FLORBELA ESPANCA E LOS HERMANOS: PRA FALAR DE AMOR

Por Rafael Menezes da Silva | 22/01/2013 | Literatura

FLORBELA ESPANCA E LOS HERMANOS: PRA FALAR DE AMOR

Rafael Menezes da Silva


ORIENTADOR: Prof. PhD. Antônio Ponciano Bezerra

1. INTRODUÇÃO

Queria ser a erva humilde/Que pisasses algum dia/Pra debaixo dos teus pés morrer em doce agonia. (Florbela Espanca,9 e 10 estrofes da poesia “As Quadras D’ele III”).

Sem você minha vida é um castigo,sem você prefiro a solidão a sete palmos do chão. (Aline, Marcelo Camelo-CD Los Hermanos ,1999).

A solidão, a dor e o sofrimento são, de maneira muito clara, usadas nas poesias de Florbela Espanca e nas músicas de Los Hermanos. Não se sabe se essas semelhanças têm alguma relação prevista pelos compositores Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante com Florbela, mas nota-se uma semelhança muito grande nas músicas e nas poesias dos mesmos. A paixão exacerbada pela pessoa amada, o desejo da morte e o sofrimento com a dor do fracasso amoroso é freqüentemente usado nos textos de ambos.
Com o objetivo de mostrar que ainda existem músicas com essência, que nos acrescenta algo e fazer a análise das mesmas com as poesias de Florbela, que decidimos nos aprofundar nesse mundo dos versos, pra mostrar que ainda nos restam músicas para refletir ou até discuti-las e assim tornar pessoas com mais essência e com senso crítico.
Esse é um tema sugestivo, por tratar-se de poesia, música, cultura e literatura, temas esses de suma importância, pois a sociedade se interessa, em sua maioria pela cultura de massa, a cultura que não nos traz muita essência. Para obtermos tais informações, e as passarmos com segurança, a pesquisa foi realizada através de muita leitura, debate e pesquisas na Internet como auxiliares para o nosso texto.


2. DESENVOLVIMENTO


“Aline, sem você confesso eu não vivo, sem você minha vida é um castigo, sem você prefiro a solidão a sete palmos do chão.” (Aline, Marcelo Camelo – CD Los Hermanos, 1999).


“Quando me não quiseres mais/Mata-me por piedade!/Deixares-me a vida, sem ti/É bem maior crueldade/Queria ser a erva humilde/Que pisasses algum dia./Pra debaixo dos teus pés/Morrer em doce agonia.” (Florbela Espanca, 9ª e 10ª estrofe da poesia “As Quadras D’ele III”, livro Trocando Olhares).


Os trechos acima citados mostram um sofrimento aparente em dois aspectos: um, na letra, mostra que sem a pessoa amada ele sofrerá e prefere a solidão juntamente com a morte, ou seja, sem ela prefere-se morrer a viver e contemplar a solidão, já o outro, na poesia, ela prefere que o amado mate-a quando for deixá-la só, pois se for pra ficar só, prefere morrer, contanto que seja por ele. Nos dois trechos, aparece o mesmo tema: a solidão, juntamente com um sentimento de revolta e dor, pelo fato de ficar só, e não conseguir viver com a solidão.


“Primavera se foi, e com ela meu amor [...]/Primavera se foi e com ela essa dor se aloja no meu peito devagar.”

(Primavera, Marcelo Camelo – CD Los Hermanos, 1999).


“O tempo vai um encanto,/A Primavera „stá linda,/Voltaram as andorinhas.../E tu não voltaste ainda!.../Porque me fazes sofrer?/Porque te demoras tanto?/A Primavera „stá linda.../O tempo vai um encanto.../Tu não sabes, meu amor,/Que, quem „spera, desespera/O tempo está um encanto.../E vai linda a Primavera... (Trecho da poesia “Carta para longe”, do livro “O livro D’ele”).


A personificação da Primavera aparente nos trechos remete-se a uma pessoa que te deixa triste e feliz ao mesmo tempo, pois apesar de levar e trazer dor, a Primavera está linda, e vai continuar, pois a “Primavera soprando num caminho mais feliz”, diria Marcelo Camelo e “O tempo está um encanto..../E vai linda a Primavera”, diria Florbela Espanca, fazendo-nos refletir que, apesar de tudo que ocorre de ruim na vida, a “Primavera” estará sempre indo e vindo, bela como sempre.


