Folia no Museu Goeldi
Por Carlos José Esteves Gondim | 04/09/2013 | FrasesFolia no Museu Goeldi.
-- A gente vai ter só quinze segundos para atravessar para o outro lado” – sentenciou cronometricamente o pequeno Marco Chafariz.
-- Quantos poraquês tem no lago? – Indagou completamente por fora o Toninho Tonto.
-- Rapaz. São vários. Não tenho a menor ideia de quantos. Uns dezoito, mais ou menos – conjecturou Marco Chafariz.
O grupo era formado por cinco rapazes. Moleques com a idade média de 13 anos. Estavam reunidos à sombra de um pé de Guajará, a árvore mais antiga, localizada em frente da jaula das onças.
-- Reparem que tem aqueles cipós descendo até o chão...
-- É a “escada de jabuti” – informou o esperto Zé do Açaí.
-- Vamos ter que subir por eles?
-- Não, não é nada disso. Quem “sobe” nele só é o jabuti... Corrigiu Marco Chafariz.
-- Bem do lado dele, existem aqueles cipós que são verdadeiras cordas. São aqueles ali – mostrou apontando com o dedo.
-- A gente pode usá-los para passar do lago para a ilha. Da ilha para o outro lado será com as nossas pernas... Apareceu finalmente a opinião do Pedro Mucura.
-- Mas é exatamente lá que os poraquês costumam descansar depois da comida... – disse preocupado o Zé do Açaí
A reunião vez por outra era interrompida pelos urros da onça-pintada, que mesmo enjaulada, fazia arrepiar os cabelos dos rapazes. Imediatamente se calavam, como se assim o felino parasse de emitir o seu esturro gutural.
-- Se um, apenas um, daqueles peixes elétricos encostar-se na perna de um de nós, será um choque de mais de seiscentos volts!—sentenciou Argemiro, o que se dizia especialista em peixes produtores de energia elétrica.
-- Todos já entenderam a missão? – perguntou Marco Chafariz.
-- Entendi sim. – Disse Toninho Tonto, quase ao mesmo tempo que o Zé do Açaí, o Pedro Mucura e o Argemiro.
A chuva das duas horas da tarde tinha começado e fez com que a reunião, que estava para findar, ser transferida para o pátio da Rocinha. E pra lá foram.
-- Tem um detalhe. Todos devem pular o muro sem serem vistos pelo Mundó. Ele está uma fera com a gente, desde a última que aprontamos com o macaco-punheteiro... – retomou o diálogo o Zé do Açaí.
-- Não se preocupem com isso. Eu sei como despistá-lo. Vou pedir pra Mariquinha Irerê levar um pão-doce com refresco de cupuaçu pra ele, lá no portão de entrada. Fico na guarda na esquina. Quando ela chamar por ele, a gente se prepara. Ok? – arrematou confiante Argemiro.
-- Então, tá fechado. Amanhã, quer chova, quer faça sol, às nove da manhã a gente se encontra na esquina da Alcindo com a Independência. Dispersaram-se.
No outro dia, lá estavam os cinco rapazes-moleques -- ou seriam moleques-rapazes?
Argemiro levava um pão-doce embrulhado em papel manteiga. O refresco era da Mariquinha, que fazia ponto no portão de entrada, vendendo raspa-raspa.
-- Ei Mundó! Vem cá! Tenho uma merenda pra ti – chamou Mariquinha Irerê.
Mundó que catava umas frutas de taperebá pelo chão se dirigiu até a prestativa Mariquinha.
-- Vamos pessoal! – gritou Toninho Tonto.
-- Ahhhhôôô... ahhhhôôô... – o grito do Tarzan, ou melhor, de cinco Tarzans ecoou no ar do Museu. A bicharada se alvoroçou. A cutia-dourada ficou imóvel e depois desembalou pela trilha. O macaco guariba-preta interrompeu a acrobacia que fazia no alto da Castanheira. A arara-canindé pôs-se a taramelar. O jacaré-açu, que pegava sol, mergulhou rapidamente n’água. O bando de tartarugas-da-Amazônia e tracajás-do-Rio-Negro acompanharam, por sua vez, seus inimigos naturais no banho fora de hora. Momentos depois, a tarefa estava cumprida. O grupo de rapazes-moleques se espalhou pela vegetação densa do parque.
Mais uma folia no Museu Goeldi.
"Esta história baseia-se em fatos reais, para mim contados pelo saudoso e querido Dr. Félix (José Carlos Félix de Oliveira, advogado) morador nas cercanias do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará, que me ensinou a evolução dos peixes de pele e na década de 1990 me salvou a pele da perseguição política da faculdade onde eu trabalhava. Meu eterno reconhecimento!"