diz o seguinte: “A quebra de sigilo fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos e multa, aplicando-se no que couber o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.”

Em 2006, o caseiro confirmou que o então Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, frequentava uma comprometedora mansão em Brasília, onde se misturavam empresários, lobistas e mulheres. Dias após as bombásticas revelações, o sigilo bancário do caseiro foi misteriosa e ilegalmente violado. De forma suspeita, o governo começou a espalhar a notícia de que Francenildo tinha ganhado dinheiro para fazer as inconfessáveis revelações. Como os fatos envolviam altas personalidades da União, a Polícia Federal entrou em campo. Em uma eficiente investigação, ficou provado que tudo não passou de uma tramóia para desqualificar o caseiro. Na verdade, Jorge Mattoso, então presidente da Caixa Econômica Federal, foi o responsável pela violação do sigilo. Já Marcelo Netto, na época assessor do Ministro, foi o encarregado de fazer a divulgação dos dados. Ambos fizeram tudo sob as ordens de Palocci. Pressionado pela vergonhosa situação em que se envolvera, o Ministro teve que pedir demissão.

Entretanto, na mais alta corte do Judiciário, onde se espera que se fizesse Justiça, os fatos tomaram novos rumos.

Antes de discutir o mérito do delito, o Presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, levantou uma questão de ordem, para que o Tribunal se manifestasse preliminarmente se iria receber ou não a denúncia formulada pelo órgão acusador. Caso fosse rejeitada, não se adentraria no mérito. Na prática, seria uma absolvição sumária. Se o Tribunal recebesse, então passaria ser discutida a proposta de suspensão condicional do processo ou o mérito da prática do crime, conforme a manifestação das partes. A questão de ordem foi acatada. O tribunal, analisando previamente a denúncia, aquilatou sobre a inépcia da peça acusatória inaugural ou a falta de base empírica, isto é, falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal. Por fim, o STF, por maioria, com o voto dos Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cezar Peluso, rejeitou a denúncia contra os acusados Antônio Palocci e Marcelo Antônio Netto, porém a recebeu contra o acusado Jorge Eduardo Mattoso. Portanto, ficou livre do processo criminal o ex-ministro e hoje deputado federal Antônio Palocci e seu ex-assessor.

Um integrante da corte julgadora definiu bem o episódio: “a corda quebrou do lado mais fraco”. Mas todos não são iguais perante a lei?

O processo criminal tem seu início pela denúncia do Ministério Público ou pela queixa-crime do ofendido. Ambas têm que ser recebidas. O recebimento é um mero juízo de cognição sumária. Nesse momento, não se discute o mérito da conduta criminosa. Bastam indícios da autoria e da materialidade da infração penal. Se o acusado virá ou não a ser condenado, só a prova produzida nos autos dirá, e tudo ficará esclarecido quando for exercido o juízo de mérito. Os indícios geralmente são obtidos na fase do inquérito policial, são os elementos lícitos que indicam a possibilidade de existência de um fato delituoso e de sua autoria. Não se trata de uma prova cabal, mas de juízo provisório que podem ou não ser comprovados ou confirmados no curso do processo. Nesse caso do Ministro Palocci, prevaleceu a opinião dos cinco ministros do STF que entenderam não haver indícios e elementos para o recebimento da denúncia.

Pelo que podemos observar, nem todos são iguais perante a Lei. Se fossem, o STF teria recebido a denúncia contra todos e mandaria ser apurado o crime contra o caseiro.
Denis Farias é advogado
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