A Flor
Ouvi dizer que o teu olhar ao ver a flor Não sei por que achou ser de um outro rapaz Foi capaz de se entregar Eu fiz de tudo pra ganhar você pra mim Mas mesmo assim... Minha flor serviu pra que você achasse alguém Um outro alguém que me tomou o seu amor E eu fiz de tudo pra você perceber Que era eu... Tua flor me deu alguém pra amar E quanto a mim? Você assim e eu, por final sem meu lugar E eu tive tudo sem saber quem era eu... Eu que nunca amei a ninguém Pude, então, enfim, amar...vai!

Los Hermanos (Marcelo Camelo/Rodrigo Amarante)


Aonde?... Estendo os braços meus! Chamo por ti ainda! O vento, aos meus ouvidos, soluça a murmurar; Parece a tua voz, a tua voz tão linda Cantando como um rio banhado de luar! Eu grito a minha dor, a minha dor intensa! Esta saudade enorme, esta saudade imensa! E só a voz do eco à minha voz responde... Em gritos, a chorar, soluço o nome teu E grito ao mar, à terra, ao puro azul do céu: Aonde estás, Amor? Aonde... aonde... aonde?..."
Florbela Espanca


Nos textos acima, podemos perceber a semelhança entre a poesia e a música, entrelaçando a busca pelo amor ideal, sempre sofrendo, desesperado, no caso de Florbela, que ela chora, soluça o nome da pessoa amada, apenas para descobrir onde se encontra o verdadeiro amor, no caso de Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante, usa a flor para demonstrar todo o carinho demonstrado por ele à pessoa amada e a pessoa não liga para o sofrimento dele.


2.1. O EU-LÍRICO
Definindo-se eu-lírico: o eu-lírico dar-se-á quando o poeta expressa sentimentos que não sentiu necessariamente ou sentiu com intensidade de realidade tratando-se então, de não um eu real, mas sim eu poético lírico, quando comparamos a música “A outra” (Marcelo Camelo – CD Ventura, 2003) demonstra completamente a semelhança com Florbela Espanca:


A outra

Paz, eu quero paz Já me cansei de ser a última a saber de ti Se todo mundo sabe quem te faz chegar mais tarde Eu já cansei de imaginar você com ela Diz pra mim se vale a pena, amor A gente ria tanto desses nossos desencontros Mas você passou do ponto e agora eu já não sei mais... Eu quero paz Quero dançar com outro par pra variar, amor Não dá mais pra fingir que ainda não vi As cicatrizes que ela fez Se desta vez ela é senhora deste amor Pois vá embora, por favor Que não demora pra essa dor... sangrar

Los Hermanos (Marcelo Camelo)


A maioria das poesias de Florbela nos mostra o eu-lírico feminino, tal qual a música de Marcelo Camelo:


Ódio?
Ódio por ele? Não... Se o amei tanto, Se tanto bem lhe quis no meu passado, Se o encontrei depois de o ter sonhado, Se à vida assim roubei todo o encanto...
Que importa se mentiu? E se hoje o pranto Turva o meu triste olhar, marmorizado, Olhar de monja, trágico, gelado Como um soturno e enorme Campo Santo!
Ah! nunca mais amá-lo é já bastante! Quero senti-lo d‟outra, bem distante, Como se fora meu, calma e serena!
Ódio seria em mim saudade infinda, Mágoa de o ter perdido, amor ainda. Ódio por ele? Não... não vale a pena...
Florbela Espanca


O eu-lirico presente tanto na poesia quanto na letra é de um sentimento de desabafo, mas com serenidade, sempre racional. O eu-lírico também é igual quanto o gênero, pois os dois são femininos, fato esse difícil de encontrar em letras de música na atualidade, o sentimento da pessoa feminina e a 1ª pessoa estão muito presente, como a 3ª pessoa nas composições e nas poesias, também:


Cara Estranho
Olha só, que cara estranho que chegou
Parece não achar lugar,
No corpo em que Deus lhe encarnou
Tropeça a cada quarteirão,
Não mede a força que já tem
Exibe à frente um coração,
Que não divide com ninguém
Tem tudo sempre às suas mãos,
Mas leva a cruz um pouco além
Talhando feito um artesão
A imagem de um rapaz de bem
Olha ali, quem tá pedindo aprovação
Não sabe nem pra onde ir,
Se alguém não aponta a direção
Periga nunca se encontrar,
Será que ele vai perceber
Que foge sempre do lugar,
Deixando o ódio se esconder
Talvez se nunca mais tentar viver o cara da TV
Que vence a briga sem suar,
E ganha aplausos sem querer
Faz parte desse jogo, dizer ao mundo todo
Que só conhece o seu quinhão ruim
É simples desse jeito, quando se encolhe o peito
E finge não haver competição
É a solução de quem não quer
perder aquilo que já tem
E fecha a mão pro que há de vir
Los Hermanos (Marcelo Camelo)


Verdades Cruéis
Acreditar em mulheres É coisa que ninguém faz; Tudo quanto amor constrói A inconstância desfaz.
Hoje amam, amanhã´squecem, Oras dores, oras alegrias; E o seu eternamente Dura sempre uns oito dias!…
Florbela Espanca


Ambos escrevem sobre o cotidiano, mais um dos temas semelhantes encontrado em comum entre Los Hermanos e Florbela Espanca. O primeiro texto fala de um cara complexado, cheio de problemas e com crise de identidade, e o segundo, nos remete a uma verdade social, ninguém acredita nas mulheres, poucas são amadas como deveriam, mas na verdade, dever-se-ia não acreditar em quem as amam, os dois nos mostram fatos do cotidiano que pode acontecer com qualquer um.


2.2. “AMAR, AMAR E NÃO AMAR NINGUÉM”
Ao analisar a letra poética “Anna Júlia” do Hermano (Marcelo Camelo), e o soneto da poetisa mais importante da literatura portuguesa, Florbela Espanca, é perceptível o sentimento amor, belo, mas, não recíproco, nas entrelinhas expõe-se que esse amor não se consolida, com a figura da Anna Julia a qual faz tanto sofrer seu admirador, na letra do vocalista Hermano, que por não ter a oportunidade de estar ao seu lado vive a contemplá-la, em sua pura solidão, não é diferente, assim como no soneto de Florbela que nos mostra este amor sem resposta do outro, com uma mulher que vive a esperar por esse amor intenso, e na realidade vê que isso nunca se passará de um sonho. Pode-se analisar que por mais que esse amor falado seja forte, é recheado de sofrimento, por não ter a resposta da pessoa amada.
Como diz a própria poetisa em seu auto-retrato, mostra até que ponto o seu temperamento visceralmente insatisfeito, a fadava a incompreensão:
O meu talento de que me tem servido? Não trouxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequena esmola do destino. Até hoje não há ninguém que de mim se tenha aproximado que não me tenha feito mal. Talvez culpa minha, talvez... o meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angustia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê.
Amar, Amar e não Amar ninguém, é a busca incansável por um amor perfeito, intenso. O que se faz notar, que esse amor não existe, pois ninguém é perfeito. Essa pessoa desejada, nas letras dos Los Hermanos e nas Poesias de Florbela Espanca em geral, como o titulo do soneto, são só sonhos... Pois, só há perfeição na ficção.´


3. CONCLUSÃO:
Não pode se afirmar que Los Hermanos tem total influência de Florbela Espanca sem fundamentos, o que pode se dizer é que se pararmos, lermos e ouvirmos comparando um ao outro, podemos afirmar que se assemelham em vários aspectos abordados durante toda a pesquisa, o que se sabe, ao certo é que fazendo comparações aprofundadas, e outras nem tanto, podemos perceber a evidência dos fatos abordados, pois a semelhança é muito grande.
Los Hermanos, contemporaneidade, Florbela Espanca, século XIX e começo do século XX, é difícil acreditar que muita coisa se interliga, formando cada vez mais intelecto e provando que não só de atualidade vive a música, mas sim de várias situações que nos põe entre indagações, às vezes sem respostas, o fato é que quase todo o assunto que Florbela Espanca trata em suas poesias, a banda Los Hermanos nos faz pensar que estamos ouvindo algum poema dela.
Coincidência, intertextualidade, semelhança, ninguém se sabe ao certo, mas ficamos com intertextualidade, que é mais fácil de estudar para acadêmicos de Letras, e que melhor explica essa semelhança (outro fator interessante) aparente, e impressionante.

REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Patrícia. O Donjuanismo na poesia de Florbela Espanca: "Amar, amar
e não amar ninguém!" Porto Alegre: UFRS,2004
ESPANCA, Florbela. Poesia de Florbela Espanca. Vol. 1. Porto Alegre: L&PM,
Editores, 2002
ESPANCA, Florbela. Poesia de Florbela Espanca. Vol. 2. Porto Alegre: L&PM,
Editores, 2002
ESPANCA, Florbela. Sonetos. 3. ed. Portugal: Europa-América, [19--]. 201 p.
KOTHE, Flávio Rene. Fundamentos da teoria literária. Brasília, DF: UnB, ©2002. v.
1 ISBN 8523006516
http://jornal.valeparaibano.com.br/2005/09/09/viv01/alosher.html
http://mtv.uol.com.br/drops/drops.php?id=18271
http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcelo_Camelo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rodrigo_Amarante
http://pt.wikipedia.org/wiki/Los_Hermanos
http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Entrevistas&css=1&SubArea=Biografi
as&ID=33&IDArtista=32
http://www2.uol.com.br/loshermanos/